Um computador sentimental como Mozart
Para vencer um bloqueio criativo, o compositor americano David Cope deixou um software terminar suas músicas. E o resultado agradou. Desde então, Cope tem deixado o computador se expressar. A máquina já produziu até uma ópera chamada de "dramática e cativante" por críticos, que não sabiam que aquele sentimento não era humano. Para Cope, softwares serão os compositores do futuro.
EDUARDO SZKLARZ
Ouça as composições de Emily Howell
Por que você confiou as composições a um software?
Porque o software compõe como nós. Quando conversamos, usamos palavras que absorvemos por aí – combinando-as em frases para criar significados. Com a música acontece o mesmo. Ao compor, as pessoas juntam pedaços de melodias que ouviram e gostaram. O que chamamos de inspiração não passa de uma combinação inconsciente de coisas que já ouvimos. O computador faz a mesma coisa. Eu adiciono músicas à base de dados – a máquina armazena e recombina parte delas.
Mas humanos se expressam ao compor. O computador pode fazer isso?
Hoje não pode. Eu uso um programa que até parece ter autoconsciência e variações de humor, porque ele é capaz de compor melodias de estilos muito diferentes. O programa tem até nome de gente: Emily Howell. É um nome dado por mim e que assina as composições feitas pelo software. É certo que os computadores não podem sentir como nós, mas nada impede que um dia sejam preparados para isso.
Como?
Podemos programar os computadores para que “sintam”, tenham a ilusão de consciência. Sintam uma dor de cabeça, por exemplo, que acabará se refletindo na composição. Acho que isso será possível no futuro.
Como é hoje seu processo de composição na prática?
Ouço as criações do programa e as incorporo nas partituras. O computador é rápido e preciso. Posso fazer tudo o que ele faz, mas levaria algumas vidas para criar o que ele compõe em pouco tempo.
Emily Howell pode compor melhor que Mozart ou Bach?
O que significa “melhor”? É ser mais votado pelas pessoas? Se for assim, donuts são a melhor comida do mundo. Acho que algumas músicas criadas por meus programas são, sim, melhores que peças de Mozart e Beethoven. Possivelmente você acharia isso também se as escutasse sem saber quem compôs. Música “melhor” ou “pior” existe na mente do ouvinte.
A música do futuro será só feita por computadores?
Talvez num futuro distante. Hoje, meu programa produz música que soa como uma criação humana e que é significativa ao menos para algumas pessoas. No futuro, haverá menos preconceito com esse tipo de coisa. Na música popular isso já acontece: muitas das músicas que ouvimos hoje são compostas por softwares, apenas não sabemos disso. E já tem artista ganhando muito dinheiro com elas.
Mas aí a profissão de compositor vai desaparecer?
Quem não me conhece em geral discorda das minhas ideias, mas acho que a atividade dos compositores vai mudar. Com o tempo, eles não hesitarão em usar computadores para compor. Mas claro que os compositores sempre terão o direito de ligar ou desligar a máquina. E de reescrever os programas.