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Mundo de ferro e fogo

A forma dos mundos próximos do Sol a Terra inclusive pode ser o resultado de um colossal brilhar cósmico, cujas regras estão, agora, sendo testadas em Mercúrio

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h38 - Publicado em 30 abr 1991, 22h00

Flávio Dieguez e Sérgio Rizzo.

Em novembro de 1973, exatos dois anos depois da entusiasmante visita da sonda americana Mariner 9 a Marte, partiu para o espaço sua sucessora, a Mariner 10, com destino a Mercúrio. A sonda aproximou-se com cuidado: nessa região, a pouco mais de 50 milhões de quilômetros da imensa massa solar, a força gravitacional é particularmente intensa e a viagem equivale a seguir uma trilha à borda de um precipício. Nenhum acidente de percurso, porém, perturbou a sonda, que em pelo menos três ocasiões conseguiu sobrevoar de perto o pequeno astro, o suficiente para ver o desolado cenário de luz intensa e sombra profunda, característico de sua superfície.

Muito pouco se sabia sobre o tipo de mundo gerado nas condições excepcionais de Mercúrio, o planeta mais próximo do Sol, o mais denso de todos e o menor, depois do longínqüo Plutão. O sucesso da expedição, em vista disso, consistiu em reunir, pela primeira vez, peças importantes de um quebra-cabeças ainda hoje não solucionado. Em poucas palavras, trata-se de descobrir as leis que governam o nascimento dos quatro planetas ditos de tipo terrestre: Mercúrio, Vênus, Terra e Marte. Situados entre o Sol e o cinturão de asteróides, esses mundos diferenciam-se dos outros por serem quase inteiramente constituídos de partes sólidas, com exceção dos mares e da atmosfera. Em contraposição, os corpos externos, além de Júpiter, são gigantescas esferas gasosas, dotadas de um núcleo sólido relativamente pequeno.

Em seu grupo, Mercúrio destaca-se por conter mais ferro que qualquer outro mundo. Sua superfície, de fato, é pouco mais que um glacê de bolo — uma fina camada de minerais rochosos, abaixo da qual há um amálgama de ferro equivalente a dois terços da massa total do planeta. Em comparação, a Terra contém dois terços de rochas e apenas um terço daquele metal, receita essa seguida de perto por todos os outros membros do grupo. Não há explicação para essa composição especial e, duas décadas após o vôo da Mariner, sua importância cresceu a ponto de incentivar idéias mirabolantes.Como a das colisões colossais entre os mundos, cujos resultados estão longe de ser conclusivos, mas constituem uma maneira inteiramente nova de investigar o passado. Sua estratégia, traçada há cerca de cinco anos pelo pesquisador George Wetherill, do Instituto Carnegie, de Washington, Estados Unidos, consiste em simular, em computador, o que acontece quando 10 bilhões de planetóides, de apenas alguns quilômetros de diâmetro, reúnem-se num vórtice à volta do Sol. Seriam embriões de planetas, a matéria-prima com a qual modelou-se o sistema solar.Num primeiro momento, a despeito de serem repetidas as colisões entre esses corpos, elas ocorrem a baixa velocidade e por isso não são destrutivas. 

Em vez disso, tendem a soldar os pequenos corpos entre si, fazendo-os tomar a dimensão de verdadeiros planetas. Apenas então, a grande massa dos corpos faz com que eles se atraiam com força considerável, o que leva a muitas colisões violentas e destrutivas. Depois de muitos cálculos, o computador apresentou um curioso veredicto. Durante a gênese eletrônica, surgem dois mundos que bem poderiam ser a Terra e Vênus, pois têm a massa e a posição adequadas—comparáveis à massa e à posição dos planetas reais.Em compensação, de acordo com os cálculos o sistema solar poderia conter pelo menos catorze planetas com características análogas às de Marte e Mercúrio (vinte vezes mais leve que a Terra). E isso, pelo menos por enquanto, encerra as possibilidades de análise por computador, isto é, não adianta prosseguir com os cálculos, pois há um equilíbrio entre colisões destrutivas e construtivas e o aspecto do sistema solar já não se altera com o tempo. Apesar disso, imagina-se que as colisões, de alguma forma, tenham prosseguido, no passado. Nesse caso, é possível avançar mais um pouco na investigação—e verificar, por exemplo, se um planeta predominantemente rochoso poderia acabar perdendo os minerais mais leves. O computador, portanto, foi novamente acionado, desta vez para estudar um choque entre dois dos corpos semelhantes a Mercúrio, gerados pela simulação anterior. Com o detalhe de que ambos seriam compostos principalmente por rochas, no início.

Para alegria dos pesquisadores, depois de feitas todas as contas, restou da catástrofe um único mundo de ferro, tal como o verdadeiro Mercúrio. De acordo com os defensores dessa teoria ela tem a vantagem de propiciar uma grande interação entre os corpos primitivos do sistema solar, já que as colisões misturam os ingredientes dos quais eles são leitos. Nas teorias mais convencionais, em vez disso, a força dominante é o calor do Sol.As rochas de Mercúrio por exemplo, podem ter sido simplesmente vaporizadas pelo tórrido hálito solar. Sua temperatura, atualmente já é extremamente alta—supera os 400 graus Celsius, o bastante para liquefazer o chumbo. Imagine-se, então, o que leria ocorrido no passado, quando a energia térmica à sua volta media-se na escala dos 3000 graus. Alguns cientistas propõem que tal fluxo de calor tenha sido capaz de desbastar as camadas mais superficiais do planeta, que conseguiu reter apenas certos metais, a exemplo do ferro, e os agregados mais densos de rocha.Seja como for, no estágio atual dos conhecimentos, nenhuma teoria pode explicar todas as particularidades de Mercúrio. Uma das mais intrigantes é seu forte campo magnético, descoberto pela Mariner 10. 

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Pode-se entender o problema por meio de uma comparação com a Terra, cujo núcleo é formado por uma grande esfera de metal fluído, permeado de partículas eletrizadas. Nesse caso, a rotação desse material subterrâneo acaba gerando uma espécie de bobina ou eletroímã gigante. São essas bobinas que geram o campo magnético terrestre, conhecido desde a Antiguidade por sua ação sobre as bússolas. Em Mercúrio, no entanto, as coisas não são tão simples, pois ele não parece contar com um núcleo metálico fundido.Se esse núcleo existisse, seu calor deveria escapar gradualmente do interior do planeta Mas a energia emitida por Mercúrio consiste, simplesmente, em energia captada do Sol e devolvida para o espaço. Essa, pelo menos, é a conclusão dos astrônomos Jack Burns e Michael Ledblow, da Universidade do Estado do Novo México, Estados Unidos. Suas imagens mostram também dois intrigantes focos de calor na superfície do planeta—manchas de alta temperatura, circunscritas a duas regiões diametralmente opostas. Sua causa pode ser o esdrúxulo movimento orbital de Mercúrio, cujo dia é quase tão longo quanto o ano, pois completa seu giro em torno do Sol em apenas 88 dias terrestres, mas dá uma volta em torno de si mesmo num período equivalente a sessenta dias terrestres. 

O resultado é que, durante toda a primeira metade do ano, o planeta expões ao Sol apenas uma de suas faces, que fica superaquecida. Depois, é a vez da outra face, e assim por diante. Em vista disso, o solo mercuriano é um fenômeno à parte.À noite, depois de tantos dias mergulhado na escuridão, o termômetro cai para 40 graus negativos, mas, a 1 metro abaixo da superfície, ainda alcança 40 graus positivos. É difícil imaginar os fenômenos que tais condições podem gerar, mas os cientistas começam a desvelar os primeiros detalhes. É admirável, por exemplo, que a baixa gravidade mercuriana possa reter atmosfera, inclusive porque os gases aquecidos têm mais força para escapar.No entanto, os dados da Mariner 10 já haviam denunciado, pelo menos, uma levíssima brisa sobre o solo ardente, composta de hidrogênio, oxigênio e hélio. Agora, há sinais também de sódio e potássio, substâncias que, na Terra, formam minerais sólidos. É o caso do cloreto de sódio, ou sal de cozinha. Em Mercúrio, porém, esses minerais esfumam- se em vapores, talvez em virtude do forte magnetismo concentrado nas regiões polares. Infelizmente, não há viagens programadas para Mercúrio, em futuro próximo. Isso faz pensar que ainda será preciso esperar bastante tempo até que se tenha uma idéia mais aproximada sobre o pequeno recanto do Cosmo onde o homem surgiu e vive.

 

 

 

 

 

Boxes da reportagem

Infância Atribulada

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Quase vinte vezes mais leve que a Terra, Mercúrio pode nunca ter acumulado grande quantidade de massa . Mas pode ter perdido parte de sua massa original na infância. Teoriza-se que as rochas superficiais teriam sido vaporizadas pelo vento solar, que então soprava a uma temperatura de 3 000 C. Uma teoria alternativa diz que a perda ocorreu durante fenomenal colisão.

 

 

 

 

Piruetas no espaço curvo

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Por estar muito perto da vasta massa solar, Mercúrio sofre um pequeno mas significativo desvio nas curvas do espaço, previsto pelo alemão Albert Einstein. Tornou-se, assim, o seu primeiro teste da Teoria da Relatividade. Einstein conta que cambaleou ao aplicar suas equações a um fenômeno real e obter um número bem próximo do efetivamente observado. O problema é que os planetas seguem um trajeto fixo no espaço — sua órbita, que tem a forma de uma elipse. Mas a órbita de Mercúrio muda com o tempo — seu ponto mais próximo do Sol gira lentamente, a uma taxa aproximada de 100 quilômetros por ano. Como a órbita completa mede 350 milhões de quilômetros, tem-se uma idéia de quanto o desvio é pequeno.

 

 

 

 

 

 

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