Eduardo Szklarz
Erro – Convencer as pessoas de que fumar fazia bem para a saúde usando profissionais de saúde em anúncios – além de atletas e estrelas de cinema.
Quem – Indústria do tabaco.
Quando – Entre as décadas de 1920 e 1950.
Consequências – Multiplicação dos casos futuros de câncer, enfisema pulmonar e outras doenças.
Em 1944, um comercial de TV fez um tremendo sucesso nos EUA com o seguinte slogan: “mais médicos fumam Camel do que qualquer outro cigarro”. O filme mostrava um doutor bem apessoado em sua rotina pesada, dedicando o único tempo livre para apreciar um cigarrinho. O maço ficava sobre a mesa, ao lado do estetoscópio. “Veja como os Camel combinam com a sua garganta”, prosseguia o anúncio. “Perceba como eles podem ser suaves e gostosos.”
Médico fazendo propaganda de cigarro? Pois é. Naquela época, fumar era um hábito considerado bacana, elegante e – quem diria – saudável. Os atores Humphrey Bogart e Clark Gable, entre outros mitos do cinema americano, também deram baforadas nas propagandas de tabaco. E atletas como Ellsworth Vines, número 1 do tênis nos anos 30, completaram o time de celebridades que ajudaram a coroar os benefícios da fumaça. Nas peças publicitárias, eles garantiam que os cigarros eram um santo remédio para ansiedade, problemas digestivos e inflamações na garganta. Assim, milhões de pessoas acreditaram que fumar fazia bem para a saúde.
“O cigarro é hoje a principal causa de morte nos EUA, e menos de 4% dos médicos americanos fumam. Nos anos 30 e 40, porém, fumar era a norma para homens e mulheres no país, e a maioria dos doutores fumava”, escreve Allan M. Brandt, da escola de Medicina da Universidade Harvard, num artigo do Jornal Americano de Saúde Pública. “Ao mesmo tempo, havia uma curiosidade crescente quanto aos possíveis riscos do tabagismo. E uma estratégia dos fabricantes foi fazer propagandas que se referiam diretamente aos médicos.”
Pesquisas fajutas
Deu certo: com o aval dos profissionais de saúde, era mais fácil convencer a população de que a marca era segura. Qualquer temor de que o tabagismo pudesse ser perigoso era facilmente contestado pelo fato de que o próprio médico era fumante. Assim, o marketing do tabaco produziu slogans como o do Camel (leia mais no quadro ao lado).
Alguns anunciantes diziam se basear em pesquisas de alto rigor científico. A campanha do Camel, por exemplo, citava estudos realizados por 3 institutos de pesquisa independentes com 113.597 médicos de todas as especialidades. “Na verdade, essa pesquisa supostamente independente foi conduzida pela agência de propaganda do fabricante RJ Reynolds, chamada William Esty Co.”, diz Brandt. “Ao que tudo indica, a maioria dos médicos foi indagada sobre sua marca de cigarro preferida logo após ganhar pacotes de Camel.”
Comerciais sedutores
Alguns doutores contestavam os anúncios, mas a maioria nada fez enquanto a indústria do tabaco falava em nome da Medicina. Um anúncio de 1937, por exemplo, creditava a “um grupo de médicos” a descoberta de que os cigarros da Philip Morris curavam irritação de garganta. Outro dizia que a marca Lucky Strike ajudava mulheres a manter a forma, pois elas fumavam em vez de comer.
Em 1954, ante as crescentes evidências sobre os males do tabaco, os marqueteiros decidiram tirar os médicos das propagandas. E passaram, então, a exaltar as qualidades do filtro dos cigarros. Artistas e atletas continuaram fazendo comerciais até os anos 80, quando as agências associaram a imagem do cigarro à natureza e aos esportes radicais. A vida real, no entanto, era bem diferente. A exemplo de Humphrey Bogart, que morreu com câncer no esôfago, milhões de pessoas pagaram um alto preço ao se deixarem seduzir por esses anúncios.
Em 1969, os EUA resolveram adotar as primeiras restrições à propaganda de cigarro, quando ela foi vetada na mídia eletrônica. O primeiro país a bani-la completamente foi a Noruega, em 1975. Em seguida, vieram outros 26 países, como Finlândia e França. No Brasil, a proibição entrou em vigor em 2000.
Parece mentira
Mas pode acreditar, houve um tempo em que as propagandas de cigarro eram assim:
• “Cuide de sua saúde, fume Chesterfield.”
• “Você nunca sente que fumou demais. Esse é o milagre de Marlboro.”
• “L&M, justo o que o médico recomendou.”
• “Mais médicos fumam Camel do que qualquer outro cigarro.”
Desserviço ao mundo
Foi o britânico Walter Raleigh quem levou o tabaco da América para a Europa
O tabaco é originário das Américas. Um dia, alguém teve a genial ideia de levá-lo para a Europa. E foi aí que o vício de fumar começou a se alastrar pelo mundo feito praga. Quem prestou esse desserviço à humanidade foi o nobre Walter Raleigh (1554-1618), um típico aventureiro de seu tempo. Em seus 64 anos de vida, ele foi poeta, soldado, pirata e espião. Fundou uma colônia britânica na América (a Virgínia, nos EUA), explorou o rio Orinoco em busca do Eldorado e seduziu uma dama de companhia da rainha Elizabeth I. Mas a façanha que realmente entraria para a história foi mesmo ter introduzido o tabaco no velho continente.
“Raleigh popularizou o consumo de tabaco na Inglaterra no século 17, diz o sociólogo britânico Jason Hughes no livro Learning to Smoke: Tobacco Use in the West (Aprendendo a Fumar: O Uso do Tabaco no Ocidente, inédito no Brasil). “No início, o fumo era muito caro e restrito aos mais ricos. Com o aumento da oferta, porém, o preço caiu, e o tabagismo se tornou acessível para toda a sociedade.”
Durante séculos, o tabaco havia sido usado em rituais xamânicos por tribos indígenas da América Central. Raleigh tomou contato com os nativos quando se aventurou por lá, no século 16, e levou a planta para sua terra natal. É certo que outros navegadores já haviam feito o mesmo, mas Raleigh popularizou o consumo na Europa usando o cachimbo.