Quando o homem tornou-se humano?
Como surgiu o pensamento abstrato e por que ele apareceu milhares de anos depois do surgimento da nossa espécie?
Rodrigo Cavalcante
Na década de 1970, quando foi encontrado o fóssil de Lucy, nosso ancestral Australopithecus afarensis, que viveu na África há mais de 3,4 milhões de anos, os pesquisadores descobriram que o cérebro dela não era muito maior do que uma tangerina. Comparado ao da nossa espécie, que tem 3 vezes esse tamanho, o achado confirmou a importância do crescimento do cérebro para o surgimento do pensamento abstrato, traço que fez do Homo sapiens um animal completamente diferente das outras espécies.
O problema é que, apesar de saber que o cérebro teve, sim, um papel fundamental em fazer o homem humano, resta um enigma na história da evolução. Trata-se do mistério da “Revolução do Paleolítico Superior”, uma explosão criativa ocorrida entre 40 000 e 30 000 anos atrás que trouxe avanços drásticos na qualidade de artefatos como jóias, armas para a caça, ritos de sepultamento e na arte, como mostram as pinturas em cavernas do período. Como do ponto de vista anatômico o Homo sapiens possuía o mesmo tamanho de cérebro havia 100 000 anos, por que ele passou nada menos que 60 000 anos sem desenvolver essas habilidades, com um estilo de vida não muito diferente do dos seus antepassados?
Mundo simbólico
Uma das principais hipóteses levantadas é a de que, nesse momento, alguma mudança sutil (talvez em nosso cérebro) teria feito com que a linguagem humana atingisse o nível de sofisticação que distanciou o Homo sapiens dos outros animais. “Uma vez desenvolvido o pensamento simbólico, nós passamos a viver não apenas no mundo natural mas também no mundo reconstruído por nossa própria mente”, diz o biólogo evolutivo Ian Tattersall, do Museu Americano de História Natural. Desde então, como naquele corte de cena do filme 2001, uma Odisséia no Espaço, em que a imagem de um hominídeo levantando um osso ao céu dá lugar à cena de uma estação espacial, ninguém mais segurou a nossa espécie.