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E se Jesus não tivesse sido crucificado?

Sem essa mística, talvez o Império Romano não viesse a adotar o Cristianismo como religião oficial três séculos depois.

Por Maria Fernanda Vomero
Atualizado em 27 ago 2018, 14h48 - Publicado em 28 fev 2002, 22h00

Cristo Redentor, braços abertos sobre a Guanabara…” Não seria apenas a letra da música Samba do Avião, de Tom Jobim, que mudaria se Jesus não tivesse sido morto na cruz. Inúmeros pintores, de épocas e estilos diferentes, como Rafael, El Greco, Diego Velázquez e Marc Chagall retrataram a crucificação, um dos símbolos mais marcantes dos últimos 20 séculos. Sem a morte de Cristo na cruz, as artes, a religião, o Cristianismo e até a história do Ocidente seria outra.

Do ponto de vista dos pesquisadores e teólogos, a crucificação de Jesus não era inevitável. Havia a possibilidade de ele renunciar aos seus ideais e, assim, livrar-se da morte violenta. “Jesus não queria morrer na cruz”, diz o teólogo Antônio Bogaz, de São Paulo. “Ele aceitou morrer crucificado porque jamais abandonaria sua missão.”

No tempo da crucificação, a Palestina estava sob o domínio político do Império Romano. No entanto, os judeus tinham conseguido manter certos privilégios, como o direito à prática da religião e ao uso dos templos. “Quando a pregação de Jesus começou a ameaçar a ordem religiosa e política, os líderes judeus ficaram apavorados”, diz Bogaz. “Ao provocar os romanos, Jesus também colocou em risco as elites religiosas judaicas, que o entregaram para os romanos.” Caso não fosse entregue aos romanos, Jesus poderia ser acusado de blasfêmia por essa elite religiosa e talvez morresse apedrejado.

Agora, imagine se ele não fosse condenado a nenhuma pena e tivesse uma morte natural – por doença ou velhice. “Sem a crucificação, o Cristianismo não teria alcançado progressivamente a força que teve no Império Romano”, diz o historiador Noberto Luiz Guarinello, da Universidade de São Paulo. “Toda a mística cristã da última ceia (representada pelo ritual da eucaristia) até a ressurreição, considerada a prova maior da natureza divina de Cristo, deixaria de existir”, diz.

Sem essa mística, talvez o Império Romano não viesse a adotar o Cristianismo como religião oficial três séculos depois. “O Cristianismo não teria expandido suas fronteiras e a população dos atuais países cristãos seria formada por judeus, muçulmanos e adeptos de outras religiões”, diz o jornalista espanhol Juan Arias, autor do livro Jesus, Esse Grande Desconhecido (Editora Objetiva).

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Como a cruz não seria um símbolo relevante para os cristãos, o “sinal-da-cruz”, associado com a Trindade de Deus (Pai, Filho e Espírito Santo), não existiria – os jogadores de futebol que fazem o sinal antes de entrar em campo teriam que escolher outro gesto para proteger-se. “O curioso é que os primeiros cristãos não usavam a cruz para representar a nova religião, já que o símbolo trazia a lembrança da morte do Mestre”, diz Arias. “A cruz só foi mitificada a partir dos séculos IV e V, quando o Cristianismo se tornou a doutrina oficial do Império Romano.” Talvez, em vez do crucifixo, muitos hoje carregassem no peito um peixinho com a inscrição ictus (palavra grega que significa “peixe” e traz as iniciais da expressão “Jesus Cristo, filho de Deus Salvador”) – os primeiros cristãos usavam esse símbolo.

É claro que as Cruzadas – expedições militares do século XI que visavam recuperar os locais sagrados de peregrinação dos cristãos, sob controle dos muçulmanos – teriam outro nome. Os combatentes não levariam no peito o emblema da cruz com a seguinte inscrição latina: In Hoc Signum Vincet, que significa: “Em nome da cruz, venceremos”. Sem a crucificação, até o holocausto nazista contra os judeus na Segunda Guerra não faria sentido. Durante séculos, a Igreja Católica sustentou a afirmação de que os judeus mataram Jesus – posição revista em 2000, com o pedido de perdão do papa João Paulo II. “Sem a crucificação, é provável que os campos de concentração de Hitler não tivessem existido”, diz Arias.

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