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O que diz a análise dos corpos dos cristãos que viviam em cavernas na Espanha medieval

DNA revela “comunidade marcada pelo isolamento, violência e adoração devota”, dizem pesquisadores

Por Bela Lobato
Atualizado em 2 set 2024, 19h16 - Publicado em 2 set 2024, 19h00

Há cerca de 1,5 mil anos, humanos esculpiram cavernas artificiais dentro de um paredão rochoso no norte da Espanha. A região foi habitada durante cerca de 500 anos por uma comunidade cristã. Ninguém sabe por qual razão eles escolheram viver nas cavernas, mas um novo estudo dá algumas pistas.

O estudo analisou os ossos e o sequenciou o DNA de 39 sepultamentos humanos encontrados nas cavernas de Las Gobas (nome de origem castelhana que significa “As Covas”. Publicado na revista Science Advances, o estudo revela a origem da comunidade, detalhes sobre os relacionamentos que mantinham entre si, e as doenças que os afligiam.

“Era uma comunidade marcada pelo isolamento, violência e adoração devota”, dizem os autores da pesquisa, Anders Götherström e Ricardo Rodriguez Varela em artigo no site The Conversation. “O local oferece um raro e detalhado vislumbre da vida de pessoas cujas histórias são frequentemente eclipsadas pela história contada a partir da perspectiva dos grandes centros urbanos e de suas elites.”

O isolamento dessa comunidade começou antes da migrações e conquista muçulmana na Península Ibérica. O estudo do DNA confirma isso: a maioria dos habitantes era de origem ibérica, com pouca contribuição genética de pessoas do norte da África. 

Também foi possível traçar que a ocupação começou com homens que eram muito próximos geneticamente, como irmãos. Um dos elementos mais importantes encontrados é a consanguinidade, ou seja, aquela comunidade reproduzia entre si, dentro das mesmas famílias.

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Outro aspecto são as marcas de violência: dois dos esqueletos mais antigos, que datam da fase inicial da ocupação das cavernas, exibiam sinais de violência, que provavelmente resultaram de golpes de espada na cabeça. Os dois indivíduos eram geneticamente próximos, e a cicatrização do ferimento craniano permite saber que um deles sobreviveu a um machucado que atravessou o crânio.

Existem evidências de que a comunidade criava animais domésticos. Isso porque em vários dos ossos foi possível identificar casos de infecção pela bactéria Erysipelothrix rhusiopathiae, que é comumente encontrada em porcos e causa uma doença de pele em humanos. A frequência da bactéria é maior no começo do assentamento, diminuindo nos corpos mais recentes.

Uma das pessoas também havia sido infectada com uma bactéria causadora de infecções gastrointestinais, que contamina humanos por meio de carne ou água estragadas, a Yersinia enterocolitica.

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A partir do século X, a comunidade começou a se retirar das cavernas e viver em um assentamento rural mais típico. Só a igreja e o cemitério – ambos dentro das cavernas – permaneceram em uso até meados do século XI.

Mesmo quando se mudaram para os assentamentos, a endogamia (a reprodução entre pessoas da própria comunidade) continuou forte. E um dos achados mais importantes da pesquisa está em um dos corpos mais recentes: o vírus da varíola. 

Embora não estivesse presente nas cavernas, os habitantes do assentamento mais moderno tiveram que lidar com a doença. Até então, os pesquisadores acreditavam que a varíola tivesse chegado à região com o fluxo de muçulmanos vindos do sul.

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Mas a cepa de varíola de Las Gobas se assemelhava àquelas encontradas na Escandinávia, Rússia e Alemanha durante o mesmo período. O achado levou à descoberta de que pelo menos uma rota da pandemia de varíola chegou à Ibéria pelo leste, vindo dos outros países europeus.

“De todas essas maneiras, Las Gobas se destaca como um local único”, dizem os autores. “O que começou como um grupo que vivia em cavernas evoluiu para um típico vilarejo rural que enfrentou sua cota de doenças.”

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