“Eu só queria minha independência de volta”, diz primeiro homem a receber um novo rosto e duas mãos
Aos 20 anos, Joe DiMeo teve 80% do corpo queimado em um acidente de carro. Aos 22, ele passou por uma cirurgia inédita na medicina.

Joe DiMeo teve uma infância normal em Nova Jersey, nos Estados Unidos. Gostava de videogames, trabalhos manuais e de sair com os amigos. Estudar não era a sua praia, mas ele gostava de trabalhar e conseguiu um emprego em uma empresa alimentícia logo após terminar o ensino médio. Aos 18 anos, ele já conseguiu se mudar da casa dos pais.
Sua vida mudou drasticamente em 2018. Ao voltar de um expediente noturno no trabalho, Joe acabou dormindo no volante e sofreu um acidente de carro. O automóvel explodiu, deixando 80% do seu corpo queimado – incluindo as mãos e rosto. Joe tinha 20 anos na época.
A maioria das pessoas com ferimentos dessa gravidade não sobrevive. Joe passou por diversas cirurgias e ficou em um coma induzido por três meses. Após acordar, ele se deparou com o resultado do acidente: havia perdido os dedos das mãos e seu rosto estava queimado, o que o impedia de abrir a boca e os olhos propriamente.
Ele teve que voltar para a casa dos pais, que o ajudavam com quase tudo. Comer ou simplesmente segurar objetos eram desafios para o jovem.
Em 2021, aos 22 anos, Joe DiMeo passou por duas cirurgias ainda experimentais: o transplante de mãos e de rosto. O primeiro transplante de mão ocorreu em 1998, enquanto o de rosto aconteceu em 2005. Desde então, cerca de 50 pessoas no mundo ganharam uma nova face.
Esses procedimentos são chamados de alotransplante composto vascularizado, pois envolvem a transferência de diversos tecidos do corpo, como ossos, cartilagem, pele, músculo etc. Eles são mais arriscados que os transplantes comuns, pois têm maior chance de rejeição crônica. O próprio sistema imunológico ataca o corpo, por ver o novo rosto ou mão como invasor.
O caso de Joe foi além: ele foi a primeira pessoa a receber um novo rosto e duas mãos, numa cirurgia que durou 24 horas e contou com mais de 140 profissionais. A operação foi realizada no hospital NYU Langone Health, em Nova York – uma das referências nesse tipo de cirurgia.

Apesar dos percalços, hoje Joe conseguiu retomar boa parte da sua vida antes do acidente. Ele se casou e hoje tem uma marca própria chamada 80 percent gone, que usa para divulgar sua história. Em email à Super, ele respondeu algumas perguntas sobre sua experiência com o transplante pioneiro na medicina.
Super: Antes do acidente, você sabia que transplantes de face e mão existiam na medicina?
Joe DiMeo: Não. Antes do acidente eu não conhecia nada da medicina. Eu só conhecia um filme sobre transplante de face chamado A Outra Face. Eu descobri sobre os transplantes de face e mão reais depois das minhas queimaduras, quando me ofereceram a oportunidade de realizá-los.
S: Quais funções do rosto e mãos você perdeu depois do acidente?
JD: Eu perdi a habilidade de abrir a minha boca completamente, e não conseguia mover meus dedos porque eles foram amputados.
S: Como paciente, você estava ciente dos possíveis riscos envolvidos na cirurgia. Você tinha alguma preocupação?
JD: Eu não tinha preocupações sobre a cirurgia, eu confiava no meu médico. Nunca hesitei sobre fazer o transplante. Eu sempre soube que queria minha independência de volta.
S: Quais eram suas principais motivações para seguir com os transplantes?
JD: Além de ganhar minha independência, eu queria dirigir um carro de novo e levantar pesos pesados. Por enquanto eu só posso dirigir, ainda estou trabalhando em fortalecer minhas mãos.
S: Como você se sente em relação ao resultado da cirurgia?
JD: Eu estou feliz com o resultado. Eu tenho minha independência de volta. Eu posso dirigir, mas não sou fã do inchaço do rosto. Acho que demora um pouco para passar.
[Joe tem um rosto mais inchado em comparação a outros pacientes transplantados. Os médicos ainda não sabem o motivo. Alguns fatores que pioram o inchaço são o calor extremo, medicamentos, comidas altas em sódio e estresse]
S: Quais são os maiores desafios que você tem enfrentado após a cirurgia?
JD: Ainda estou trabalhando em funções como abrir jarras e cortar coisas. Comer ainda é um trabalho. Também é difícil pegar coisas pequenas do chão e abotoar as coisas.
S: Sua percepção sobre si mesmo mudou depois do transplante?
JD: Acho que eu amadureci muito mais rápido, tenho mais empatia e me tornei mais compreensível com as pessoas.
S: Quais são as lições e reflexões mais importantes que você teve depois dos transplantes?
JD: A maior lição que eu aprendi foi ser mais paciente e compreensivo.
S: Você gostaria de deixar uma mensagem para as pessoas?
JD: Uma mensagem que eu gostaria de deixar é que as pessoas sempre continuem motivadas e enfrentem os momentos difíceis. Pode demorar um pouco, mas fica melhor.