Filtro de luz azul para telas não tem eficácia comprovada
É o que sugere uma revisão de 17 estudos, que desaconselha que as pessoas comprem óculos com lentes desse tipo. Entenda por quê.
Nos últimos anos, a chamada “luz azul” emitida por telas ganhou má reputação. Algumas óticas, oftalmologistas e influenciadores passaram a defender que ela seria culpada pelo seu cansaço ao olhar para celulares e computadores, seu sono ruim e danos para sua visão.
A solução? Óculos especiais, que filtrariam esse tipo de luz.
Só tem um problema: essa recomendação não tem embasamento científico suficiente. Os óculos com filtro de luz azul provavelmente não reduzem a fadiga ocular associada ao uso de telas, e seu efeito na melhoria da qualidade do sono e da saúde da retina é incerto.
É isso que afirma um estudo, publicado no ano passado na Cochrane Database of Systematic Reviews. A pesquisa é uma revisão de 17 outros artigos que falam sobre esse tema. Para entendê-la, vamos primeiro definir o que é essa tal de luz azul.
A luz é uma onda eletromagnética e, dependendo de seu comprimento, nosso cérebro percebe ela como uma cor diferente. O comprimento de onda do azul, por exemplo, é considerado curto: está entre 450 e 495 nanômetros. Esse tipo de luz tem frequência maior e carregada mais energia do que o vermelho, por exemplo.
No dia a dia, somos expostos à luz azul não só através das telas de celulares e computadores, mas também, e principalmente, pelo Sol. E isso tem um papel fundamental para o nosso relógio biológico.
Humanos (e outros seres vivos) funcionam em ciclos de aproximadamente 24 horas. É o famoso ciclo circadiano, cujo principal regulador é o sono. É durante o modo standby que o corpo organiza o metabolismo, recupera tecidos, consolida memórias e processa emoções.
E como sabemos que é hora de dormir? A presença ou ausência de luz azul (no caso, a do Sol) provoca uma dança de hormônios no corpo que, à noite, durante a escuridão, nos deixam com sono – e prontos para cair na cama.
Só que luzes fortes, de lâmpadas ou de telas, podem confundir o seu relógio biológico. A luz azul, por exemplo, suprime a melatonina, o hormônio que é produzido ao cair do dia e que induz o sono. A ideia por trás dos bloqueadores de luz azul, então, é impedir essa faixa do espectro de chegar aos seus olhos e, por consequência, protegê-lo de ser enganado.
O único porém é que não existe uma comprovação de que isso realmente funcione. A revisão examinou seis estudos com um total de 148 participantes sobre o efeito dos óculos com filtro de luz azul na qualidade do sono. As descobertas foram inconsistentes: metade deles revelou uma melhora significativa no sono enquanto os outros não relataram nenhuma diferença entre óculos com e sem o tal filtro.
O outro argumento é que essa luz provinda de telas seria a responsável por cansar a vista e deixar os olhos irritados – o que também foi desmentido no artigo.
Três dos 17 estudos da revisão avaliaram a relação entre lentes contra luz azul e fadiga ocular. Todos eles, com um total combinado de 166 participantes, deram o mesmo resultado: não tinham nenhuma diferença significativa na fadiga visual entre quem usavam lentes com filtro de luz azul em comparação com usuários de lentes normais.
A provável causa do cansaço é pela atenção que a tela exige. Em situações normais, piscamos 15 vezes por minuto. Contudo, quando precisamos nos concentrar em algo, como a tela de um computador ou celular, nossa taxa de piscada diminui para cerca de 5 a 7 por minuto. Como consequência, seus olhos ficam mais secos e irritados.
Lentes com filtro de luz azul provavelmente não reduzem a fadiga ocular que o seu trabalho à frente do computador causa. Também não está claro se essas lentes afetam realmente a qualidade do seu sono ou se previnem danos à retina no longo prazo.
“Os resultados da nossa análise, baseados em dados relativamente limitados, mostram que as evidências são inconclusivas e incertas para estas alegações. Nossas descobertas não apoiam a prescrição de lentes com filtro de luz azul para a população em geral”, afirma Laura Downey, principal autora do estudo. “As pessoas devem estar cientes dessas descobertas ao decidirem comprar esses óculos.”