O fim do uso de máscaras ao ar livre – e as possíveis consequências disso
Elas estão deixando de ser obrigatórias em locais abertos. Isso pode gerar novos surtos de Covid no Brasil? Qual o risco individual envolvido na mudança? Veja as respostas.
Atualização 2/12: devido ao surgimento da variante Omicron, São Paulo desistiu da liberação do uso de máscaras em locais abertos (que havia sido anunciada para o dia 1/11). Elas continuarão sendo de uso obrigatório.
Sabe quando você está andando na rua e vê uma pessoa sem máscara, ou com ela pendurada no queixo, e fica horrorizado? Nas próximas semanas, vai ter cada vez mais gente sem máscara por aí. Inclusive você. A mudança começou no dia 28 de outubro, quando o Rio de Janeiro implantou uma lei dispensando o uso de máscara em locais abertos. Depois veio o Distrito Federal, onde a máscara deixou de ser obrigatória – ao ar livre, que fique claro – a partir de 3 de novembro.
Enquanto este texto era escrito, várias cidades e Estados brasileiros cogitavam medidas similares (em São Paulo, a liberação foi anunciada para o dia 11 de dezembro). A tendência é que, a partir das próximas semanas, passemos a só usar máscara em locais fechados. As autoridades dizem que tudo bem, pois a cobertura vacinal alcançou um nível razoável (em meados de novembro, 61,5% dos brasileiros estavam totalmente imunizados) e os casos de Covid seguem em queda.
Os médicos se dividem. Alguns consideram aceitável tirar a máscara ao ar livre, pois a ventilação dispersa os vírus que possam eventualmente estar ali. É verdade. Se você não se enfiar em aglomerações – que, mesmo a céu aberto, continuam representando risco de contágio – e não ficar cara a cara com uma pessoa infectada (conversando com ela, por exemplo), sua exposição ao Sars-CoV-2 será baixa. Com isso, e estando devidamente vacinado, o risco de pegar Covid em espaços abertos é pequeno.
Mas há outro lado. Médicos e epidemiologistas têm manifestado o receio de que a liberação possa confundir a sociedade, passando a ideia de um suposto fim da pandemia, e fazer com que muita gente acabe dispensando a máscara também em locais fechados (onde ela continua imprescindível).
É um bom ponto. Se hoje, com a máscara obrigatória em todos os lugares, já tem tanta gente sem usar ou fingindo que usa, imagine com a liberação parcial. Boa parte das pessoas vai esquecer da máscara, ou se fazer de desentendida, ao entrar em lojas, supermercados, shoppings, no transporte público. E é aí que mora o perigo.
Israel, conhecido pela rapidez em vacinar sua população, é um bom exemplo do que pode acontecer quando as máscaras são esquecidas. Em 18 de abril, o país acabou com a obrigatoriedade delas em locais abertos. Naquele momento, 81% das pessoas estavam imunizadas com duas doses da vacina Pfizer – mas esse dado excluía as crianças e os adolescentes, para os quais a vacina ainda não havia sido liberada (e Israel é uma das nações com mais jovens). Considerando a população total, o país tinha 57% de vacinados naquele momento.
No começo, nada de pior aconteceu: casos e mortes continuaram em níveis muito baixos. Mas aí, em 15 de junho, as autoridades resolveram dispensar as máscaras em locais fechados também. E a canoa virou. A média de novos casos diários, que estava quase zerada, aumentou sem parar até chegar a 9.000, e as mortes bateram em 30 por dia. Um nível que não era alcançado desde outubro de 2020, quando nem existia vacina, e muita coisa para um país de 9 milhões de habitantes (equivaleria a 700 óbitos diários no Brasil).
Dez dias depois, o governo reinstituiu as máscaras em locais fechados, mas o estrago estava feito. O país correu para aplicar uma terceira dose da vacina e tentar frear a propagação do vírus (as vacinas são excelentes para evitar Covid grave, mas vão perdendo a eficácia contra a transmissão do Sars-CoV-2 alguns meses após a aplicação, conforme os níveis de anticorpos declinam). Mesmo com esse esforço, e com a volta das máscaras indoor, a onda de novos casos só começou a desacelerar em setembro, três meses mais tarde.
Não é isso o que vai acontecer no Brasil, pois aqui as máscaras continuarão sendo exigidas em locais fechados. O Reino Unido talvez seja um exemplo mais próximo do nosso. Lá, desde julho, a máscara só é obrigatória em certos locais fechados, como lojas, shoppings e metrô.
Mas, como constatou uma pesquisa feita pela empresa britânica Nationwide, 28% dos passageiros do metrô de Londres não usam máscara. Os metroviários declararam que tem sido “uma batalha” fazer os passageiros vestirem máscaras, e o prefeito quer aprovar uma lei dando à polícia poder para obrigá-los. O problema vai além do transporte: considerando todos os locais públicos, 40% dos ingleses não têm usado máscara, segundo os dados governamentais mais recentes.
O resultado disso é o seguinte. Os novos casos de Covid por dia, que até junho vinham numa média de 3.000, agora são 40 mil. Já as mortes diárias pela doença, que antes do declínio no uso de máscaras ficavam entre 10 e 20, agora são 150. Isso não chega nem perto do auge da pandemia, em janeiro de 2020 (quando o país superou os mil óbitos diários), mas também não é nada desprezível.
Esse ritmo equivale a 55 mil mortes por ano – o dobro do número tradicionalmente causado pelo vírus influenza, da gripe comum. Ou seja: no Reino Unido pós-máscaras, a Covid virou uma espécie de supergripe endêmica. Não é tão apavorante quanto já foi, mas está longe de ser inofensiva. E isso mesmo com uma cobertura vacinal bastante razoável: 67% dos ingleses já foram imunizados com as duas doses.
Em suma: deixar a máscara totalmente de lado, como aconteceu temporariamente em Israel, é um caminho certo para voltar aos piores momentos da pandemia. E reduzir o uso de máscara em locais fechados, como os ingleses têm feito, significa eternizar a Covid como uma ameaça grave.
Mesmo se você estiver imunizado. Isso porque as vacinas são extremamente eficazes contra a doença (nos EUA, apenas 0,5% das pessoas totalmente vacinadas tem Covid sintomática, e a taxa de letalidade fica entre 0% e 0,01%, dependendo do Estado), mas há dois poréns. Esses números são dos Estados Unidos, onde 90% das pessoas imunizadas receberam as vacinas de RNA (que protegem mais do que as outras). No Brasil é diferente. E as imunizações, mesmo nos EUA, são recentes; os dados ainda não refletem a perda progressiva de eficácia das vacinas alguns meses após a aplicação.
Quando/se a sua cidade dispensar o uso de máscara ao ar livre, pode tirar a sua. Mas com cuidado, fora de aglomerações. E nunca deixe de colocá-la antes de falar com alguém ou entrar em locais fechados. As máscaras continuam essenciais para conter a propagação do vírus. E é isso, não só vacinar as pessoas e reduzir os casos de Covid, que precisamos para voltar à vida normal. Enquanto o Sars-CoV-2 continuar circulando, a pandemia não irá acabar.