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Nos EUA, congressistas descendentes de escravocratas têm fortuna cinco vezes maior

O estudo evidencia a desigualdade racial dos Estados Unidos, com fortes paralelos com a situação do Brasil após a abolição da escravidão.

Por Eduardo Lima
22 ago 2024, 12h00

Um estudo realizado com dados de abril de 2021 mostrou que os membros do Congresso dos Estados Unidos que descendiam de senhores de escravizados são mais ricos que os outros. Aqueles com ancestrais que foram donos de mais de 16 pessoas durante a escravidão têm um patrimônio líquido cinco vezes maior em comparação a outros congressistas.

A pesquisa foi publicada no periódico de acesso aberto PLOS ONE na última quarta-feira, 21. É difícil avaliar com precisão até que ponto o legado da escravidão nos Estados Unidos se relaciona com condições econômicas atuais – mas os dados do estudo são inequívocos em fazer a ligação.

O estudo foi feito com uma base em dados resultante de uma investigação da Reuters publicada em 2023. A agência de notícias identificou os ancestrais de escravocratas dos 535 congressistas dos EUA em 2021. Os pesquisadores cruzaram esses dados com as autodeclarações financeiras de cada um dos políticos.

Não dá para extrapolar esse resultado para toda a população americana porque os congressistas não são obrigados a mostrar toda sua riqueza – e são, em média, mais ricos que o público geral. Mesmo assim, a estatística é indicativa de um problema geral no país.

A diferença gigante de riqueza continuou mesmo depois de se contabilizar fatores que podem influenciar no patrimônio líquido, como idade, gênero, raça e nível de educação formal. Essa pesquisa mostra que a escravidão continua afetando as pessoas nos Estados Unidos, mesmo quase 160 anos depois da abolição.

Desigualdade depois da escravidão

Após a independência dos Estados Unidos em 1776, a maioria dos estados da região norte abandonou a escravidão, enquanto a região sul continuou com a escravatura em seus latifúndios. Esse conflito de diferentes projetos de país só foi se resolver depois da Guerra Civil Americana, que durou de 1861 a 1865.

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Marcos Sorrilha, professor de história da Universidade Estadual Paulista (Unesp), dá um exemplo de um projeto integrador logo após a abolição: uma lei que distribuía 40 hectares de terra de ex-senhores de escravos para ex-escravos cultivarem e formarem uma renda.

Com a morte de Abraham Lincoln, em 1865, seu vice, Andrew Johnson, assume. Homem do sul e do partido oponente a Lincoln, ele revoga a lei, devolvendo as terras para os antigos senhores de escravos. O presidente Johnson passou por um impeachment por causa disso em 1868. 

Uma das ideias da época era incluir os negros na sociedade por meio da educação, com escolas e universidades segregadas, só para afro-americanos. Esse projeto educacional foi deixado para trás em 1870. Depois disso, as tropas federais foram até o sul para garantir que as pessoas negras tivessem acesso a seus direitos. Porém, eles só conseguiram emprego nas fazendas dos antigos senhores, já que o projeto educacional foi descontinuado.

“[Os antigos senhores] forneciam casa, ferramentas, mas acabavam gerando dívidas para os ex-escravizados”, explica Sorrilha. Um trabalho análogo à escravidão começou a prosperar e se perpetuar no sul dos EUA, continuando esse horroroso legado por muitos anos.

E no Brasil?

“Minha primeira impressão desse estudo é quase uma inveja, porque eu adoraria isso fazer aqui no Brasil”, comenta Thales Vieira, sociólogo e co-diretor-executivo do Observatório da Branquitude. Há uma dificuldade muito grande de obter dados e documentos sobre a escravidão no Brasil por causa de como nossa abolição aconteceu, com queimas de arquivos e direito real de indenizações só para os ex-proprietários de escravizados. O caminho possível no Brasil hoje é usar estimativas.

“O estudo fala dos Estados Unidos, mas no Brasil não seria diferente, compreendendo que é a raça a grande produtora de desigualdade da sociedade”, argumenta Vieira. “Quase em qualquer indicador que você for olhar a população negra está de um jeito e a população branca está de outro”.

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No dia seguinte à abolição da escravidão, os ex-senhores de escravos e os ex-escravizados estavam em campos econômicos muito diferentes. Só a liberdade formal não bastava para consertar as divisões, já que uma elite financeira havia se formado em cima da escravidão. “O acúmulo de riquezas no Brasil não vem da industrialização, como na Inglaterra. Vem do tráfico negreiro”, explica Vieira.

O engenheiro e inventor negro André Rebouças afirmou, na véspera da abolição, que só acabar com a escravidão criaria uma massa de desempregados. Sem ter acesso à terra para produzir, essas pessoas voltaram a trabalhar em condições precárias nas mesmas propriedades rurais onde, décadas antes, haviam sido escravizados.

No começo da república brasileira, Thales Vieira conta que não havia possibilidade de ascensão social para a população negra. Políticas oficiais de Estado pelo “embranquecimento” da população escantearam ainda mais os descendentes de escravizados, que, em sua maioria, não tinham propriedades e não podiam votar justamente por causa disso.

Como resolver desigualdades com raízes tão profundas, como nos EUA e no Brasil? “Se não se produzir políticas públicas que focalizem raça, a tendência é que a desigualdade racial se mantenha”, afirma Vieira. A conclusão dos pesquisadores americanos foi a mesma: se os legisladores não perceberem essa desigualdade entre eles, quem mais vai poder criar leis que reparem essa história violenta?

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