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O eterno viajante

As rochas que formam o solo brasileiro já mudaram muito de lugar até chegar aonde estão.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h53 - Publicado em 31 mar 1999, 22h00

Débora Lerrer

Você já ouviu falar de um município chamado Presidente Juscelino, no sertão do Rio Grande do Norte? Pois lá repousa o pedaço mais antigo de toda a América do Sul. É uma pedreira que se formou há 3,4 bilhões de anos, quando os primeiros fragmentos da crosta terrestre começaram a se solidificar. Foi o ponto de partida de uma longa viagem.

O Brasil que fala português pode ter só 500 anos, mas o terreno onde o país se instalou é, do ponto de vista geológico, um ancião. “O território brasileiro participou, desde o início, de todas as transformações da história da Terra”, conta o geólogo Benjamin Bley, do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo. O mapa-múndi, explica ele, é como um quebra-cabeça em permanente movimento. Os continentes se formam e se desmancham, mudando de lugar o tempo todo. O que impulsiona tudo isso é a dança eterna dos imensos blocos de rocha – as placas tectônicas – que flutuam sobre a massa incandescente das profundezas do planeta.

Por isso é que o Brasil se encaixa direitinho no litoral africano. Quando surgiram os dinossauros, a América do Sul e a África estavam unidas num único continente, chamado Gonduana. O surgimento do Oceano Atlântico provocou a separação entre elas, há 105 milhões de anos – um divórcio irreconciliável, pois a América do Sul está se deslocando cada vez mais para noroeste. A cada ano, ela se afasta de 2 a 3 centímetros da África. Acabará por se juntar à Ásia, numa viagem que ainda levará entre 20 e 50 milhões de anos. O nome do futuro continente será uma engraçada mistura entre as palavras América e Ásia: Amásia.

Encontros e despedidas

O Brasil na migração dos continentes.
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O Brasil esteve em quatro continentes antes de chegar à América do Sul: Atlântica, Rodínia, Panótia e Gonduana. Com base no estudo das rochas e dos fósseis de animais e plantas extintos, os geólogos tentam rastrear as mudanças ocorridas ao longo dos 4 bilhões de anos da história do planeta. As reconstituições abaixo foram feitas a partir de informações do geólogo Benjamin Bley, da Universidade de São Paulo.

Água para todo lado

Os primeiros pedacinhos de terra seca começaram a se formar há 3,5 bilhões de anos, como resultado do acúmulo da lava que jorrava de vulcões submarinos. Eram minúsculas ilhas num oceano fumegante e com cheiro de ovo podre – por causa do enxofre expelido. Foi nessa época que surgiram os primeiros seres vivos, micróbios de uma célula só. Por volta de 2 bilhões de anos atrás, existiam três minicontinentes: Ártica, Atlântica e Ur. Já havia migalhas do atual território brasileiro na Atlântica. Entre elas, a região rica em minérios do Quadrilátero Ferrífero (foto), em Minas Gerais.

Tudo uma terra só

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A agitação da crosta terrestre fez picadinho dos três continentes pioneiros. Há 1 bilhão de anos, porém, os principais blocos de terra se uniram para formar Rodínia, o primeiro supercontinente, rodeado por um grande oceano, Miróvia. Rodínia é um derivado de uma palavra que significa “mãe-pátria”, em russo, e Miróvia vem de “mir” – “paz”, na mesma língua. O atual território brasileiro estava distribuído em três minicontinentes: Amazônia, Rio da Prata e São Francisco. A Chapada Diamantina (foto), na Bahia, formou-se nessa época. Rodínia se fragmentou há 900 milhões de anos.

O racha de Gonduana

A América do Sul começou a se afastar da África há 180 milhões de anos. A Austrália e a Antártida também se descolaram de Gonduana, e a Índia iniciou sua longa viagem em direção à Ásia. O impacto da chegada pode ser medido pelo tamanho da cordilheira que surgiu do choque entre os dois blocos de terra – o Himalaia. Outra cordilheira, a dos Andes, começou a se formar, na beirada oeste da América do Sul. O último trecho do território brasileiro a se desgrudar da África, há 105 milhões de anos, fica entre Touros, no Rio Grande do Norte, e Maragogi, em Alagoas. A Ponta do Seixas (foto), na Paraíba, o lugar mais oriental do Brasil, é testemunha dessa dramática despedida.

Trânsito livre para os dinos

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Há 500 milhões de anos, Panótia se fragmentou, mas Gonduana se manteve coeso, ao sul do Equador. Ao norte, formou-se Laurásia. Por volta de 340 milhões de anos atrás, todas as terras começaram a se juntar, formando Pangéia há 230 milhões de anos. Havia um único oceano, Pantalassa. Em grego, Pangéia quer dizer “todas as terras”, e Pantalassa, “todos os mares”. Os primeiros dinossauros passeavam pelo planeta inteiro, sem obstáculos no caminho. Pangéia durou pouco – e logo se desagregou. Gonduana foi para um lado, Laurásia (Europa e América do Norte) para o outro. O rebuliço provocou intensa atividade vulcânica. Um cartão-postal que ilustra esse período são as belas falésias de Torres (foto), no litoral gaúcho, um produto da lava derramada por vulcões.

Assembléia no sul

As terras emersas voltaram a se reunir há 550 milhões de anos. O Brasil foi parar em Gonduana, um enorme continente que incluía também a África, a Antártida, a Austrália e a Índia. O nome Gonduana vem de uma região da Índia. O mapa se completava com os continentes de Sibéria (a mesma região atual), Laurência (a América do Norte) e Báltica (Leste Europeu e Escandinávia). Juntas, todas essas terras formaram o efêmero supercontinente de Panótia – “tudo no sul”, em grego. O solo brasileiro se consolidou nessa época. Entre as rochas que se formaram estava um bloco de granito no qual a erosão esculpiria o Pão de Açúcar (foto), no Rio de Janeiro.

Os vulcões antes da aposentadoria

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Na ilha de Trindade, a 1 000 quilômetros do litoral capixaba, está o único vulcão do Brasil, o Paredão. Ele está adormecido há séculos. O resto do país está a salvo das erupções de lava e cinza que assolam boa parte do planeta. Os nossos esguichos de fogo se aposentaram há pelo menos 10 milhões de anos, quando o homem nem sonhava em existir. Mas o atual território brasileiro já esteve repleto de vulcões. Todos muito ativos.

A última fase de vulcanismo intenso no país está ligada à turbulência geológica que marcou a se-paração entre a África e a América do Sul, há 105 milhões de anos. Boa parte do território ficou coberta de lava naquele período. Mas os vulcões eram, na maioria, diferentes da imagem clássica das montanhas em forma de cone, cuspindo fogo pela cratera. As erupções no Brasil aconteciam na forma de enormes rachaduras no chão, por onde escorria a lava que subia das profundezas.

Mas também existiram muitos modelos do tipo tradicional. O vulcanólogo Vitor Klein, do Museu Nacional do Rio de Janeiro, encontrou vestígios de um deles em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Em Poços de Caldas, Minas Gerais, uma das cidades turísticas preferidas pelos casais em lua-de-mel, há um vulcão de pijamas. Até em bairros do Rio de Janeiro existem antigos sítios vulcânicos, como no Morro de São Clemente, em Botafogo, e na Ladeira dos Tabajaras, em Copacabana.

O sertão já virou mar

Se o sertão vai ser inundado, como na profecia de Antônio Conselheiro, ninguém sabe. Mas a caatinga do Nordeste brasileiro já esteve várias vezes submersa em água salgada. Não por acaso, um dos oceanos que surgiram quando se desmanchou o supercontinente de Rodínia, há 1 bilhão de anos, foi batizado de Perifranciscano. É que os sinais de sua existência foram achados na região do Rio São Francisco. Mais tarde, depois que o Brasil se separou da África, o Oceano Atlântico voltou várias vezes a entrar e sair das terras nordestinas. As evidências dessas ingressões marinhas são os fósseis de peixe vendidos nas feiras da região.

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Quando o Amazonas corria na contramão

O rio desaguava ao lado dos Andes.

Um viajante do tempo que desembarcasse no Brasil de 80 milhões de anos atrás não conseguiria, como hoje, navegar do Peru até o Oceano Atlântico pelo Rio Amazonas. No ano passado, cientistas comprovaram que o rio não era um único curso de água, e sim dois, completamente separados. Eles corriam em sentidos opostos – um para leste e o outro para oeste, com um longo trecho de terra seca entre as duas nascentes. O Amazonas, tal como se conhece hoje, só começou a fluir em direção ao Atlântico muito tempo depois, há 8 milhões de anos – resultado de uma inversão radical no regime dos rios no norte do continente.

Para chegar a essa conclusão, uma equipe liderada pelo biólogo John Lundberg, da Universidade do Arizona, nos Estados Unidos, analisou todas as informações disponíveis sobre os fósseis de peixes de água doce na América do Sul. “O passado dos rios pode ser resgatado pela história dos organismos que vivem neles”, explicou à SUPER a bióloga Maria Cláudia Malabarba, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, que integrou a equipe de Lundberg. Os pesquisadores constataram que espécies semelhantes de peixes nas bacias do Rio Orenoco (na Venezuela) e do Amazonas (no Peru e no Brasil) eram mais antigas que as montanhas que hoje fazem barreira entre elas – uma prova de que os rios estavam integrados. Ligando as pontas, os cientistas comprovaram uma hipótese do início do século: a de que um precursor do Amazonas – chamado de Sanozama, Amazonas ao contrário – corria para oeste. Mas ele não desembocava no Pacífico, como se imaginava, e sim em uma enorme lagoa de água salgada, delimitada pela Cordilheira dos Andes.

60 milhões de anos

Um pra lá, outro pra cá

O atual Amazonas eram dois. Na região de Manaus, bem mais alta que hoje, nascia o Sanozama, que desembocava em um mar gigantesco, delimitado pela recém-levantada Cordilheira dos Andes. A leste corria o Amazonas Oriental, que seguia para o Atlântico.

43 milhões de anos

Caribe, aí vamos nós

O mar regride e dá lugar a um imenso lago chamado Pozo, onde desembocam o Sanozama e o Rio Orenoco. Esse enorme sistema vai lançar suas águas no Caribe venezuelano, no lugar onde hoje fica o Lago Maracaibo.

11 milhões de anos

Macarena na dança

Os Andes já estão inteiramente formados. A América Central está quase encostada na América do Sul. A elevação dos Andes Orientais, na Colômbia, e da Cordilheira de Mérida, na Venezuela, fecha o portal caribenho do Sanozama-Orenoco. Ao mesmo tempo, o Maciço de Macarena começa a encostar no Arco do Uaupês, separando o Sanozama do Orenoco

8 milhões de anos

O encontro das águas

Sem ter mais para onde correr, o Sanozama muda mais uma vez de curso. Ele agora flui para leste, na direção do Amazonas Oriental. Os sedimentos que descem dos Andes aumentam o nível do terreno. Assim, a elevação que havia na região de Manaus desaparece, permitindo a união dos dois rios para formar o Amazonas atual.

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