Imagens esculpidas há 500 anos reaparecem no Havaí após recuo da maré
Painel de petróglifos com figuras humanas e símbolos ancestrais revela traços da cultura havaiana anterior à chegada dos europeus.

Uma rara janela para o passado do Havaí se abriu em julho. Marés baixas e ondas sazonais removeram camadas de areia da costa de Waiʻanae, na ilha de Oahu, revelando um extenso painel de petróglifos – imagens talhadas diretamente na pedra, usadas por povos antigos como forma de registro cultural e espiritual.
As gravuras foram esculpidas em uma formação sedimentar compacta, semelhante ao arenito. Com pelo menos 500 anos de história, é a primeira vez que o conjunto aparece desde 2016.
O painel está localizado na faixa costeira em frente ao Pililaʻau Army Recreation Center, um centro de recreação militar. Estende-se por cerca de 35 metros e inclui 26 figuras individuais, sendo 18 delas formas humanas estilizadas – algumas com genitais masculinos visíveis, outras em poses dinâmicas.
Uma das maiores figuras, com mais de 2,4 metros de altura, possui detalhes raros, como mãos e dedos. Especialistas sugerem que esses desenhos representam narrativas cerimoniais ou religiosas. Uma figura com os braços erguidos e abaixados, por exemplo, pode simbolizar o nascer e o pôr do sol.
O ressurgimento dos petróglifos se deve a mudanças cíclicas nas condições costeiras entre maio e novembro, quando tempestades no Pacífico provocam a movimentação de areias e sedimentos. Com o tempo, essas gravuras voltarão a ser cobertas, desaparecendo sob a areia até que novos padrões climáticos as revelem novamente.
As primeiras documentações completas do painel ocorreram em 2016, mas ele já havia sido avistado antes. Desde então, o Programa de Gestão de Recursos Culturais da Guarnição do Exército dos EUA no Havaí coordena a preservação do sítio, em conformidade com leis como o National Historic Preservation Act e o Native American Graves Protection and Repatriation Act.
A equipe, composta por arqueólogos, historiadores e especialistas culturais, monitora mais de 1.800 sítios arqueológicos nas ilhas e utiliza tecnologias como a fotogrametria 3D para documentação digital e visitas virtuais.
A orla é aberta ao público, mas o acesso ao centro militar adjacente requer identificação militar, o que tem gerado discussões sobre a acessibilidade ao patrimônio cultural havaiano.
Segundo Laura Gilda, arqueóloga da guarnição, o Exército está tentando equilibrar a proteção das gravuras com o interesse crescente do público. “Quanta atenção você quer atrair para essa área? Você não quer que as pessoas saiam procurando por elas quando não estão expostas”, disse à Associated Press.
Para Glen Kila, praticante cultural nativo havaiano e descendente direto de famílias aborígenes da região, os petróglifos são mensagens enviadas por ancestrais. Ele interpreta o ressurgimento como um aviso simbólico: “Isso está dizendo à comunidade que o nível do oceano está subindo”, disse ele à AP.
Aos 72 anos, Kila relembra a infância marcada por tensões com militares locais. Sua família trocou terras no interior por uma plantação de café para que a bisavó pudesse permanecer próxima à baía ancestral. Hoje, ele colabora com o Exército na proteção dos petróglifos.
A descoberta emocionou também moradores locais. Nani Peterson, residente da costa de Waiʻanae, viu as gravuras pela primeira vez em julho e descreveu a experiência como comovente: “Nossos kupuna [ancestrais] definitivamente ainda estão aqui”, disse ao Hawaii News Now. Ela observou uma figura grande com outra menor sobreposta, que lhe pareceu representar um pai e um filho.
Embora a datação exata ainda seja incerta, pesquisadores estimam que os petróglifos tenham entre 500 e 600 anos, possivelmente mais de 1.000 segundo tradições orais.
Eles são considerados parte de uma das formas mais antigas de expressão artística da humanidade. Para os havaianos nativos, porém, são mais do que artefatos arqueológicos: são registros espirituais e ancestrais que reforçam sua conexão com a terra e a história.
“Ao proteger sítios culturais como esses petróglifos, honramos o legado do Havaí e fortalecemos os laços com a comunidade”, resumiu Dave Crowley, gerente do programa de recursos culturais da guarnição, em comunicado oficial do Exército.