Maurício Horta
SAÚDE – 1992/julho/ed. 58
“Quase todo dia algum colega me liga achando que pegou aids”, dizia à SUPER em 1988 a médica Lair Guerra de Macedo, idealizadora do Programa Nacional de DST e Aids. Naquele ano, a síndrome havia matado 40 mil pessoas. Índia e URSS exigiam o exame de HIV para entrar em seu território. Bélgica e a Inglaterra também fizeram isso com todos os estudantes vindos de suas ex-colônias africanas. E o único antirretroviral era o AZT – que custava custava US$ 20 mil por ano.
No Brasil, a fiscalização mal chegava a 50% das coletas de sangue. E a falta de estrutura não ajudava. O consultório que atendia soropositivos no Instituto de Infectologia Emílio Ribas funcionava num banheiro, e as coletas de sangue eram feitas no corredor, embaixo da escada. Para complicar, havia até cientistas defendendo a inocência do HIV – como o biólogo alemão Peter Duesberg, para quem a aids era causada pelo consumo de drogas no Ocidente e desnutrição ou falta de higiene na África.
Essa história teve um ponto de virada: 1996. Nesse ano, foram concluídos os primeiros testes de uma nova família de drogas: o inibidor da protease. Um exemplo de como a expectativa de vida aumentou é o ex-jogador de basquete Magic Johnson, que anunciou em 1991 ser soropositivo. Desde então abraçou o ativismo no combate ao vírus e se tornou um megaempresário. Com a combinação de diferentes antirretrovirais, a medicina transformou o HIV de sentença de morte em liberdade condicional.
O impacto do tratamento não teria sido tão grande se não fosse uma luta de países em desenvolvimento encabeçada pelo Brasil pela quebra de patentes. De US$ 10 mil em 2000, o coquetel caiu para a partir de US$ 130 por ano em países pobres, onde a maioria das drogas anti-HIV pode ser vendida em versões genéricas. E no Brasil o tratamento é coberto integralmente pelo SUS.
Campanhas de prevenção também diminuíram o número de novas infecções – hoje 21% menor do que no pico da epidemia em 1997, segundo o programa da ONU para a aids. E vacinas? As testadas até agora ou não funcionam ou protegem muito pouco. Mas o uso de antirretrovirais já foi aprovado nos EUA como método preventivo em casos excepcionais – como o de pessoas em relacionamento estável com um soropositiva. Isso diminui em 70% o risco de infecção.
E o câncer? Em 1989, Ricardo Brentani, diretor do Instituto Ludwig de Pesquisas sobre o Câncer, disse à SUPER que “o freio da doença” fora descoberto. Uma solução seria injetar no paciente genes supressores do crescimento alojados em vírus modificados geneticamente. Em 2003, o Instituto Nacional do Câncer dos EUA deu 2015 como data-limite para domá-lo ou abatê-lo de vez. Afinal, nunca houve tanto conhecimento, tecnologia e recursos para seu combate. Mas a previsão hoje parece otimista demais.
Ainda assim o futuro é promissor para a saúde. E a razão está longe do hospital. Com equipamentos pessoais para diagnóstico e aplicativos de celular, diagnósticos serão mais precoces, e o acompanhamento de doenças crônicas, mais constante. Não estamos longe disso. Um estudo britânico de 2011 avaliou o impacto de tecnologias de saúde à distância em 6 mil portadores de doenças crônicas. Resultado: as idas ao hospital caíram em 20%, e as mortes, em 45%. Não é que o médico será substituído. Mas ele terá dados de melhor qualidade e entrará em cena quando sua presença for necessária – uma grande vantagem para países como a Índia e o Brasil, que têm respectivamente 6 e 17 médicos para cada 10 mil pessoas, contra 40 na Noruega.
Como seria – Chegaríamos a drogas que matam 98,9% dos vírus. Só faltava saber o que fazer com o 1,1% restante.
Como é – Antirretrovirais se popularizaram. E seu uso preventivo em casos excepcionais já foi aprovado nos EUA.
Como será – Mesmo sem cura nem vacina, a aids como causa de morte cairá do 6º para o 10º lugar em 2030.
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