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Como Black Mirror explica o conceito de dilatação do tempo

Tempo elástico — na física e na sua cabeça

Por Carlos Orsi
Atualizado em 20 jun 2023, 15h38 - Publicado em 24 abr 2018, 12h37

Texto publicado originalmente em 2018

Num dos melhores momentos do episódio White Christmas, especial de Natal de Black Mirror, Matt manipula o tempo para treinar a “Greta cookie” — uma cópia digital da consciência da verdadeira Greta, mulher que contratou o serviço, e que serve como uma espécie de assistente pessoal. Para convencer aquela inteligência artificial a lhe obedecer, Matt a coloca na solitária por seis meses — tempo que, para ele, corre em poucos segundos. É o suficiente para que o cookie fique atordoado e aceite qualquer trabalho que lhe seja proposto.

Isso não é fantasia. A dilatação do tempo é uma velha conhecida da física e já pôde ser medida no mundo real, ainda que numa magnitude bem diferente daquela registrada em Black Mirror.

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(Netflix/Reprodução)

Quando o astronauta americano Scott Kelly retornou à Terra, em março de 2016, depois de passar 340 dias no espaço, ele havia se tornado mais jovem do que seu irmão gêmeo idêntico que tinha permanecido na superfície do planeta, o também astronauta Mark Kelly. A diferença de idades era, para todos os efeitos práticos, imperceptível: 0,01 segundo.

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Assim como todos os seres humanos que visitam a Estação Espacial Internacional, Scott sofreu o efeito de dilatação do tempo, conforme previsto pela Teoria da Relatividade, de Albert Einstein, no começo do século 20 (veja o box abaixo). Esse efeito é causado pela altíssima velocidade que as naves espaciais atingem: quanto mais rápido se viaja, mais devagar o tempo passa para você.

O recorde mundial de dilatação do tempo, no entanto, ficou com um soviético: o cosmonauta Sergei Krikalyov, que, depois de passar 803 dias em órbita, acumulou um rejuvenescimento de 0,02 segundo. Mas não é preciso ir ao espaço para medir o fenômeno. Bastam aviões comerciais.

Em 1971, cientistas puseram relógios atômicos a bordo de dois voos ao redor do mundo, um viajando para o Leste, na direção da rotação da Terra; outro, para o Oeste, contra a rotação. Um terceiro relógio permaneceu no solo. O avião que viajou para o Leste tinha a maior velocidade total em relação ao centro da Terra — pois soma-se à sua velocidade a rotação do planeta. E não deu outra: o relógio a bordo dele estava 60 nanossegundos atrasado em relação ao que tinha ficado no chão.

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(Indio San/Superinteressante)

O tempo de cada um

Em White Christmas, a dilatação do tempo afeta os “cookies”, que são softwares, códigos. Não são de carne e osso. Em seres humanos, no entanto, a questão da percepção subjetiva do tempo — a sensação de que o tempo “voa” quando nos divertimos ou “se arrasta” na sala de espera de um consultório médico — é bem mais complicada do que isso.

Em seu livro Felt Time (“tempo sentido”, em tradução literal), de 2016, o psicólogo alemão Marc Wittmann aponta algo interessante sobre o assunto central do episódio: “A questão de se o cérebro tem um ritmo que estrutura a percepção e as operações motoras ainda não foi respondida”. Traduzindo: a ciência ainda não sabe se há um relógio central no cérebro que possa ser acelerado ou atrasado.

Há experimentos que mostram que a resolução temporal humana — o intervalo mínimo de tempo necessário para que uma pessoa perceba que uma coisa aconteceu antes de outra — é da ordem de dezenas de milissegundos. Mais: para a maioria das pessoas, o “agora” corresponde a um intervalo de 3 segundos: o que veio antes está no passado, e o que acontece depois é o futuro imediato. Intervalos de tempo de até 3 segundos também são os que melhor conseguimos estimar: durações superiores a isso tendem a ser avaliadas como mais longas ou curtas do que o tempo efetivamente transcorrido, dependendo da personalidade, do grau de atenção e do estado emocional de cada um. Pessoas ansiosas, hiperativas ou impulsivas, por exemplo, tendem a viver num mundo de “tempo dilatado”: para elas, os minutos parecem durar mais do que para a média da população.

Nosso nível de memória e atenção também afeta a percepção, criando o que os psicólogos chamam de paradoxo do tempo. “Enquanto esperamos pelo médico — quando a atenção está focada no tempo —, meia hora pode passar de forma intoleravelmente lenta. Ao nos lembrarmos da espera, porém, é quase impossível recordar alguma coisa, porque nada aconteceu. Já em meia hora de conversa com uma pessoa interessante, mal notamos o tempo passar: mas, depois, nos lembramos de tantos momentos estimulantes que parece que o evento durou muito mais tempo”, descreve Wittmann.

Atividades de rotina, que executamos de modo quase automático, podem fazer o tempo passar voando. Mudanças e novidades, por sua vez, reduzem essa percepção subjetiva. Esse é um dos motivos que levam muitos adultos a reclamar de que os anos estão passando cada vez mais depressa, à medida que suas vidas entram na rotina de casa e trabalho. Já crianças e adolescentes, para quem tudo é novidade e as descobertas são muitas, experimentam uma maior duração do tempo subjetivo.

A teoria da relatividade e a dilatação do tempo

Ou “por que nosso pé envelhece mais devagar que nossa cabeça”

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(Indio San/Superinteressante)

Pense numa cena de perseguição de filme policial em que o herói põe sua arma para fora do carro em movimento e atira no veículo dos criminosos que vai à frente: a velocidade da bala, medida por um observador na calçada, será a produzida pelo disparo da arma (que geralmente fica perto da velocidade do som, ou 1.000 km/h), somada à do carro, de, digamos, 120 km/h: a velocidade total será, assim, de 1.120 km/h.

A regra vale para todos os objetos do dia a dia; com a luz, porém, isso não acontece: não importa como se tente medi-la, a velocidade de um raio de luz no vácuo, de 300.000 km/s, jamais será maior ou menor do que isso, nem mesmo se for emitido por uma nave da patrulha espacial voando a 120 km/s.

Para que a velocidade da luz possa ser absoluta, tempo e espaço precisam ser relativos. Em 1905, Albert Einstein mostrou que, quanto mais depressa um corpo se move, mais devagar o tempo passa para ele (dilatação temporal) e mais sua dimensão no espaço se reduz (fenômeno chamado de contração espacial). Essa é a Teoria da Relatividade Restrita.

Mas a velocidade não é o único fator a influenciar a dilatação do tempo. Segundo a Teoria da Relatividade Geral, proposta por Einstein em 1915, a gravidade pode fazer o mesmo: quanto mais próximo do centro de uma fonte de atração gravitacional, mais devagar o tempo passa.

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A relação entre tempo e gravidade tem diversas consequências: cálculos publicados em 2016, na revista European Journal of Physics, mostram que o centro da Terra é dois anos mais jovem que a crosta. Nossos pés envelhecem mais devagar que nossas cabeças. Pessoas que moram no alto de montanhas envelhecem mais depressa do que aquelas que vivem no litoral.

O efeito prático é minúsculo. Em 2010, cientistas publicaram na revista Science a medição, feita com relógios atômicos, da diferença de passagem no tempo causada por uma diferença de altitude de 1 m. Resultado: o relógio no ponto mais alto é 0,000000000000016% mais rápido que os demais.

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