Como é a “ordem alfabética” japonesa – que pôs a delegação brasileira no final
O Brasil entrou quase por último na abertura dos Jogos Olímpicos. Isso acontece porque nos "alfabetos" japoneses – que na verdade são silabários –, o som de B vem no final, e é só um variação do H, indicada com um sinal gráfico.
A cerimônia de abertura das Olimpíadas de Tóquio aconteceu nesta sexta-feira (23), e o tradicional desfile das delegações pode ter confundido algumas pessoas. Isso porque, na entrada dos países no estádio, o Brasil ficou no final da fila: foi a 151ª equipe a aparecer, depois do Uruguai, por exemplo.
Pode parecer estranho esperar tanto para conferir o surgimento da bandeira brasileira no desfile, mas é que a entrada das delegações não seguiu a conhecida ordem alfabética latina dessa vez – como ocorreu em Jogos anteriores. A cerimônia de Tóquio 2020 se baseou no sistema de escrita nipônico, que é muito diferente do nosso.
Para começar, o sistema de escrita japonês não envolve um alfabeto – essa é uma palavra de origem grega usada no Ocidente, constituída pelas duas primeiras letras do alfabeto grego (alfa e beta, correspondentes às nossas letras A e B). Nem todas as línguas adotam um símbolo para cada som, como fazemos nós e faziam os atenienses na Antiguidade.
A língua japonesa possui três sistemas de escrita: hiragana, katakana e kanji. Eles podem ser usados ao mesmo tempo, e cada um serve para uma coisa.
Vamos primeiro falar rapidamente do kanji – já que ele não é o foco deste texto. O kanji não é um sistema de escrita fonético como os que estamos acostumados, em que cada símbolo corresponde a um som. Os kanji são caracteres de origem chinesa, e neste sistema cada desenho representa uma ideia inteira. Uma palavra. Há um símbolo para “pessoa”, um para “fogo” e assim por diante.
Agora vamos aos outros dois. O hiragana é o principal sistema de escrita no japonês, já o katakana é mais usado para situações específicas, como a escrita de palavras estrangeiras (o nome de países, por exemplo). O hiragana e o katakana são silábicos. Pense assim: no português nós juntamos as letras c-a-s-a para formar “casa”; a língua japonesa juntaria dois símbolos, um equivalente a “ca” e outro a “sa”, para formar a palavra.
Nestes sistemas existem símbolos para as vogais a, i, u, e, o (nessa ordem), e para sílabas formadas a partir da junção dessas vogais com as consoantes existentes por lá (como k, s, t, n). Existe um símbolo para “ka”, um para “ki”, outro para “ku” e assim por diante.
O sistema começa pelas vogais e segue a ordem das consoantes emparelhadas com as vogais: a, i, u, e, o, ka, ki, ku, ke, ko, sa, si…
E o Brasil?
Como os sons que existem na língua japonesa são diferentes daqueles que existem no português, o nome Brasil, do jeito que nós pronunciamos (e representamos na escrita), não existe por lá. Para os japoneses, Brasil é ブラジル (que se lê “Burajiru”) e é escrito a partir do katakana, por ser uma palavra estrangeira.
O nome se transforma desse jeito porque sofre as adaptações necessárias para existir na língua japonesa. O som da sílaba “bra”, por exemplo, não existe, então vira “bura”. (Perceba também que anteriormente não citamos a consoante B como parte do sistema de escrita: o som “bu” é formado através de “hu” e do dakuten – ou ten-ten, um sinal que muda a pronúncia de algumas sílabas. É como um acento).
Assim, a equipe brasileira ficou pro fim da fila porque “Burajiru” aparece junto com outros países cuja pronúncia começa por ha, hi, hu, he e ho – e depois de países como Uruguai, porque o símbolo da vogal “u” aparece antes na ordem do sistema de escrita.
*Agradecemos à colaboração de Guilherme Ritsu, formado em Letras – Japonês pela Universidade de São Paulo (USP).