Como o trabalho muda o seu corpo
O corpo humano mudou ao longo da história para se adaptar ao meio. E isso segue até hoje: sua profissão define seus músculos, seus nervos e até seu cérebro
Já parou para pensar que seu ofício pode promover mudanças físicas no seu corpo – e em áreas que você nem imagina? Pois é! Claro que nem todo mundo está suscetível a essas alterações, que vêm depois de anos desempenhando a mesma função. “A genética influencia. Algumas pessoas têm o corpo mais preparado para o trabalho que exercem. Nesse caso, há menos impacto”, diz o ortopedista Eduardo Puertas, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). E nem toda mudança é irreversível. Com o tratamento adequado, é possível anular alguns danos.
A seguir, conheça os efeitos de algumas profissões em músculos, membros e até órgãos:
Digitador
1. Cérebro elétrico
Quem fica no computador o dia inteiro faz poucas atividades físicas (pelo menos durante o expediente) e muitas atividades racionais. Isso impulsiona a atividade das áreas do cérebro ligadas à manipulação e à associação de ideias: o lobo frontal e o lobo parietal. Na prática, os neurônios dessas áreas passam a conversar mais – ganham mais sinapses, pontos de conexão para enviar e receber sinais.
2. Tendões inchados
Usando o teclado e o mouse todos os dias, os braços têm de repetir sempre os mesmos movimentos. Para os tendões, feixes de fibras que une os músculos aos ossos, isso é péssimo. O efeito é o mesmo de puxar um elástico. De tanto ser esticado, ele pode ficar vermelho, inchado, doído. É uma inflamação – nos tendões, ela ganha o nome de tendinite. Para reduzir o risco, é só cuidar do tal elástico: promover intervalos de descanso (de 10 minutos a cada 50 trabalhados) e alongamento para que aceitem melhor o estica e puxa que o trabalho exige.
Professor
1. Cordas vocais com lombadas
Explicar, pedir atenção, dar bronca, tudo isso exige que o professor use e abuse da voz. Resultado: as cordas vocais ficam literalmente calejadas – do mesmo jeito que um lavrador faz calos nas mãos por manejar muito a enxada. Esses calos ficam na borda das cordas. Se você pudesse olhar para elas, veria vários nodulozinhos, como se fosse uma estrada cheia de lombadas. É por isso que quem tem as cordas calejadas fica com a voz meio rouca, áspera, cansada – a vibração muda e o som resultante dela, a voz, fica esquisito.
Acontece não só com professores mas também com outros profissionais que dependem da fala: atendentes, locutores, palestrantes. A gente não consegue ver essa transformação (afinal, as cordas estão dentro da garganta), mas dá para perceber fácil quem passou pela mudança: tosse, rouquidão e voz fraca são as maiores.
2. Pezão
Em média, um professor passa 8 horas em pé. É um teste de resistência: o sangue que circula na parte baixa do organismo tem dificuldade para desafiar a gravidade e correr corpo acima – vai ficando lá pelas pernas e pelos pés mesmo. Para aguentar esse volume a mais de sangue, as veias aumentam. E vão ficando tortuosas. Dá para ver a deformação na pele: são as varizes. E, quando as veias dos pés já estão dilatadas e o sangue fica estagnado lá, até o pé cresce.
Músico
1. Cérebro ambidestro
“Músicos experientes processam melodias do lado esquerdo do cérebro, enquanto os não experientes usam o direito”, afirma o neurologista Mauro Muszkat, da Universidade Federal de São Paulo. Em geral, o lado esquerdo do cérebro é o responsável pelo raciocínio e a lógica. O direito, pela criatividade e a imaginação. Mas nos músicos experientes o cérebro aprende a língua do trabalho: interpreta o som como se fosse um código, e para isso usa o lado esquerdo. É como se entendesse a música como uma língua.
2. Músculo enrugado
Dependendo do instrumento, o músico precisa se contorcer de um jeito ou de outro. Violinistas, por exemplo, torcem o queixo, movimentam os ombros e levantam um dos braços várias vezes durante a execução de uma obra. O pescoço pende para um lado (que varia se o músico é destro ou canhoto) e os músculos ficam enrugados. Isso provoca cansaço, queimação e formigamento.
Dentista
1. Ombro duro
Cavucar a boca dos pacientes sem apoiar os braços sobrecarrega os ombros. E deixa os músculos rígidos, doloridos. De tanto cansaço, eles vão ficando limitados – o dentista sente dificuldade para levantar os braços, por exemplo. Para melhorar isso, é preciso esticar os músculos, fazê-los recuperar a elasticidade perdida. Ou seja: alongar.
2. Nervos fininhos
Para deixar seus dentes bonitos, o dentista precisa usar instrumentos de altíssima rotação, que vibram como a tão temida broca, por exemplo. Com o tempo, o chacoalhar constante provoca a compressão do principal nervo do punho: o mediano. Esse nervo atravessa um túnel, conhecido como túnel de carpo, que liga a mão ao antebraço. Comprimido, ele vai afinando. Dá pra sentir o resultado disso: dormência, um formigamento, queimação. Não é só dentista que tem nervo fino – a mesma coisa acontece com trabalhadores que usam britadeiras.