Estradas fantasmas: o problema das ruas não mapeadas para o desmatamento
Existem de três a dez vezes mais ruas em florestas tropicais do que diz o mapeamento oficial, segundo estudos.
Se você abrir o Waze no interior da Amazônia, provavelmente não verá muitas estradas no aplicativo. Mas a verdade é que, estando lá, você tem bem mais opções de tráfego do que aparece na tela do seu celular.
Isso porque boa parte daquelas ruas não estão mapeadas oficialmente. Segundo um estudo da Universidade Federal do Pará (UFPA) publicado em 2021, há dez vezes mais estradas clandestinas no estado do Pará do que oficiais. Em 2018, eram 363 mil quilômetros de vias informais, comparado a 36 mil quilômetros de vias oficiais. Essa malha de ruas fantasmas funcionam como rotas para a chegada de pessoas – e, consequentemente, o desmatamento.
Outro estudo mais recente, publicado este ano na Nature, analisa o mesmo fenômeno nas ilhas do Pacífico – como Indonésia, Malásia e Nova Guiné. Elas abrigam a terceira maior floresta tropical do mundo, atrás apenas da Amazônia e da Bacia do Congo. Pesquisadores da Universidade James Cook, na Austrália, usaram imagens de satélite para calcular a verdadeira extensão das estradas nas ilhas. Eles encontraram de três a sete vezes mais quilômetros de vias do que está registrado oficialmente.
Os pesquisadores treinaram 210 voluntários para analisar imagens do Google Earth e fazer o mapeamento das estradas manualmente. Eles levaram mais de 7 mil horas para mapear uma área de 1,4 milhões de quilômetros quadrados. No total, a equipe contabilizou 1,37 milhões de quilômetros em estradas, o que é de três a sete vezes mais em relação ao que está registrado em duas bases de dados internacionais.
Em alguns locais, as estradas oficiais representavam apenas 5% do que foi identificado pelos voluntários. Na imagem abaixo, da ilha de Borneo, os mapas C e D mostram as estradas registradas em duas bases de dados distintas. O mapa E mostra as estradas reais, identificadas por imagens de satélite.
Em entrevista à Nature, o autor do estudo Bill Laurance diz que essas estradas informais são construídas por pessoas que extraem madeira, minerais, fauna ameaçada ou realizam outras atividades ilegais. As estradas costumam preceder o desmatamento, já que elas transportam os agentes da degradação ambiental.
Segundo Laurance, o mapeamento feito por humanos ainda é melhor do que o uso de inteligência artificial. No entanto, os voluntários só conseguem analisar uma área limitada, insuficiente comparado à imensidão das florestas tropicais. Um modelo aprimorado de IA poderia assumir esse papel – ajudando a mostrar a verdadeira dimensão do problema.