107 estudos sobre câncer saem do ar após fraude na revisão
Isso não invalida os resultados – só significa que eles não podem ser confirmados, entenda
Mais de 100 pesquisas científicas sobre causas e tratamento de câncer publicadas no periódico científico Tumor Biology entre 2012 e 2016 foram tiradas do ar depois que uma investigação revelou fraudes no processo de revisão. A lista completa está disponível aqui. A maior parte dos artigos é assinada por pesquisadores chineses.
O método padrão de controle de qualidade na ciência é a revisão por pares, em que outros pesquisadores da mesma área de estudo do artigo que está prestes a ser publicado – mas sem participação nele – passam um pente fino na metodologia e nos resultados para separar o joio do trigo e garantir que só informações reais e verificáveis passarão pela peneira.
Oficialmente, o periódico fez apenas uma breve retratação. “A editora retira esses artigos de acordo com as recomendações do Comitê de Ética de Publicação. Depois de investigações detalhadas nós temos fortes motivos para acreditar que o processo de revisão por pares foi comprometido.”
“Os artigos foram enviados para nós com sugestões de revisores, que tinham nomes reais mas endereços de e-mail falsos”, afirmou ao Sixth Tone Peter Butler, diretor da área de biologia celular e bioquímica da Springer, a editora responsável pela revista.”Os editores pensaram que eles eram revisores genuínos e da área de pesquisa correta. Após a investigação, ficou confirmado que essas pessoas na verdade não haviam feito as revisões.”
Segundo Butler, é comum que pesquisadores chineses usem seus endereços de e-mail particulares para contato com as editoras, e não os profissionais, que são hospedados nos servidores das instituições de ensino e pesquisa. Isso torna o processo de verificação muito mais difícil.
Um dos pesquisadores que foram interrogados, Liu Wei, de um hospital em Shijiazhuang, no norte da China, afirmou não saber na fraude – e atribuiu o erro a uma empresa sem relações com sua instituição, que edita artigos sob encomenda para adequá-los aos padrões de periódicos científicos e permitir sua publicação.
“A revista rejeitou meu artigo, inicialmente. Então eu o enviei para ser editado em uma empresa especializada que meus colegas de sala me recomendaram”, contou ele. O pesquisador, inclusive, ficou feliz com o atraso: quando o artigo, já retocado, foi aceito, o fator de impacto da revista (avaliação que mede a relevância e reputação do conteúdo que sai em cada periódico científico) havia aumentado. Segundo a editora, realmente não há provas de que os autores soubessem dos métodos empregados por esses prestadores de serviços.
Vale lembrar que a falta de revisão não necessariamente invalida o conteúdo publicado – os artigos provavelmente tem descobertas relevantes para a medicina, só não é possível comprová-las. “Se os autores não sabiam o que as empresas de edição faziam, então eles merecem uma segunda chance”, afirmou ao Ars Technica Elizabeth Wagner, editora de uma publicação especializada em estudos sobre a validação de pesquisas científicas. “Provavelmente não há nada de errado com essas experiências, elas só não foram revisadas.”