A pandemia mudou nossa personalidade, e não para melhor
Estudo americano revela que, de 2020 para cá, ficamos mais introspectivos, menos abertos a novas ideias e menos inclinados à bondade.
Dava para desconfiar que, diante do terror da montanha de mortos, das imagens de UTIs lotadas, do isolamento social, das muitas incertezas e da ansiedade diante dos riscos, não fôssemos sair os mesmos desta pandemia (que, vale lembrar, ainda não acabou). Quem pensou assim estava certo: agora a ciência veio confirmar essa percepção. E as notícias não são boas.
Um estudo da Universidade Estadual da Flórida apontou que traumas relacionados à pandemia de Covid provocaram mudanças na personalidade das pessoas. Ficamos mais introvertidos, menos abertos a novidades, menos amáveis com os outros e menos conscientes das nossas necessidades e responsabilidades.
A pesquisa incluiu mais de 7 mil participantes dos EUA, todos maiores de idade. Essas pessoas foram avaliadas antes da pandemia, a partir de 2014, e ao longo dela, de 2020 até 2022.
Em cada uma dessas avaliações, os voluntários responderam a um questionário conhecido como “modelo de cinco fatores”. Essa ferramenta de avaliação mede a personalidade em cinco dimensões: extroversão versus introversão, amabilidade versus antagonismo, consciência versus falta de direção, neuroticismo versus estabilidade emocional e abertura versus rejeição à experiência.
Entre 2014 e 2020, portanto antes da crise do coronavírus, os pesquisadores não detectaram alterações nos traços de personalidade desses participantes. Foi a partir de 2020 que uma transformação acelerada aconteceu, com declínios significativos na extroversão, abertura, amabilidade e consciência.
E foram os adultos mais jovens que tiveram transformações mais relevantes. Eles mostraram declínios acentuados em amabilidade e consciência em 2021/2022, e um aumento significativo no neuroticismo. Esse traço de personalidade é visto em indivíduos mais propensos à preocupação excessiva, ao medo, à frustração e à depressão.
Os pesquisadores interpretaram esses resultados como consequência de uma maior ansiedade social dos jovens ao emergir de volta à sociedade, tendo perdido dois anos de vida normal (ou do “velho normal”).
Mal-estar na sociedade
Essas descobertas são mais dramáticas do que podem parecer. Porque a personalidade tem ligação direta com a nossa felicidade. Por exemplo, pessoas que relatam altos níveis de consciência, amabilidade e extroversão são mais propensas a sentimentos de bem-estar ao longo da vida.
Só que a pandemia nos levou para o lado oposto do bem-estar, como sabe todo indivíduo que se preocupou com a sua saúde e a das pessoas próximas, com os efeitos da Covid na economia (e consequentemente no seu emprego e rendimentos), que teve alterações de humor por ficar preso em casa, sem interação social, sem festa, sem happy hour, sem contato com parentes e amigos… Ou seja, negacionistas à parte, todo mundo.
Hoje, os números de mortes pelo coronavírus não assustam mais a maioria da população. Enquanto escrevo este texto, a média dos últimos sete dias foi de 36 óbitos no Brasil. Para efeito de comparação, um ano e meio atrás, no auge da pandemia por aqui, 3.501 brasileiros morreram em consequência da doença só no dia 29 de março de 2021.
Ainda assim, o estudo revela: saímos piores desses dois anos e meio de crise. Perdemos um tanto da nossa capacidade de expressar simpatia e ter gestos de bondade; da nossa abertura a novas ideias e disposição para se envolver em novas situações; do nosso prazer em estar na companhia de outras pessoas; da nossa responsabilidade com as nossas obrigações e objetivos de vida.
Não é pouca coisa.