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Cruzadas: A Primeira Guerra Mundial, mesmo

História da Guerra das Cruzadas, que aconteceu há exatos 900 anos.

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Atualizado em 31 out 2016, 18h21 - Publicado em 30 set 1995, 22h00

Ricardo Arnt

Há 900 anos, no dia 18 de novembro de 1095, o papa Urbano II e o monge Pedro, o Eremita, botaram fogo no mundo. Atendendo aos apelos dos cristãos do oriente, o papa reuniu nobres feudais em Clermont, na França, e pediu que libertassem Jerusalém dos árabes. Foi um discurso fulminante. Começaram, aí, as cruzadas, a verdadeira primeira guerra mundial. Para os árabes, foram 200 anos de invasões bárbaras que deixaram cicatrizes que dóem até hoje.

Por Ricardo Arnt

As cruzadas na Terra Santa começaram em 1095 e terminaram em 1291, com a derrota dos cristãos. Mas, fora da Palestina, continuaram até o século XVI. Houve cruzadas na Espanha e no Báltico, contra os pagãos da Letônia e da Finlândia, contra cristãos heréticos, como os cátaros franceses e os hussitas tchecos, e até contra camponeses sublevados na Alemanha. Todas foram convocadas pelos papas em nome de Cristo e em defesa da cristandade.

As cruzadas expulsaram os muçulmanos da Europa, expandiram a influência européia e criaram países latinos na Palestina que duraram 200 anos, mas falharam no essencial: não conquistaram a Terra Santa. Pior: embora fossem convocadas para defender os peregrinos cristãos, perseguidos pelos árabes em Jerusalém, e os cristãos do oriente contra a expansão muçulmana, iniciada no século VIII, uma das cruzadas (a Quarta) invadiu Constantinopla, a Roma grega do oriente (também conhecida como Bizâncio, hoje, Istambul), saqueou-a e repartiu o Império Bizantino entre barões europeus. Os cristãos gregos nunca mais perdoaram os ocidentais e consumou-se o cisma entre a Igreja Cristã Ortodoxa Grega e a Igreja Católica Apóstolica Romana, que perdura até hoje.

Para os muçulmanos, a tragédia foi maior. Durante 200 anos, centenas de milhares de peregrinos armados, aventureiros, guerreiros, cavaleiros medievais e exércitos regulares liderados pelos reis da Europa desabaram sobre o Oriente Médio. Embora a guerra fosse contra os árabes, no caminho até Jerusalém, os cruzados também atacaram os judeus.

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Na Palestina, conviviam cristãos de várias seitas, gregos, armênios, judeus, georgianos, muçulmanos sírios, egípcios e turcos. A cultura árabe era mais próxima da grega, mais cosmopolita e mais humanista do que a cultura me-dieval. Mas os árabes eram desunidos e guerreavam entre si, sem parar. Os cruzados encontraram povos independentes e souberam aliar-se com alguns.

As marcas das cruzadas duram até hoje. O turco Mehmet Ali Agca, que atirou no papa, em 1981, declarou: “Decidi matar João Paulo II, comandante supremo dos cruzados”. A maior divisão do exército da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) chama-se Hattin, o nome da batalha em que o sultão Saladino venceu os cruzados. Para muitos árabes, o Estado de Israel parece um Estado cruzado.

Para saber mais:

Maomé, religião e poder

(SUPER número 2, ano 4)

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Explosão islâmica

(SUPER número 5, ano 11)

A longa marcha guerreira até Jerusalém

Em ondas sucessivas, centenas de milhares de europeus invadiram o oriente. Foram oito cruzadas.

1ª) Fervor penitente

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Em 1095, 50 mil fiéis saíram para a Terra Santa, a pé. A maltrapilha “Cruzada do Povo” provocou distúrbios onde passou e foi massacrada pelo primeiro exército turco que encontrou. Mas em 1097, chegaram os cruzados de fato, os cavaleiros francos — chamados de franj pelos árabes. Tomaram Edessa, Antióquia, Trípoli e Jerusalém. Godofredo de Bulhão, Duque de Lorena, foi eleito Defensor do Santo Sepulcro. Seu sucessor virou rei de Jerusalém.

2ª) Ataque infeliz

Cinqüenta anos depois, em 1144, os muçulmanos retomaram Edessa. A Europa reagiu com a Segunda Cruzada, mandando dois exércitos, o de Luís VII, da França, e o de Conrado III, do Sacro Império Romano-Germânico. Em 1147, os turcos venceram Conrado em Doriléia. Em 1148, Luís VII atacou Damasco, cujo soberano, até então, era aliado cristão. Depois de cinco dias de cerco, bateram em retirada. O ataque foi decisivo para a união dos árabes.

3ª) Duelo de titãs

Em 1187, o sultão Saladino retomou Jerusalém. A Europa indignou-se. Frederico Barbarossa, rei da Alemanha, partiu com um exército, mas morreu, na Turquia, acidentalmente. Felipe Augusto, rei da França, e Ricardo Coração de Leão, principe da Inglaterra, tomaram Chipre e Acre. Ricardo arrasou Saladino na batalha de Arsuf (veja na página 53), mas o sultão fortaleceu-se em Jerusalém. Em 1192, fizeram um acordo de paz: os cristãos ganharam a costa e acesso à Jerusalém, que continuou sob controle árabe.

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4ª) Ironia da História

Em 1199, nobres francos encomendaram aos venezianos uma frota para levar a Quarta Cruzada ao Egito. Quando ela ficou pronta, não tinham como pagá-la. Como compensação, os venezianos propuseram tomar a cidade húngara e cristã de Zara, sua rival no Adriático. De lá, a cruzada decidiu ajudar um príncipe a conquistar o trono do Império Bizantino. Foi para Constantinopla e depôs o rei. Depois de uma revolta popular, em 1204, os cruzados saquearam e incendiaram a capital cristã do oriente.

5ª) Loucura total

Em 1212, milhares de crianças, acompanhadas de adultos e aproveitadores, partiram para a Terra Santa. A “Cruzada das Crianças” desapareceu e por isso não é contabilizada. A maioria dos meninos foi vendida como escravo ou naufragrou. Em 1215, Frederico II, da Alemanha, enviou um exército para atacar o Egito, comandado pelo car- deal espanhol Pelagius e pelo rei de Jerusalém, Jean de Brienne. A Quinta Cruzada tomou Damieta, mas uma enchente do Nilo impediu o ataque a Cairo. Em 1221, fez-se uma trégua.

6ª) Bom de papo

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Excomungado pelo papa Gregório IX por não ter ido para a Quinta Cruzada, Frederico II, casado com a filha de Jean de Brienne e com direito ao trono de Jerusalém, armou a Sexta. Em 1228, saiu como uma armada da Itália, passou por Chipre e incorporou os Cavaleiros Teutônicos, em Acre. Sentou, então, e negociou com o sultão Al Kamil, do Egito — conversando em árabe. Ganhou Belém, Jerusalém, um corredor da cidade santa para o mar e um acordo de paz de dez anos, sem luta.

7ª) Improvisação

Em 1239, Teobaldo IV, Conde de Champagne, e Richard de Cornwall fizeram uma cruzada mal organizada contra o Egito. Deu em nada. Em 1244, uma aliança turco-egípcia retomou Jerusalém.

8ª) O rei santo

Em 1245, o papa Inocêncio IV conclamou a Oitava Cruzada, aceita pelo rei Luís IX, da França. Em 1249, Luís tomou Damieta, no Egito, mas, em 1250, foi batido e preso na batalha de Al-Mansurah. Libertado em troca de resgate, ficou no Egito até 1254. Em 1265, o sultão egípcio, Baibars, tomou a Galiléia (no norte da Palestina) e, em 1268, a Armênia e Antióquia. Luís reagiu criando uma nova frota. Saiu de Marselha, em 1270, mas, ao desembarcar em Túnis, ficou doente e morreu. A última cruzada voltou para a França sem lutar.

Exaltação religiosa impôs sacrifícios

Se a motivação dos nobres cruzados fosse apenas econômica, para adquirir terras e saquear as cidades, não teria sido preciso ir tão longe. No século XI, ainda havia muita terra disponível na França e na Alemanha. As cruzadas foram um movimento popular. A libertação da Terra Santa e dos lugares sagrados da Bíblia, como o Santo Sepulcro (o suposto túmulo de Jesus), atraiu legiões de penitentes de todas as classes. Eles largavam tudo, costuravam uma cruz nas vestes e saím, rumo à Terra Santa, clamando “Deus le volt” (Deus o quer). As cruzadas perderam popularidade quando começaram a ser usadas pelo papado para combater seus adversários na Europa, como as seitas acusadas de heresia.

A cruzada era vista como um exercício de penitência tão severo que absolvia os participantes de todos os pecados. Poucos cruzados voltaram das expedições. Muitos morriam de fome já no caminho de ida. Embora aventureiros tenham se enriquecido, um número maior de nobres abandonou tudo e morreu na Palestina. As cruzadas difundiram o código de honra da cavalaria medieval e revelaram tipos e personagens que inspiraram a literatura romântica e religiosa.

Ao inventá-las, pregando a união contra os muçulmanos, é provável que o papa Urbano II desejasse, também, desviar a violência dos barões feudais para longe da Europa. Os cruzados, realmente, pareciam loucos. Tinham a audácia de lunáticos. Estavam quase sempre em inferioridade numérica e desconheciam o terreno. Mas possuíam uma arma decisiva: a carga de cavalaria dos lanceiros de armadura. Além disso, eram muito mais disciplinados do que os exércitos árabes, submetidos a soberanos que guerreavam entre si e se atraiçoavam sem parar.

A primeira das cruzadas criou quatro países e instalou dinastias feudais nos condados de Edessa e de Antióquia, no principado de Trípoli e no reino de Jerusalém — o Outremer franco. Conquistou, de roldão, quase toda a costa da Síria e da Palestina. Assim que puderam, os conquistadores construíram castelos iguais aos da Europa, para suportar longos sítios. Alguns continuam em pé.

Durante 200 anos, sempre reforçados por novos contingentes que não paravam de chegar, os barões latinos fizeram e desfizeram alianças com imperadores bizantinos, reis cristãos da Armênia, soberanos abássidas (de Bagdá), fatímidas (do Cairo), turcos, mongóis e mamelucos. Alguns se integraram à cultura oriental. Outros, conservaram a arrogância conquistadora. Os cristãos bizantinos, que provocaram as cruzadas e oscilaram ora pedindo a ajuda dos ocidentais contra os árabes ora aliando-se aos vizinhos contra os conquistadores ocidentais, pagaram caro pela contingência de estarem entre os dois. E de serem cobiçados por ambos.

A barbárie vista pelos árabes

Quando os cruzados chegaram, os árabes tinham hospitais, bancos, correio, água canalizada, esgotos e um sistema judiciário acessível nas cidades, com processos e juízes (cádis). Já usavam papel de palha de trigo, em vez do pergaminho dos europeus. Sua medicina era muito mais avançada do que as brutais amputações e cauterizações medievais. Apreciavam os demorados rituais de limpeza dos banhos turcos, enquanto os francos desprezavam a higiene — apesar do calor. Os cruzados impressionavam pelo ardor e a coragem. Mas eram temidos como animais violentos.

Nureddin tinha 29 anos quando recebeu de seu pai, Zinki, sultão da cidade de Mossul, na Síria, o anel de soberano. Zinki conquistara Alepo, em 1128, unindo os dois reinos, Mossul e Alepo, e retomara Edessa dos cristãos. Nureddin era devoto da fé sunita e súdito religioso do califado de Bagdá, rival, portanto, da outra tradição espiritual do Islã, a fé xiita, do califado do Cairo. Criou-se na guerra, pregando a união do Islã e a jihad, a guerra santa contra os francos. Construiu escolas e mesquitas para ensinar o dever de lutar. Em 1154, tomou Damasco e unificou a Síria. Em 1168, quando os francos atacaram Cairo, o califa rival pediu ajuda a Nureddin, que não hesitou em enviar um exército. Depois que os cristãos se retiraram, um golpe de Estado depôs o vizir (vice-rei) de Cairo. Assumiu o poder Chirkuk, o general do exército sírio. Nureddin, assim, tornou-se sultão da Síria e do Egito. A partir daí, o ideal da jihad empolgou o mundo islâmico.

Saladino impressioniu o Islã e cristãos. Com a morte de Chirkuk, que era seu tio, assumiu o comando do Egito com apenas 30 anos. Quando Nureddin morreu, em 1173, declarou-se guardião de seu filho, o príncipe herdeiro, ainda criança, e marchou para Damasco, onde foi recebido com entusiasmo. Em 1175, foi reconhecido pelo califa de Bagdá como soberano da Síria e do Egito — o mais poderoso do seu tempo.

Em 1187, invadiu a Palestina. Os francos uniram os exércitos de Antióquia, Trípoli e Jerusalém, mas Saladino atraiu-os a uma posição desvantajosa em Hattin e destroçou-os. Capturou as relíquias da Santa Cruz, que o bispo de Belém carregara na batalha de Ascalona. Tomou os castelos e as cidades da costa e, em 14 de julho, conquistou Jerusalém. Destruiu igrejas mas poupou o Santo Sepulcro. A mesquita de Al-Aqsa, sagrada para o Islã e convertida em igreja pelos cristãos, foi lavada com água de rosas e retomada pelo culto de Maomé.

Em 1189, a Terceira Cruzada enviou contra Saladino um soberano à altura: Ricardo Coração de Leão. Na batalha de Jafa, quando Ricardo perdeu seu cavalo, Saladino enviou-lhe um montaria, com cumprimentos. Quando, mais tarde, Ricardo ficou doente, Saladino mandou gelo para refrescar-lhe a testa. Quando o impasse paralisou a guerra, Ricardo ofereceu sua irmã em casamento ao irmão de Saladino, para reinar sobre uma Palestina cristã e muçulmana. Teria sido um final feliz. Mas a moça não topou.

Cinco meses depois de ter feito a paz com os cristãos, Saladino morreu de febre. Entrou para as canções de trovadores e peças de teatro como soberano galante e generoso. Dante Alighieri retratou-o na Divina Comédia, instalando-o no Primeiro Círculo do Inferno, o mais benigno, reservado para os homens bons que tiveram a desventura de viver antes do nascimento de Cristo. O que não era verdade, mas era uma concessão.

O armamento pesado dos cruzados

Metal fundido

A carga dos lançeiros de cavalaria foi a arma poderosa dos cruzados. Homem, cavalo e armadura fundiam-se em um único projétil. Dizia-se que um cavaleiro montado travessaria os muros da Babilônia.

Flecha mecânica

As bestas disparavam potentes virotes, setas curtas que atravessavam os escudos e as malhas mais finas dos guerreiros muçulmanos. A cooperação entre os besteiros da infantaria e a cavalaria era desconhecida dos árabes.

Duro de escalar

Catapultas e torres de assédio muitas vezes vinham prontas da Europa, de navio. Escalar as muralhas e invadir as fortalezas inimigas custava a vida de muitos combatentes.

Monges guerreiros

Dois cavaleiros em um cavalo simbolizavam o voto de pobreza dos Cavaleiros Hospitalários. A guerra pela fé induziu a criação de ordens de monges soldados, como também os Templários e os Cavaleiros Teutônicos.

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