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A importância de um transporte público mais barato

A Alemanha busca reduzir drasticamente os preços dos metrôs, ônibus e trens – após o bem-sucedido teste de um “passe livre" nacional. Entenda por que o Brasil deveria se inspirar nesse tipo de iniciativa.

Por Tássia Kastner
Atualizado em 26 out 2022, 15h52 - Publicado em 20 out 2022, 12h26

Durante o verão europeu, a Alemanha conduziu um experimento: nos meses de junho, julho e agosto, o transporte público ficou virtualmente gratuito em todo o país. Com um ticket mensal de € 9 (R$ 45), foi possível usar metrôs, trens, ônibus e bondes de maneira ilimitada, pelo equivalente a R$ 1,50 por dia. Ficaram de fora apenas os trens rápidos e de longa distância.

Quem estivesse no país, não importava se fosse morador ou turista, comprava uma única passagem para viajar o quanto quisesse no mês. Só em Berlim? Beleza. De Berlim a Hamburgo? Tranquilo. Chegando lá, 255 quilômetros depois, o mesmo ticket valia para usar o transporte público na cidade. De Hamburgo a Frankfurt, 500 quilômetros ao sul: só subir no trem. Dava para cruzar o país à vontade.

Em condições normais, os mesmos € 9 pagam apenas um ticket válido por 24h na região mais central de Berlim – para incluir a área do aeroporto, em Brandemburgo, a passagem já sobe para € 10. Ou seja: mesmo para quem não viaja para outras cidades a economia foi brutal.

Nos três meses do subsídio, foram vendidos 52 milhões de tickets de € 9. É como se 60% da população alemã tivesse comprado um bilhete pelo menos uma vez no período.

O ticket foi anunciado com um pacote de mais de € 30 bilhões em medidas de alívio aos bolsos dos alemães, que apenas começavam a sentir os efeitos da guerra da Ucrânia. Vladimir Putin foi fechando a torneira dos gasodutos que ligavam a Rússia à Alemanha como retaliação aos embargos econômicos impostos pela União Europeia. A consequência foi uma disparada da inflação a patamares não vistos em mais de quatro décadas no país.

Em abril, quando o ticket foi anunciado, a inflação anual estava em 7,4% na Alemanha. Em setembro, havia escalado para 10% ao ano – mais que os atuais 7% do Brasil.

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Inflação alta é uma bomba para qualquer governo. No caso alemão, havia um agravante: o chanceler Olaf Scholz havia acabado de assumir o comando do país, em dezembro de 2021, depois de 16 anos sob a calmaria de Angela Merkel. E seu governo já estava mergulhado numa crise econômica.

O bilhete de  € 9 não foi um acordo fácil de costurar. Scholz é do Partido Social-Democrata (SPD). Para formar governo, ele se coligou com o Verdes e o Partido Democrático Liberal (FDP), que não poderiam ser mais antagônicos: os Verdes queriam aproveitar a crise para “forçar” a troca do carro pelo transporte público; os liberais pediram corte de impostos nos combustíveis, e diziam que o dinheiro do subsídio deveria ir para investimentos em infraestrutura.

De acordo com uma pesquisa feita pela Associação Alemã de Empresas de Transporte, um em cada cinco tickets vendidos foi para quem não usava transporte público antes da redução das passagens. Os congestionamentos e as emissões de CO2 diminuíram. Passados os três meses, Scholz afirmou que o ticket de € 9 foi uma das “melhores ideias” que seu governo teve. E os alemães queriam a prorrogação. Só que o novo projeto ainda não saiu do papel: a queda de braço é justamente o tamanho do subsídio.

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Os três meses de ticket de € 9 custaram € 2,5 bilhões aos cofres públicos do país. Em um ano, a conta subiria para € 14 bilhões. A associação das empresas de transporte estimou que um ticket nacional de € 69 seria viável, mas ainda custaria € 2 bilhões por ano aos cofres públicos, enquanto o governo trabalha em uma proposta de passagem nacional a € 49 por mês.

Uma das críticas ao bilhete de € 9 era a possível sobrecarga do sistema de transportes, causado pelo aumento da demanda de maneira “artificial”.

Em junho, a revista Der Spiegel dedicou uma longa reportagem para apontar os problemas que já existiam nos trens alemães – como os atrasos e cancelamentos recorrentes, reflexo do baixo investimento no sistema de trilhos. A revista aponta que o país investiu o equivalente a € 88 por habitante, atrás dos € 249 da Áustria e dos € 440 da Suíça.

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A chegada de mais passageiros pioraria o serviço, causando um efeito contrário do esperado pelo governo. No médio prazo, afastaria até os atuais passageiros que têm carro –  eles abandonariam o transporte público traumatizados com as eventuais superlotações.

Só que não foi nada disso, e um dos motivos é que também na Alemanha o número de usuários de transporte público ainda não voltou ao nível pré-pandemia.

O mesmo fenômeno se repete no Brasil. Vinicius Torres Freire, colunista da Folha de S.Paulo, levantou dados com as autoridades públicas e demonstrou recentemente: o número de passageiros no metrô de São Paulo caiu 34% entre 2019 e 2022*. Nos ônibus, 26%. A economia voltou a funcionar, mas os passageiros habituais ainda não retornaram ao transporte público – de um lado, por conta do home office; de outro, por causa da queda na renda e do aumento de empregos precários, que não pagam vale-transporte.  

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E isso leva a uma questão fundamental: o quanto o transporte público pesa no bolso dos brasileiros. Em São Paulo, comprar o Bilhete Único mensal com acesso a trens e metrôs custa R$ 338. O salário médio do paulistano (que é o maior do país) está em R$ 1.926 – de acordo com a agência de empregos Catho. Dá R$ 10,95 a hora. Logo, são 31 horas de trabalho de quem ganha a média paulistana apenas para pagar o metrô e o ônibus.

A passagem no Bilhete Único simples custa R$ 9,24 para cada integração ônibus-metrô (ou R$ 18,48 ida e volta). De um salário médio ganho com oito horas de trabalho diário, quase duas vão só para pagar o transporte público nessa modalidade, a mais usada.

Isso torna necessário algum subsídio extra a favor de passagens mais baratas, como se discute na Alemanha. E uma parte da grana poderia vir justamente do público mais endinheirado, aquele que não usa transporte público porque não quer. Vejamos como.

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Em Curitiba, a cidade brasileira que é referência no transporte público, as viagens entre as 9h e as 11h e entre 14h e 16h saem R$ 1 mais barato que nos horários de pico – R$ 4,50, em vez de R$ 5,50.

Faz todo o sentido. Mesmo nas capitais mais abarrotadas, boa parte do transporte público fica subutilizada nesses horários. Enquanto isso, o trânsito praticamente não dá sossego. Um eventual Bilhete Único que cobrasse menos nesses momentos do dia poderia atrair para os metrôs e ônibus gente que só usa carro. Como o transporte público segue girando com ou sem gente, não haveria gasto extra para o sistema. Só a eventual renda extra, que, num ambiente de boa gestão, poderia ser usada para baratear a “tarifa cheia”, de quem precisa usar nos horários pesados.

Para tanto, porém, seria preciso uma mudança cultural. No Brasil, deixar de usar transporte público é visto como um rito de ascensão social. Comprou o primeiro carrinho popular usado, tchau metrô. Nas nações desenvolvidas, não. Como disse Enrique Peñalosa, ex-prefeito de Bogotá (uma espécie de Curitiba da América do Sul no quesito transporte): “Uma cidade avançada não é aquela em que os pobres andam de carro, mas aquela em que os ricos usam transporte público”.

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