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Próxima parada: Netuno

A Voyager 2, o mais eficiente aparelho de engenharia espacial construído pelo homem chega este ano perto do planeta Netuno, antes de cruzar as fronteiras do sistema solar

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h38 - Publicado em 31 jan 1989, 22h00

Norton Godoy

O corpo tem o peso e o tamanho de um Monza, mas a aparência lembra um grande guarda-chuva. Se fosse um foguete, não haveria combustível suficiente para levá-la aonde está – a 5 bilhões de quilômetros da Terra, a caminho de Netuno, em cujas imediações, por assim dizer, chegará no próximo mês de agosto. Apesar disso, a sonda espacial Voyager 2 é um meio de transporte supereconômico: seus três geradores nucleares produzem 389 watts de potência, metade do que gasta uma reles cafeteira elétrica. É o bastante para a viagem que a levará além do sistema solar. A Voyager 2 foi lançada em agosto de 1977, por estranho que pareça menos de um mês antes da Voyager 1. Esta cruzou as órbitas de Júpiter e Saturno e continua viajando.

Até hoje as sondas gêmeas Voyager são consideradas a maior realização científica do programa espacial americano, incluída a descida do homem na Lua. “A quantidade de informações que as sondas enviaram e ainda estão enviando do espaço é tão grande que ainda não houve tempo para digeri-la. Pode ser que os seus dados revelem novas surpresas”, afirma o astrônomo Roberto Boczko, da Universidade de São Paulo. O que mais sobressai no aspecto das Voyager é a antena parabólica, parecida com um prato de sopa, e que mede 3,7 metros de diâmetro. É graças a essa antena que as sondas se comunicam com a Terra.

Colado na base do prato há um compartimento de alumínio de forma arredondada onde estão guardados os instrumentos da nave. Ali funcionam três computadores – na realidade são seis, mas três ficam de reserva. Enquanto um deles controla o cotidiano da nave, os outros governam seus movimentos e as informações coletadas pelos instrumentos de medição. A capacidade de memória dos seis juntos não vai além de 68 kilobytes, semelhante à de um micro de uso pessoal. Os estranhos guarda-chuvas espaciais possuem, ainda, dois braços.

Num deles estão instalados os geradores que produzem eletricidade a partir do calor resultante da desintegração radioativa do óxido de plutônio, um combustível nuclear. Como o roteiro das Voyager afastou-as muito do Sol, não puderam ser equipadas com painéis solares à maneira de suas precursoras Mariner, que seguiram na direção oposta para conhecer Vênus e Mercúrio. No outro braço, as Voyager carregam uma plataforma com os demais instrumentos científicos e as câmeras de vídeo. As sondas têm um gravador digital de oito trilhas – parecido com um videocassete – onde estão registradas as informações, inclusive as fotos feitas pelas duas vidicons, as câmeras. Entre os braços há uma antena comprida, onde estão instalados o magnetómetro – que, como o nome diz, registra a intensidade dos campos magnéticos dos planetas – e os medidores de plasma (gás ionizado rarefeito espalhado pelo espaço) e de ondas de rádio provenientes do espaço.

Como as fotos enviadas pelas Voyager chegam à Terra? Os computadores das naves transformam as imagens obtidas pelas câmeras em sinais digitais que são enviados pelo rádio, a bilhões de quilômetros de distância, para os radiotelescópios terrestres. A NASA possui três estações rastreadoras – uma perto de Madri, na Espanha, outra no deserto de Mojave, na Califórnia, e uma terceira em Canberra, na Austrália. Estas retransmitem os sinais via satélite a uma série de torres de transmissão de microondas na Califórnia, que os enviam aos computadores do Laboratório de Jatopropulsão (JPL), em Pasadena, ao norte de Los Angeles, que refazem as imagens.

As fotos das Voyager lembram as telefotos de jornal, feitas de milhões de pontos, cada um com uma gradação diferente de cinza. Os pontos são tão pequenos e juntos que permitem ver nitidamente o contorno dos objetos. Após o processamento, que pode adicionar cor às imagens, os pontos são armazenados num disco magnético parecido com um filme fotográfico.

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“Só a Voyager 2 enviou 18 mil fotografias de Júpiter para a Terra”, informa o engenheiro Douglas Griffith, encarregado da missão Voyager 2 para Netuno, ouvido por SUPERINTERESSANTE. “Isso representa uma tremenda quantidade de informações. Não são apenas imagens bonitas mas dados importantes sobre a formação do sistema solar, a origem da Terra e o processo de evolução dos planetas.”

No 5.° andar do edifício de oito andares de número 264 do JPL, em Pasadena, onde funciona o cérebro das Voyager, o movimento desde já é intenso. Até 24 de agosto, quando a Voyager 2 passar a apenas 5 mil quilômetros acima da atmosfera de Netuno, os 220 técnicos que a vigiam dia e noite estarão checando cada instrumento de bordo para que não haja nenhuma falha nessa sua grande cerimônia de despedida do sistema solar. A expectativa dos técnicos é otimista. Afinal, como lembra Griffith, há oito anos a nave funciona sem problemas.

Antes disso, porém, ela pregou algumas boas peças. Em 1981, por exemplo, quando passou por Saturno, emperrou um dos dispositivos mecânicos que movimentam a plataforma onde estão instaladas as câmeras de TV. Embora os controladores tivessem conseguido fazê-lo movimentar-se de novo, não ficaram convencidos de que funcionava bem. Por via das dúvidas, inventaram uma forma de tirar as fotos sem precisar acionar a plataforma, fazendo com que toda a Voyager 2 se movimente junto com a câmera.

Problema bem mais complexo já havia acontecido sete meses depois do seu lançamento, quando uma descarga elétrica destruiu o rádio principal e danificou o equipamento de reserva. Parecia que a Voyager 2 ficaria para sempre surda aos chamados da Terra, pois somente o rádio principal era capaz de procurar e sintonizar automaticamente os sinais do JPL. Como o rádio reserva estava avariado, sua faixa de busca de freqüência ficou reduzida a um milésimo da faixa do rádio principal. Assim, os operadores da Terra precisam calcular a velocidade da nave quando o sinal a atinge e ainda a temperatura local quando a mensagem é recebida para sintonizar com o rádio reserva, pois mudanças na temperatura da nave alteram a freqüência do rádio.

Não é tarefa fácil. As estações de rádio da Terra emitem 50 mil watts de potência e o sinal da Voyager é de apenas 22 watts, inferior ao de uma lâmpada comum. Além disso, como o sinal se irradia pelo espaço em todas as direções, a fração recebida pela Terra é de apenas um bilionésimo de milionésimo de watt. Nem mesmo as três estações rastreadoras da NASA juntas foram suficientes para captar os sinais da Voyager 2 quando ela passou ao largo de Urano, em janeiro de 1986. A agência espacial americana teve de pedir socorro a outros radiotelescópios espalhados pelo mundo. Atualmente a Voyager 2 está tão longe que os sinais levam por volta de quatro horas para alcançar a Terra, embora viajando à velocidade da luz.

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Em 1965, quando se começou a pensar no projeto, mandar uma sonda a Júpiter parecia uma missão impossível: o homem nem tinha chegado à Lua (o que só faria quatro anos mais tarde) e as sondas não-tripuladas como a Mariner 4 só tinham ido a Marte, o planeta mais próximo da Terra depois de Vênus. Uma viagem a Júpiter, centenas de milhões de quilômetros além de Marte e do perigoso cinturão de asteróides contra alguns dos quais as naves poderiam se chocar, significaria uma viagem de pelo menos nove anos, ou seja, tanto tempo quanto havia transcorrido desde o lançamento do Sputnik soviético, o primeiro satélite artificial da Terra, em outubro de 1957, até aquela data. Para vencer esses obstáculos, os engenheiros da NASA tiveram de improvisar. Uma sonda espacial funciona como um projétil em vôo livre. Como ensina a Física, um objeto solto no espaço flutua e fica indefinidamente sob a ação de uma força até que outra aja sobre ele.

Se um homem pudesse lançar uma bola para além da órbita da Terra, essa bola continuaria sua trajetória, com praticamente a mesma velocidade, para sempre, a menos que colidisse com um planeta ou sofresse a interferência de outra força, como o campo gravitacional de um planeta. A velocidade das Voyager – 63 mil quilômetros por hora – e a direção são influenciadas pela força gravitacional do Sol e dos planetas que elas encontram ao longo de sua trajetória. Para escapar da gravidade terrestre foi preciso o empurrão de um poderoso foguete Titan-Centaur. Quando as duas naves ultrapassaram cerca de um terço do caminho entre a Terra e Júpiter, a gravidade deste último planeta começou a atrai-las mais que a da Terra, acelerando as velocidades.

Essa ajuda involuntária já havia sido experimentada em 1973, quando a Mariner l0 usou o campo gravitacional de Vênus como “posto de abastecimento” até Mercúrio. Mas os engenheiros das Voyager contaram com um golpe de sorte adicional. Uma configuração favorável dos planetas permitiu que as naves alcançassem Júpiter em menos de dois anos e Saturno em quatro. Então houve uma alteração nas rotas. A Voyager 1 continuou seu caminho, sem se encontrar com mais nenhum planeta, embora continue em contato com a Terra. A Voyager 2 passou, nove anos depois do lançamento, por Urano e passa doze anos depois por Netuno. Para isso, usou a gravidade dos planetas como um estilingue, ou seja, a velocidade orbital de Júpiter e sua gravidade aceleraram a nave em direção a Saturno, daí a Urano e Netuno.

Mas isso só foi possível porque os planetas estavam colocados um à frente do outro e do mesmo lado do Sol. A última vez que isso tinha ocorrido, no começo do século passado, Napoleão Bonaparte se preparava para ocupar a Europa, enquanto nos Estados Unidos os pioneiros começavam a conquista do Oeste. O Brasil, naquela época, ainda estava para receber a visita de dom João VI, que abriria os portos da colônia às nações amigas. É claro que os engenheiros do JPL não deixariam de tirar vantagem da posição dos astros. Assim em 20 de agosto de 1977, partia a Voyager 2 do mesmo Cabo Canaveral que arremessaria nove anos mais tarde a Challenger, para a sua destruição. No dia 5 de setembro de 1977 foi a vez da Voyager 1.

A Voyager 1 não teve um papel tão extenso quanto sua irmã gêmea na abertura de novas fronteiras do Universo. Ela passou perto de Io e Calisto, duas das dezesseis luas de Júpiter, em 1979, ganhando tamanha velocidade que chegou a Saturno antes da Voyager 2, em 1981, muito cedo para ser desviada a Urano. Em compensação, pôde avistar Titã, Réia e Mimas, três dos satélites de Saturno. A Voyager 2 passou por Europa e Ganimedes – satélites de Júpiter -, ganhou impulso até Saturno, onde chegou perto dos seus satélites Tétis e Encélado, e continuou sua trajetória até Urano e agora Netuno.

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Em 1990, as duas Voyager estarão além de Plutão, preparando-se para deixar o sistema solar. Os astrônomos calculam que, daqui a 40 mil anos, a Voyager 1 estará a um ano-luz de outro sol, na constelação de Ursa Maior. Depois disso, é pura especulação. Mas, apesar de todos os seus cálculos precisos, os engenheiros do JPL gostam de especulações. Eles acreditam, por exemplo, que mesmo depois de milhares de anos, as duas sondas podem alcançar outro sistema planetário parecido com o sistema solar – se houver, naturalmente.

Nesse caso, elas poderiam ser capturadas por uma civilização extraterrestre – se houver, naturalmente. As naves estão equipadas para o que der e vier: cada uma leva um pequeno videodisco instalado na parede do seu corpo principal. No envoltório há o desenho de um átomo de hidrogênio, o elemento mais comum do Universo, a posição da Terra em relação ao Sol, além de um desenho em escala da nave. Dentro está o disco propriamente dito, com imagens da Terra, saudações em 54 idiomas e trechos de música, de rock a Beethoven.

Para saber mais:

As surpresas de Netuno

(SUPER número 1, ano 4)

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Cartões-postais planetários

Há vinte anos, o sistema solar não parecia tão belo quanto hoje. Foram as sondas espaciais que enviaram as primeiras imagens (depois coloridas artificialmente no computador) de mundos agora não tão desconhecidos. Júpiter, por exemplo foi observado de perto pela primeira vez em 1973 e1974 pelas Pioneer 10 e 11, mas somente as câmeras de TV das Voyager mostraram detalhes desse gigante – o maior planeta do sistema solar – e de suas luas. As Voyager exploraram cinco dos satélites de Júpiter e descobriram outros dois, aumentando seu número para dezesseis.

As Voyager também mostraram cinco novos satélites em volta de Saturno, além dos doze já conhecidos. Deram uma boa olhada em Titã, o maior satélite de Saturno, e o único do sistema solar com atmosfera. Como essa atmosfera é muito parecida com a mistura de hidrogênio, metano e outros gases, que existia na Terra há 2 bilhões de anos, especulou-se sobre a existência de substâncias que poderiam dar origem á vida em Titã. Essa hipótese, porém, não foi comprovada pelas naves. Em compensação, as Voyager mostraram pela primeira vez os cerca de mil anéis constituídos de fragmentos de rocha congelada e .pedaços de gelo que giram em torno de Saturno. Esse mesmo material acumulado pode ter formado o próprio planeta e seus satélites.

Primeira nave a passar por Urano, a Voyager 2 descobriu dez novos satélites em volta do plane-ta, além dos cinco já conhecidos. A sonda enviou fotos que evidenciam choques de meteoros, alguns de grandes dimensões, contra a superfície do planeta e de suas luas. O material que espirrou dos choques pode ter formado os dez discos em torno de Urano, vistos pela primeira vez pela própria Voyager. A sonda constatou outro fato surpreendente: os pólos magnéticos de Urano não coincidem com seus pólos geográficos. O que levou os cientistas à conclusão de que Urano rola como uma bola ao redor do Sol e não gira como um pião, a exemplo dos outros planetas.

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Quando se encontrar com Netuno, as fotos da Voyager 2 mostrarão as variações da atmosfera desse planeta, já sugeridas pelos telescópios da Terra, além de auroras e outros fenômenos eletromagnéticos. Os astrónomos também suspeitam que Netuno tenha pequenos anéis ao redor, por causa da maneira como a luz é bloqueada. Enfim, em agosto, também poderão ver outros satélites, além dos dois conhecidos de Netuno.

Companheiras de viagem

A primeira tentativa de enviar uma sonda não-tripulada a outros planetas ocorreu em 1961 – oito anos antes de o homem pisar na Lua pela primeira vez. A nave soviética Venera 1 chegou a ter um lançamento bem-sucedido, mas em seguida perdeu o contato com a Terra. O mesmo aconteceu um ano depois com a sua colega Mars. Aliás, o projeto soviético para Marte não teve muito êxito, o que é curioso, pois a série Venera na .década de 70 fotografou a superfície do planeta Vênus, um objetivo bem mais difícil.

Em 1962, a Mariner 2 foi a primeira missão planetária que deu certo. Ela passou por Vênus e mandou informações valiosas sobre o seu clima hostil. Em 1978, a Pioneer 1 mapeou com a ajuda do radar a superfície de Vênus. Marte foi contatado pela primeira vez em 1965 pela Mariner 4, que tirou fotografias das crateras e descobriu a tênue atmosfera de dióxido de carbono. Nos anos seguintes, novas informações marcianas foram fornecidas pelas Mariner 6, 7 e 9. Em 1976, duas Viking pousaram no solo de Marte. Antes disso, em 1973, a Pioneer l0, já havia passado por Júpiter, tirando suas primeiras fotos. Um ano depois, a Pioneer 11 fazia o mesmo com Saturno.

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