Às vésperas dos Jogos Paraolímpicos, Japão encara pico inédito de casos
53% da população não confia nas vacinas – que só começaram a chegar em fevereiro –, primeiro-ministro nega que as Olimpíadas tenham relação com a alta.
Os Jogos Paraolímpicos – disputados por atletas com deficiência física ou intelectual – começam no dia 24 de agosto em meio a uma alta inédita de casos de covid-19 no Japão. Na última quinta (18), o país registrou 18 mil infectados pelo coronavírus, contra os aproximadamente 15 mil do dia anterior. Desses 18 mil, 5 mil estão em Tóquio: foi o segundo maior número contabilizado na cidade desde o início da pandemia, em março de 2020.
Já há mais de 200 pacientes graves ocupando leitos de UTI na capital, e o governo teme que o sistema hospitalar não possua vagas suficientes para dar conta da demanda nas próximas semanas (no começo deste mês, a ocupação já estava em 70%).
De acordo com o Washington Post, oito pessoas com idades entre 30 e 50 anos já morreram de covid-19 em casa após seguirem a orientação de permanecerem isoladas em vez de buscar atendimento médico. Os hospitais foram instruídos a aceitar apenas os pacientes mais graves para evitar sobrecarga. “Eles chamam de tratamento em casa, mas é abandono em casa”, afirmou à TV pública NHK o líder do principal partido de oposição, Yukio Edano.
O primeiro-ministro Yoshihide Suga nega que a circulação do vírus entre os 15 mil atletas de 206 nações na bolha das instalações olímpicas tenha qualquer relação com o espalhamento da variante delta do lado de fora. Por outro lado, Shigeru Omi, um dos líderes nos esforços de combate à pandemia dentro da cúpula do governo, afirma que o evento esportivo gerou uma sensação de relaxamento perigosa – que fez a população se comportar de maneira inadequada, ainda que praticamente não houvesse público nas arquibancadas.
De acordo com a estimativa do COI – que ofereceu vacinas a todos os atletas gratuitamente, mas não obrigou a imunização –, 80% dos competidores e suas delegações competiram vacinados nos Jogos Olímpicos tradicionais. A previsão é que os Jogos Paraolímpicos ocorram com as arenas e estádios quase sempre vazios.
O Japão é um caso à parte na pandemia. Por um lado, tem conseguido um sucesso relativo na contenção do vírus: o país tem 60% da população do Brasil, mas apenas 2,6% do total de mortes: 15,3 mil até esta sexta (13), contra nossas 567 mil vítimas. Esses números são fruto de um isolamento social totalmente voluntário. Por lá, não houve lockdown: ficou em casa quem quis, e o comércio não foi obrigado a baixar as portas.
Os dados japoneses até parecem bons em comparação com a realidade brasileira – afinal, nosso fracasso no combate à pandemia é monumental –, mas não são satisfatórios em relação ao desempenho exemplar dos seus vizinhos no mapa. O país tem 116 mortes por covid-19 para cada milhão de habitantes. A Coreia do Sul tem 39; a Nova Zelândia, 5. (Leia mais na nossa reportagem especial sobre os Jogos Olímpicos, disponível aqui.)
A vacinação começou lenta e só agora pegou ritmo. Só 36% da população está completamente imunizada. 75% dos maiores de 65 anos já receberam suas injeções, e por isso os casos mais graves se concentram entre pacientes de 40 e 50 anos.
O produto da Pfizer, primeira marca aprovada pelo governo japonês, só recebeu aval em fevereiro, quando a aplicação de imunizantes já tinha começado até no Brasil. E pouca gente deu bola para o atraso: 53% da população, de acordo com um relatório do Imperial College de Londres, não confia em vacinas. Não só em vacinas contra covid-19, veja bem: em nenhuma vacina. Em 2013, por exemplo, o governo japonês deixou de recomendar a vacina para o HPV. O índice de vacinação contra a doença caiu de 70% para 1%.