Um cometa para mudar a história
O Hale-Bopp começa a revelar segredos que podem reescrever a origem do Sistema Solar e da vida na Terra.
Quando foi descoberto por dois astrônomos amadore americanos, em julho de 1995, o Hale-Bopp parecia só um cometa a mais: uma bola de gelo sujo que sobrou da formação do Sistema Solar, há 4,5 bilhões de anos. Mas não demorou muito e o astro ambulante já empolgava os estudiosos por dois motivos.
Primeiro, por ser o maior bólido já estudado pela ciência. Seu núcleo, com diâmetro estimado em 40 quilômetros, é quatro vezes maior que o do Halley, que passou por aqui pela última vez em 1986. Promete, assim, ser uma fonte privilegiada de conhecimento. “O Hale-Bopp vai nos dar o melhor retrato de um núcleo cometário”, entusiasma-se o astrofísico Harold Weaver, da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos. Atrás dos mistérios desse gigante, Weaver e sua equipe estão de olho pregado no céu há quase dois anos.
O segundo motivo da empolgação é que as informações trazidas pelo Hale-Bopp estarão mais acessíveis graças aos excepcionais instrumentos de observação hoje disponíveis, como o Telescópio Espacial Hubble e outros mirantes orbitais ou de solo.
Os resultados das pesquisas estão só começando a sair (veja o infográfico abaixo). E já criam rebuliço. Indicam que os cometas têm uma estrutura mais complexa do que a Astronomia previa. E que podem alterar a história do Sistema Solar e da vida na Terra.
Semeadura pela poeira enregelada
Se todos os cometas forem semelhantes ao Hale-Bopp, é provável que eles tenham plantado a vida na Terra.
O que mais surpreende os astrônomos é que o Hale-Bopp carrega grande quantidade de substâncias orgânicas. São coisas como metano, acetileno, cianeto de metila, ácido fórmico e etileno. Vários desses compostos são produzidos por organismos vivos. O etileno se forma no amadurecimento das frutas. O ácido fórmico é extraído das formigas. E o metano aparece no estômago dos ruminantes durante o processo de digestão.
“As moléculas que contêm carbono e nitrogênio podem ter se originado nas mesmas condições primitivas em que surgiram os aminoácidos, os tijolos fundamentais da vida”, disse à SUPER o químico Atílio Vanin, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo. O raciocínio dos astrofísicos é o seguinte: se a maioria dos cometas contiver tanta matéria orgânica assim, a vida pode mesmo ter sido plantada na Terra por esses mensageiros cósmicos.
Mas, por enquanto, tudo são hipóteses. Nem a órbita completa do bólido é bem sabida. “A gente estima que ele tenha sido arrancado de seu berço esplêndido, a Nuvem de Oort, pela primeira vez, há 2,5 milhões de anos”, disse à SUPER Júlio Klafke, do Museu de Astronomia e Ciências Afins, no Rio de Janeiro. “E, antes de cruzar os céus há 4 200 anos, deve ter passado por aqui pelo menos outras cinco ou dez vezes” (veja o infográfico abaixo).
Onde, quando e como ver o show
O Hale-Bopp aparece muito baixo no horizonte. O melhor é procurar um lugar escuro e plano.
Os habitantes do hemisfério norte assistiram de camarote à chegada triunfal do cometa, no início do ano. Agora chegou a vez de quem mora no hemisfério sul, onde se encontra a maior parte do Brasil. É que o Hale-Bopp atingiu o ponto mais próximo do Sol, no dia 1º de abril, pelo Norte. Ou seja, quem mora lá em cima estava em posição privilegiada. Mas a despedida do astro será melhor aproveitada aqui do Sul (veja no quadro abaixo os melhores dias de observação para algumas capitais brasileiras.)
No começo do mês, ele aparece muito baixo, menos de um palmo acima do horizonte. À medida que o mês avança, sobe um pouco. Só que ao mesmo tempo se afasta de nós, a uma velocidade média de 135 000 quilômetros por hora. Com isso, seu brilho vai caindo. Procure o Hale-Bopp sobre o horizonte noroeste (à direita do ponto onde o Sol se pôs). Espere cerca de meia hora depois do ocaso, até o céu ficar bem escuro. E escolha as noites em que a Lua não está iluminando aquela parte do céu. “O mais importante é ir para um lugar de horizonte aberto, longe das luzes da cidade”, salienta Amaury de Almeida, do Instituto Astronômico e Geofísico da Universidade de São Paulo. “E torcer para que não haja nuvens.” A SUPER deseja boa sorte pra você!
O que vai por dentro do coração gelado
O núcleo do Hale-Bopp tem um comportamento muito diferente de todos os cometas estudados até hoje.
Divisão interna
Cometas são formados de poeira e gelo, isso todo mundo sabe. A novidade do Hale-Bopp é que a água não fica misturada com o resto, mas, tudo indica, separada dos outros compoentes, em blocos. Essa hipótese vem sendo reforçada pela análise dos gases que escapam do núcleo.
Caroço monstruoso
Está escrito nas enciclopédias e atlas astronômicos: os cometas têm, em média, um núcleo de uns poucos quilômetros de diâmetro. O Halley tinha 8 quilômetros. Aquele outro que caiu na Terra há 65 milhões de anos, extinguindo os dinossauros, não tinha mais que 15. O Hale-Bopp tem 40 quilômetros.
Areia perdida
Os astrônomos identificaram olivina no Hale-Bopp. Espanto. Trata-se do principal minério do manto terrestre, que só se forma sob altíssimas temperaturas. Mas um cometa é um bloco de gelo de 200 graus negativos! Como haveria olivina ali? Hipótese: ela já estaria na nebulosa hipergelada que deu origem ao Sistema Solar, incluindo os planetas e os cometas, e só poderia ter vindo de sistemas solares extintos.
Flagrante da violência
Ainda muito longe do Sol, ele já soltava cem vezes mais poeira e vinte vezes mais gás do que o Halley à mesma distância.
O Telescópio Espacial Hubble bateu a foto ao lado em 26 de setembro de 1995, quando o Hale-Bopp estava ainda a 1 bilhão de quilômetros do Sol. Naquela época, os astrônomos tinham dúvidas ainda se o que viam era mesmo um cometa gigante por causa de sua estranha forma de espiral.
O close da imagem acima mostrou que a espiral nada mais era do que poeira e gases lançados numa violenta explosão do núcleo cometário, jamais vista a essa distância. A região amarelada dentro da espiral parece ser um pedaço da crosta de gelo, arrancado pela explosão
Do passado ao futuro, em espiral
As curvas em torno do Sol são cada vez mais fechadas pois os planetas gigantes atraem o astro
1 – A primeira viagem do Hale-Bopp (órbita rosa, no infográfico ao lado) começou 2,5 milhões de anos atrás. Empurrado por uma estrela que passou perto da Nuvem de Oort, ele foi arrancado de lá e mergulhou em direção ao Sol.
2 – Os cálculos indicam que o cometa passou por aqui pelo menos outras cinco vezes em períodos indeterminados (órbitas vermelhas). A cada vez que cruza com Júpiter, é puxado pelo gigantesco planeta e tem sua rota encolhida.
3 – A última passagem antes desta aconteceu há 4 200 anos (órbita laranja). As perturbações de Júpiter vão encurtar ainda mais o trajeto do Hale-Bopp.
4 – Ele deve aparecer de novo por aqui dentro de 2 380 anos (órbita amarela).
Pontes de partículas
O material arrancado do cometa se arrasta por centenas de milhões de quilômetros.
Rastro eletrizado
O rabo azul é a chamada cauda de plasma. Ela é formada por moléculas que escaparam do núcleo e foram ionizadas pelo vento solar. Quer dizer, as moléculas que a compõem perderam elétrons, que foram varridos pelas partículas atômicas continuamente emitidas pelo Sol. Ela chega a 150 milhões de quilômetros de comprimento, a mesma distância entre a Terra e o Sol.
Poeira iluminada
A cauda amarelada contém poeira que é arrancada do núcleo e empurrada para longe pela radiação solar. Quanto mais perto do Sol mais a cauda brilha. Quando o cometa vem vindo em direção ao Sol, ela aponta para trás. E quando ele vai embora, a carroça passa na frente dos bois, ou seja, a cauda vai na frente.
Cobertura invisível
O núcleo está sempre escondido atrás de uma nuvem de gás e poeira. É a chamada coma, de centenas de milhares de quilômetros de diâmetro. Em volta da coma existe ainda uma redoma invisível, feita de hidrogênio.
O melhor antídoto é o conhecimento
Se você ouvir falar que o Hale-Bopp vem carregado de veneno, acredite. É isso mesmo. Uma das principais substâncias do núcleo é o ácido cianídrico, o mesmo das câmara de gás onde, em alguns lugares, são executados os condenados à morte. A quebra das moléculas pela radiação solar solta no espaço outras substâncias da família do cianogênio, também venenosas. Mas não é preciso alarme. Os cálculos são do professor Atílio Vanin, da Universidade de São Paulo: mesmo se a Terra cruzasse a ponta da cauda do cometa, o que não vai acontecer, o planeta inteiro não poderia receber mais do que um quilo de veneno. “Dividindo esse quilo pela população mundial, 6 bilhões de pessoas, cada terráqueo inalaria no máximo 0,2 milionésimos de grama do gás”, diz Vanin. “Isso é 10 milhões de vezes menos que a dose letal, que é de 2 gramas. Mesmo os mais sensíveis precisariam de pelo menos 200 miligramas para se intoxicar.”
De Touro a Órion, em um mês
Oriente-se e acompanhe o Hale-Bopp entre as estrelas em maio.
Lembre-se que ele surge sobre o horizonte no início da noite, cerca de meia hora depois do ocaso.
Na tabela abaixo, você confere os melhores dias para ver o cometa, em quatro capitais brasileiras.