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Como salvar a ciência no Brasil

Após um governo abertamente cego ao conhecimento científico, a situação é de terra arrasada. Mas há caminhos para a pesquisa de alto nível – com o que já temos à mão.

Por Alexandre Carvalho
Atualizado em 20 jan 2023, 11h06 - Publicado em 20 jan 2023, 10h40

“A primeira pergunta que eu faço para candidatos a um mestrado aqui é: ‘Seus pais podem te sustentar?’”, explica, em tom de desabafo, o vice-diretor do Museu de Zoologia da USP, Luís Fábio Silveira. “Digo isso logo de cara porque eles não vão conseguir pagar o aluguel de uma quitinete no Ipiranga [bairro onde fica o museu] por menos de mil reais por mês. Como vou chamar esse cara para ficar dois anos fazendo uma tese, qualificando-se para ser um multiplicador da zoologia, tendo de sobreviver com R$ 500 mensais em São Paulo?”

Essa conta de Luís Fábio se refere ao valor da bolsa federal para mestrado no país, que é de R$ 1.500, um tiquinho a mais que o salário mínimo (R$ 1.302). Recentemente, esse cientista, que também é orientador de alunos de mestrado e doutorado, recebeu o contato de um estudante da Ilha de Marajó, no Pará: o rapaz, interessado em se especializar no estudo de aves, queria fazer mestrado com ele em São Paulo. Mas Silveira foi franco: desaconselhou-o a se mudar para a capital paulista, pelas razões do parágrafo anterior.

As agências de fomento à pesquisa exigem dedicação exclusiva. Você não pode arrumar um emprego para fechar as contas. E nem daria: de que jeito escrever uma tese depois de oito horas de expediente? Então são só aqueles R$ 1.500 mesmo. Para um doutorado, as coisas não melhoram muito: só R$ 700 a mais, R$ 2.200.

A precarização extrema da situação dos pesquisadores no Brasil não teve início no governo que terminou em 31 de dezembro. É tão antiga quanto as primeiras iniciativas de se fazer ciência séria por aqui. Mas, para nos limitar ao período mais recente, as bolsas para a elite do pensamento científico no país estão com seus valores congelados desde 2013. Se acompanhassem a inflação desses últimos dez anos, a de mestrado estaria hoje em R$ 2.562; a de doutorado, R$ 3.757. E ainda seria pouco.

Tudo piorou, como se sabe, com o governo Bolsonaro, que tratou a ciência como supérfluo. O dinheiro para as universidades federais foi contingenciado (existe, mas não pode ser usado), de modo que algumas instituições estiveram à beira de fechar as portas.

Um exemplo emblemático – e aterrorizante – foi o da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Com mais de R$ 12 milhões bloqueados ou cortados em menos de seis meses, a instituição se viu, no fim de novembro do ano passado, com apenas R$ 71 na conta para pagamento de funcionários terceirizados e despesas de serviços.

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A situação chegou a esse ponto quando, em 28 de novembro, o MEC reteve R$ 344 milhões que seriam destinados às universidades e institutos federais. Felizmente, com pressão de todo lado, Bolsonaro voltou atrás na decisão. Mas esse é só um dos exemplos do que viveram profissionais de educação e ciência no Brasil nos últimos anos: uma gestão à base do susto.

Quanto mais perto, melhor

Estudantes com menor poder aquisitivo muitas vezes moram em cidades distantes dos institutos. Essa questão da distância, se solucionada, é uma das possibilidades de melhorar a pesquisa científica sem que uma fortuna caia do céu. E, não menos importante, de resolver um problema socioeconômico de longo prazo.

Se o Estado fortalecer as universidades que outras gestões do próprio Lula criaram fora do eixo Rio-São Paulo, o estudante que vive próximo não precisará mudar de cidade. Caso more com os pais, por exemplo, terá a chance de sobreviver com a bolsa sem fazer novas despesas.

Dessa forma, esses potenciais pesquisadores teriam a chance de concluir suas pós-graduações e sair para trabalhar em empresas que dependem de inovação para se manter competitivas, por bons salários. E isso transformaria a condição econômica de suas famílias, criando um círculo virtuoso.

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Ainda nessa linha, uma opção é que as agências federais de fomento – o CNPq e a Capes – incentivem mais projetos locais. Além de minimizar os custos de deslocamento dos pesquisadores até os grandes centros, isso otimizaria a coleta de dados. Torna possível que eles sejam amostrados de forma contínua, viabilizando estudos de maior dimensão no futuro.

Outra ideia para ter investimento sem esperar milagre é cobrar de fato as multas ambientais e então repassar parte desse dinheiro para o CNPq de modo a explorar a biodiversidade do Brasil em pesquisas científicas – capazes de gerar novos remédios, por exemplo. Em novembro, para se ter uma ideia, o Ibama calculava em R$ 16,2 bilhões as multas ainda não pagas por desmatamento, queimadas e transporte ilegal de madeira.

Iniciativa privada

O fomento à ciência também não pode ignorar as parcerias público-privadas. A “Lei do Bem”, de 2005, ampliada em 2007 pela Lei 11.487, trata da isenção fiscal para empresas que atuam em conjunto com instituições científicas na área da tecnologia. É imposto se transformando em dinheiro para pesquisadores e insumos de laboratório. As evidências apontam que onde há mais dinheiro privado (do que dependência dos humores do governante da vez) brota mais investimento para a ciência. O estado de São Paulo – o mais industrializado e inovador – é o único em que as empresas investem mais do que o governo em pesquisa (63% do total).

Ou seja, há caminhos que independem de o Brasil sair logo do lamaçal econômico no qual chafurda desde 2015 – quando o país entrou na maior recessão de sua história, e não conseguiu emergir de volta. Ainda assim, o reajuste das bolsas é incontornável.

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Em seu discurso de posse como nova ministra da Ciência, Tecnologia e Inovações, Luciana Santos destacou essa necessidade: “As bolsas de pesquisa não podem ser tratadas como esmola, mas como um investimento no futuro do país”, afirmou. Disse ainda que vai recompor o orçamento da ciência em articulação com o Congresso. Uma das principais iniciativas, segundo ela, será revogar uma Medida Provisória editada por Bolsonaro em agosto, que limitava o uso de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). Enfatizando que vivemos um apagão de financiamento na ciência brasileira, ela usou como exemplo justamente os recursos para esse fundo: “Foram reduzidos de R$ 5 bilhões em 2010 para apenas R$ 500 milhões em 2021”, declarou. “Seriam aplicados no desenvolvimento e na produção de medicamentos e vacinas, e em pesquisas sobre tratamentos de doenças, como o câncer.”

Se uma grande expansão das verbas para a ciência realmente cabe no orçamento e na realidade econômica que o país vive neste momento, é outra conversa. Mas o fato é: só com investimentos firmes e inteligentes na área o Brasil terá como, um dia, pleitear uma vaga entre os países desenvolvidos.

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Agradecimentos Luís Fábio Silveira, vice-diretor do Museu de Zoologia da USP; Monica L. Andersen, professora associada da Unifesp; Natalia Luchetti, doutora em Biologia pelo Instituto de Biociências da USP.

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