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Alice Morais estuda a epigenética do câncer – e cria novos tratamentos

A #MulherCientista dessa semana investigou mecanismos que não fazem parte do DNA, mas controlam a expressão dos genes – e têm papel importante nos tumores.

Por Maria Clara Rossini
Atualizado em 25 jul 2022, 10h34 - Publicado em 12 mar 2021, 15h51

O DNA é um manual de instruções para a produção de proteínas. E apesar de praticamente todas as células do corpo guardarem uma cópia completa do material genético, os genes não mandam sozinhos em suas próprias atividades. Epigenética é o termo usado para se referir aos mecanismos que modulam a expressão dos genes sem alterar a fita de DNA em si. Esses mecanismos fazem com que a sua célula produza mais ou menos de uma proteína específica – ou então, caso estejam desregulados, fazem a célula produzir a tal proteína na hora errada. 

Não leve a epigenética a mal. Ela foi essencial para o desenvolvimento do organismo quando você ainda era um feto, e continua sendo importante para definir o que cada célula deve fazer (afinal, células de órgãos diferentes precisam manifestar genes diferentes). O problema é que alguns desequilíbrios epigenéticos podem transformar uma célula normal em um tumor.

Um bom exemplo de mecanismo epigenético é a metilação global. No DNA, a presença de um radical chamado metil (imagine-o como uma pequena etiqueta presa na dupla-hélice) indica quando um gene deve ser ativado ou desativado. As proteínas que estão ao redor do DNA se encarregam de colocar ou tirar o radical, definindo quais genes estão autorizados a se expressar. Por isso, essa regulação é muito influenciada pelo microambiente no interior da célula. Sabemos que o DNA de tumores, por exemplo, é menos metilado em comparação com o de células saudáveis, o que causa uma instabilidade global na expressão de genes.

A biomédica Alice Morais estuda epigenética e oncologia desde o mestrado, realizado na Unifesp. Durante as pesquisas, ela utilizou um modelo, desenvolvido pela orientadora Miriam Galvonas, que transforma melanócitos normais de camundongos (células da pele) em melanomas. Assim, foi possível analisar todas as fases pelas quais a célula saudável passa até virar um câncer.

O primeiro passo é submeter as células normais a algum tipo de estresse – ou seja, uma condição que não é ideal para o funcionamento delas. Os melanócitos são células que precisam de contato para poder crescer, seja com a camada basal da pele ou com a plaquinha de cultura do laboratório (essas superfícies são chamadas de “aderentes”). São diferentes das células do sangue, que vivem soltinhas. O estresse provocado por Alice foi simplesmente forçar os melanócitos a crescerem em suspensão, sem nenhum substrato onde pudessem colar, para ver o que aconteceria. É como obrigar um bicho-preguiça a sobreviver sem uma árvore.

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Grande parte dessas células morriam, como é de se esperar, mas outras persistiam e passavam por alterações epigenéticas para se adaptar à situação. Após serem submetidas ao estresse várias vezes, as células eram introduzidas em camundongos. Bingo: elas começaram a se comportar como tumores, crescendo de maneira agressiva.

Em cada etapa desse processo, Alice observou quais genes sofriam alterações epigenéticas. Ao final do mestrado, ela se interessou por quatro deles, que foram seu foco no doutorado. Um deles está relacionado à pluripotência, que é a capacidade da célula de se transformar em qualquer tecido. “É como se a célula estivesse retornando ao estágio embrionário para se reprogramar e se adaptar àquela nova condição”, diz a biomédica.

O método empregado por Alice não é a única maneira de desencadear um desequilíbrio na expressão dos genes. A exposição a raios UV, uma conhecida causadora de câncer de pele, também gera um estresse oxidativo na célula. Já componentes da própria dieta, como a falta de certas vitaminas e minerais ou um alto consumo de gordura, podem atrapalhar vias metabólicas envolvidas na manutenção do padrão epigenético, gerando instabilidade na expressão dos genes.

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Depois de ter estudado algumas causas do câncer, hoje Alice trabalha desenvolvendo tratamentos para a doença. Ela faz parte da equipe de Pesquisa e Desenvolvimento da ReceptaBio, uma empresa especializada em desenvolver fármacos oncológicos. Seu principal foco são os imunoterápicos, como os anticorpos monoclonais: moléculas que auxiliam o sistema imune a identificar e combater as células cancerígenas.

Um dos grandes trunfos do tumor é enganar as células de defesa. Ele sinaliza aos linfócitos T que não há nada de errado ali, e logo o corpo para de destruir as células do câncer. Os anticorpos monoclonais podem ser desenvolvidos para se ligar aos linfócitos e avisar que a defesa do corpo não pode parar. 

Um dos projetos em que Alice colabora é justamente no desenvolvimento de um anticorpo que atua nesse mecanismo. O tratamento está sendo estudado em câncer de colo de útero, mas outros tipos tumorais já estão sendo avaliados em parceria com uma empresa americana. Alice também participa de reuniões com a Anvisa para viabilizar a aprovação dos estudos clínicos deste tratamento no Brasil. No momento, estão terminando os testes clínicos de fase 2.

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