E se a gente parasse de comer carne?
Comer carne seria mal visto pela sociedade, cachorros e gatos seriam animais de dondoca e porcos seriam os "novos" vira-latas.
Bruna Maia e Rodrigo Rocha
Os vegetarianos venceram. Do dia para a noite, o mundo todo resolveu parar de comer carne. Seria bonito: só no Brasil pouparíamos as vidas de 43 milhões de bois, quase 40 milhões de porcos e 4,5 bilhões de frangos a cada ano. Esses são animais de corte, criados para virar comida. O que significa que eles não foram nutridos e tratados para entrar em outras linhas produtivas, como de leite ou ovos. E que eles cairiam em algo como um desemprego funcional: não teriam mais função nas fazendas. Quer dizer, daria para aproveitar um ou outro para puxar carroça. Mas o grosso ganharia alforria do homem. Apesar de linda, a liberdade tem preço. Sem ninguém para alimentá-los, os animais teriam de buscar comida. Competiriam por alimento com outras espécies e ficariam vulneráveis a ataques de predadores. Em áreas de pastagens, como nos Pampas brasileiros, a vida seria boa. Já no Pantanal, boizinho teria de enfrentar até onça.
Enquanto isso, o açougue do lado da sua casa estaria fechando as portas, junto com abatedouros e frigoríficos. Pior para o Brasil, maior exportador de carne de boi e de frango do mundo, além de quarto na exportação de carne suína. A economia de EUA, China e União Europeia também sofreria. Esses países produzem muita carne para atender à demanda de seus próprios habitantes. Já os ambientalistas comemorariam, e não só porque pararíamos de matar bichos. A pecuária tem um grande impacto ambiental. De todo o desmatamento causado no mundo, 14% acontece na Amazônia para abrir espaço para a criação de animais. Derrubaríamos menos årvores, o que, de quebra, contribuiria para reduzir o peso de nossas emissões de gases.
Não comeríamos feijoada, peru de Natal, bacalhau (carne branca também estaria fora). Isso não significa necessariamente mais saúde. Perderíamos vitaminas, proteínas e minerais. Teríamos de nos adaptar a uma nova dieta. Essa não seria a única mudança na rotina: seu guarda-roupas também passaria por uma revolução.
Todos intocáveis: vaca, porco, peixe, galinha… A não ser que você queira desafiar a sociedade
Ração a prestação
Ter cachorro ou gato seria coisa de madame. Os bichanos são carnívoros, precisam de carne para absorver nutrientes. Fazendas teriam de manter o abate de animais só para produzir ração para cães e gatos, o que encareceria o produto. Alternativa: por que não adotar um porquinho selvagem, que tem uma dieta mais flexível?
Chuleta vegetal
Em um mundo sem churrascaria, o jeito seria se contentar com rodízios de carne de soja. E buscar outras fontes para os nutrientes que absorvíamos ao comer carne. O caso mais crítico seria o da vitamina B12, presente naturalmente só em fontes animais. Ovos nos ajudariam nisso, assim como suplementos sintéticos.
Câmbio negro
Consumir carne seria como prostituição no Brasil: legalmente permitido, um crime aos olhos da sociedade. Os revoltados teriam de procurar açougues clandestinos, que dependeriam da ação de fazendeiros gananciosos e venderiam carne de qualidade duvidosa.
A revolução dos bichos
Os animais livres teriam de procurar alimento sozinhos. Por que não aproveitar aquela plantação verdinha tão suculenta? Porcos comem de tudo – de estômago vazio, não se refreariam frente a ovos e pintinhos. À procura de alimento, os animais perambulariam até pelas cidades. Seriam as novas pragas.
Sapatênis é tendência
Esqueça sapato, bolsa, casaco de couro. Ter um artigo desses seria tão reprovável quanto comer feijoada gorda. Os sapatos mais formais precisariam de materiais alternativos, como plástico, borracha e couro falso. Com o marketing correto, o sapatênis poderia ser a estrela dessa nova era.
Fontes Abiec; Abipec; Ubabef; USDA; IBGE; Eurostat; Greenpeace; Peta; Maria Lúcia Pereira Lima, diretora do Instituto de Zootecnia; Associação Brasileira dos Criadores; Jacira Conceição, nutricionista da Asbran.