Como é feita uma autópsia?
Já começando com um esclarecimento: apesar de o processo ser conhecido popularmente como autópsia, o termo correto é necropsia.
Um médico-legista abre e analisa os órgãos de três cavidades do corpo: crânio, tórax e abdome, para descobrir as circunstâncias e as causas da morte.
Só três situações exigem esse tipo de exame: 1) morte violenta ou suspeita, quando o corpo é levado para o Instituto Médico Legal (IML); 2) morte natural em que faltou assistência médica ou por doença sem explicação, que fica a cargo do Serviço de Verificação de Óbitos (SVO); 3) ou quando a doença é rara e precisa ser estudada, mais comum em hospitais acadêmicos.
CORTE A CORTE
Os procedimentos e o trabalho dos legistas em uma vítima de morte violenta.
1. Após o reconhecimento da família, o corpo é identificado com um número que remete a documentos como o RG e o Boletim de Ocorrência. Roupas e projéteis são enviados para o Instituto de Criminalística, da Polícia Científica, que faz perícias em “cenas de crime” e objetos. O cadáver é pesado e lavado com água e sabão.
2. Na sala de necropsia, o exame começa com a análise externa do corpo. Médico e auxiliar procuram furos de bala, lesões e até sinais que identificam o morto, como uma tatuagem ou uma cicatriz. Todos os detalhes são anotados e farão parte de um documento emitido pelo IML.
3. “O próximo passo é o exame interno, pela abertura das cavidades do cadáver e pelo exame minucioso de suas vísceras”, conta Roberto Souza Camargo, diretor do IML de São Paulo. Com um cort que vai do pescoço ao púbis e que pode ter formato de Y, de T ou de I, o legista tem acesso à caixa torácica e ao abdome.
4. Os órgãos agredidos que podem ajudar na descoberta da causa da morte são retirados e examinados – como um coração esfaqueado ou o estômago, no caso de envenenamento. É feita tanto uma análise geral quanto microscópica e os resultados são combinados no relatório final.
5. Depois dos órgãos do tórax, o médico corta o couro cabeludo de uma orelha a outra para remover o cérebro. A tampa do crânio é retirada com uma serra elétrica, mas o cérebro só pode ser arrancado se todos os nervos que o conectam ao corpo são cortados – entre eles, os nervos ópticos, ligados aos olhos
6. Ao final da análise, os órgãos são reinseridos e o corpo é fechado. Os pequenos pedaços utilizados em exames são incinerados. O legista usa uma costura contínua, que tem um ponto inicial e segue do começo ao fim dos cortes. Cabelos e roupas escondem as suturas durante o enterro.
7. O processo inteiro, da chegada à liberação do corpo, dura de quatro a oito horas. A necropsia leva entre duas e três horas. Ao fim do exame, o IML emite uma Declaração de Óbito, com a identificação e o motivo da morte. Com esse documento, a família consegue retirar a Certidão de Óbito em um cartório.
INDÍCIOS DE MORTE
A aparência de um órgão pode indicar as causas do óbito.
Pus no pulmão pode indicar pneumonia – em um paciente que ficou internado por muito tempo, a causa pode ser o próprio entubamento.
Pulmões inchados, cheios de pintas vermelhas e face arroxeada indicam asfixia. No caso de afogamento, eles, claro também ficam cheios de água.
Massa encefálica espalhada é um sinal de fratura no crânio, que pode ser resultado de algum tipo de golpe na cabeça, como uma machadada.
Órgãos pálidos representam grande perda de sangue devido a uma hemorragia. Pode ser a consequência de um ferimento a bala no coração, por exemplo.
Apesar de o processo ser conhecido popularmente como autópsia, o termo correto é necropsia – uma vez que “auto” indica que você faria o exame em si mesmo.
Ah, e vale lembrar: o IML não mexe só com mortos. Em São Paulo, boa parte dos atendimentos (92%) é feita com gente viva, como vítimas de agressões, acidentes de trânsito e de trabalho.
ILUSTRAS Daniel Rosini
FONTES: Roberto Souza Camargo, professor da Faculdade de Medicina da USP e diretor do IML de São Paulo; Karla Campos, perita criminal, assistente técnica do superintendente da Polícia Científica de São Paulo; Flávio de Oliveira Lima, professor da Faculdade de Medicina da Unesp e responsável pelo Serviço de Verificação de Óbitos do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Unesp; Ministério da Saúde; Manual de Medicina Legal, de Delton Croce
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