Jipinho chinês encontra amostras do manto da Lua em seu lado oculto
O robozinho Yutu-2, da missão Chang'e-4, detectou minerais inéditos. Os cientistas acreditem que eles provêm de camadas mais profundas do satélite.
No início do ano, a China fez história na exploração espacial: pousou a primeira sonda não tripulada no “lado escuro da Lua”. Já explicamos aqui na SUPER que o suposto “lado escuro” não tem nada de trevoso, e recebe luz solar exatamente na mesma proporção que o “lado claro”. A única questão é que ele não pode ser visto por quem observa o satélite aqui da Terra. Por nunca ter sido explorado, as descobertas feitas por lá prometiam ser reveladoras.
Calhou que a promessa se cumpriu. A China afirma que seu rover (isto é, um jipinho) analisou amostras provenientes do manto lunar – isto é, a camada de rocha que fica abaixo da superfície, até então intocada. É bom deixar claro que a sonda não coletou nenhuma rocha: ela baseou a análise na poeira que já estava no chão.
Para entender melhor o achado, vamos recapitular: o rover chinês Yutu-2, parceiro da sonda Chang’e-4, aterrissou em janeiro na cratera de Von Kármán, no meio da colossal bacia do Polo Sul-Aitken. Essa é uma antiga cratera de 2,5 mil quilômetros de diâmetro, que está entre as maiores estruturas originadas por impacto do Sistema Solar.
Por causa da origem turbulenta, os cientistas apostavam que a cratera era uma boa aposta para encontrar material proveniente do subsolo lunar. Essa é uma das razões pelas quais a Agência Espacial Chinesa fez de tudo para pousar lá.
O Yutu-2, dentro da cratera, detectou dois minerais que não são tipicamente encontrados na crosta (isto é, na superfície) lunar. De acordo com o espectrômetro, havia piroxena (com baixo teor de cálcio) e olivina — uma combinação mineral que bate com as simulações de computador que preveem como seria o manto da Lua.
Os pesquisadores suspeitam que, quando a cratera se formou, a pancada espalhou o material do manto por toda a superfície lunar. Chunlai Li, um dos autores do estudo, afirma que a amostra do manto não registrará apenas a evolução magmática e térmica da Lua, mas também nos dirá algo sobre a história da própria Terra. A análise completa foi publicada em um artigo da revista Nature.
Alguns pesquisadores, no entanto, expressaram incerteza sobre o quão conclusiva é a alegação do estudo. Bin Liu, um co-autor do estudo, diz que a missão precisará coletar muito mais dados para ajudar a validar essas primeiras interpretações.
Passado Lunar
Polêmicas a parte, esses dados já mudam a forma como a Lua é estudada. Até agora, quase tudo que sabemos sobre a Lua se deve às amostras trazidas pelas missões Apollo, que pousaram no seu lado “claro”.
Estas amostras são importantíssimas, mas contam apenas uma pequena parte da história. O manto da lua, uma camada sólida sob a crosta que possivelmente já foi mais quente, continua sendo muito mais misterioso, e os cientistas anseiam por amostras dele há décadas.
Na verdade, levaram-se séculos para que os cientistas concordassem com uma história para a origem da Lua. Antes do gigantesco modelo de impacto ganhar força (o modelo que a maioria dos cientistas acreditam hoje) há quase quatro décadas, três outros estavam em disputa.
Um dizia que a lua se “condensou” da mesma nuvem de poeira que “criou” a Terra. Mas esse modelo “binário” não conseguia explicar por que a Lua, além de não ser uma gêmea menor da Terra, é muito menos densa do que o nosso planeta, sem núcleo de ferro.
O segundo modelo dizia que a jovem Terra, que ainda possuía diversos metais líquidos à mostra, girava tão rapidamente que se dividiu, lançando uma enorme bolha de magma no espaço. Mas a rotação da Terra hoje e a órbita da Lua não se encaixam no padrão previsto por esse modelo.
Na terceira hipótese, a gravidade da Terra teria “capturado” a Lua enquanto vagava em alguma parte distante do Sistema Solar. Esse cenário de “captura” era bem aceito até que os astronautas da Apollo trouxeram rochas lunares. Os minerais neles se revelaram semelhantes aos do manto da Terra – e não algo novo, exótico.
Finalmente, o modelo de impacto evitou todos esses problemas. Ele surgiu na década de 1970, e se ajustava a uma visão emergente de como o Sistema Solar como um todo havia se formado. Nessa visão, protoplanetas gasosos e rochosos cresceram dentro de um disco ao redor do jovem Sol, competindo pelo espaço, por dezenas de milhões de anos. Colisões eram inevitáveis. Um projeto de planeta bateu na Terra, arrancou um pedaço e formou a Lua.
Essa teoria condiz com as suspeitas dos cientistas de que a Lua, durante seus primeiros dias, estava coberta por um oceano de magma. À medida que ele esfriou e se solidificou progressivamente, minerais mais densos permaneceram nas profundezas do oceano, enquanto minerais menos densos flutuaram para a superfície. Isso significa que as composições químicas do manto e da crosta deveriam ser diferentes.
Talvez, graças ao Yutu-2, nós possamos confirmar essa previsão.