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Onde há pum, há vida

Robô da Nasa descobre metano, um gás associado a seres vivos, na superfície de Marte. Será que estamos chegando perto de descobrir vida no planeta vermelho?

Por Salvador Nogueira
Atualizado em 31 out 2016, 19h07 - Publicado em 2 jun 2015, 19h30

Todo dia, você produz o equivalente a 50 ml de metano – simplesmente soltando pum. Mas esse gás tão corriqueiro, que também alimenta o fogão da sua cozinha, está por trás de um dos maiores mistérios do Universo: a existência de vida fora da Terra. Mais precisamente em Marte, onde uma descoberta recente está dando o que falar. No finzinho do ano passado, um robô enviado pela Nasa descobriu uma quantidade significativa de metano na superfície do planeta vermelho – com o perdão da expressão, é o mais perto que uma de nossas sondas robóticas já chegou de cheirar um peido extraterrestre.

E onde há pum, há vida. Na Terra, quase todo o metano – que, aliás, não tem cheiro – é formado pela decomposição de matéria orgânica (como os alimentos que você come, que são decompostos por bactérias que vivem no seu sistema digestivo). A presença desse gás em Marte pode significar que existe, ou algum dia existiu, alguma coisa viva por lá. Daí a empolgação com a descoberta feita pelo jipe-robô Curiosity, que desde 2012 está perambulando pelo interior da cratera Gale, no planeta vermelho.

O robô encontrou metano numa concentração bem baixa: 7,2 partes por bilhão (ppb). Ou seja, a cada bilhão de moléculas da atmosfera de Marte, que é quase toda formada por CO2, apenas sete são metano. É bem pouco. Mas a descoberta é, sim, surpreendente, porque as tentativas anteriores de encontrar metano haviam fracassado. O robô tinha captado mísera 0,69 parte por bilhão, dentro da margem de erro dos sensores. Só que aí, de uma hora para outra, tudo mudou. O nível de metano disparou, subiu mais de dez vezes. Ficou assim por cerca de 60 dias marcianos (que duram 24 horas e 37 minutos cada um), depois voltou ao nada anterior. “Isso quer dizer que deve haver uma fonte ativa na superfície, gerando ou liberando o gás”, afirma Douglas Galante, astrobiólogo do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, em Campinas. E aí a história começa a ficar mais misteriosa – e mais intrigante.

QUEM SOLTOU O GÁS?

Mas que fonte é essa? Quem está soltando o metano? Uma hipótese é que sejam micróbios metanogênicos marcianos. Ou seja, formas de vida extraterrestre. É bem possível. Na Terra, existem micróbios assim, que precisam de muito pouco para viver. Eles dispensam oxigênio (coisa que Marte praticamente não tem), se alimentam de CO2 (que o planeta vermelho tem de sobra) e produzem metano. São chamados de arqueias, e vivem onde há bastante água – que existe no subsolo marciano. Em suma: há condições básicas para que exista vida em Marte, e o metano pode ser um sinal de que ela está lá.

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Mas também pode ser outra coisa: um fenômeno chamado “serpentinização”. Apesar do nome, ele não tem nada a ver com cobra, não. É apenas a reação do mineral olivina com água, um processo químico que produz metano sem ajuda de nenhuma forma de vida. Graças aos trabalhos feitos pelos jipes-robôs Spirit e Opportunity, que precederam o Curiosity, sabemos que existe muita olivina em Marte. Ela pode estar reagindo com a água do subsolo e produzindo metano. Menos excitante.

Outra hipótese plausível é que o metano seja antigo. Ele pode ter sido produzido por serpentinização ou mesmo por formas de vida, mas num passado remoto. O gás teria ficado preso sob o solo, e foi liberado por algum deslocamento de terra.

Seja qual for sua origem, ele foi gerado em Marte. Sabe-se que algum metano pode ser produzido pelo impacto de asteroides contra Marte, mas a quantidade detectada é grande demais para que um evento desse tipo seja responsável. Sem falar que o monitoramento orbital teria detectado uma cratera recém-formada na região, se esse fosse o caso. O gás vem mesmo do interior do planeta vermelho.

E a festa ainda não acabou para o Curiosity. Embora os níveis de metano tenham voltado a zero, eles continuarão sendo monitorados pelo robô. Se os cientistas detectarem novamente o gás, poderão tentar analisar de qual tipo de carbono é feito. E isso poderá nos dizer de onde ele veio.

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A fórmula do metano é CH4, ou seja, cada molécula contém um átomo de carbono e quatro de hidrogênio. Mas nem sempre do mesmo tipo. Todos os átomos existem em algumas variedades distintas, dependendo do número de nêutrons que têm em seu núcleo. São os chamados isótopos. No caso do carbono, ele pode ser carbono-12 (o tipo mais comum, com seis prótons e seis nêutrons), carbono-13 (sete nêutrons) e ou carbono-14 (oito nêutrons). Os seres vivos geralmente produzem metano com o carbono-12, o mais leve de todos. “É porque a vida é, essencialmente, preguiçosa. Obtém o mesmo efeito com menos trabalho”, explica o astrobiólogo Dirk Schulze-Makuch, da Universidade Estadual de Washington. Se o gás marciano tiver esse tipo de carbono, há boas chances de que ele tenha sido gerado por uma forma de vida. E se um dia conseguirmos encontrar indícios dela, teremos resolvido uma charada de 150 anos.

IDAS E VINDAS

Desde que os telescópios começaram a distinguir traços na superfície de Marte, o homem tenta encontrar algo vivo por lá. Em 1877, o astrônomo italiano Giovanni Schiaparelli encontrou riscos na superfície do planeta vermelho. Isso levou muita gente a acreditar que Marte tinha “canais”, supostamente construídos por uma civilização para distribuir água. Mas, no começo do século 20, com fotos tiradas por telescópios mais sofisticados, descobriu-se que não havia canal nenhum. Era só uma distorção causada pela baixa qualidade das imagens de Schiaparelli.

Em 1976, as sondas americanas Viking-1 e 2 realizaram os primeiros pousos bem-sucedidos em Marte. Elas levaram experimentos para buscar sinais de formas de vida microscópicas. Um dos testes consistia em derramar um caldo de nutrientes em uma amostra de solo do planeta vermelho. Se houvesse bactérias ali, e elas gostassem da comida, produziriam gás carbônico ao metabolizá-la.

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Pois bem. Os resultados foram… positivos. A experiência gerou o gás esperado. De início, a reação dos cientistas foi eufórica. Havia vida em Marte! Mas aí alguém resolveu olhar o ritmo de consumo dos nutrientes. E ele era bem estranho, diferente do que aconteceria num banquete bacteriano.

Se micróbios estivessem comendo a sopa, o consumo de nutrientes subiria gradualmente e depois desceria, também gradualmente, conforme fossem acabando. Não foi isso o que aconteceu. Houve consumo acelerado dos nutrientes, e ele parou de forma brusca. Não parecia uma reação biológica, e sim uma reação química. Os cientistas acabaram descobrindo que Marte era rico em percloratos, substâncias químicas que consomem matéria orgânica. Tudo não passava de uma banal reação química. O planeta vermelho permaneceu morto até 1996, quando uma nova descoberta reacendeu o debate. Cientistas da Nasa disseram ter encontrado fósseis de bactérias num meteorito proveniente de Marte: o ALH 84001, que caiu na Terra e foi encontrado na Antártida. Estavam errados. As marcas no meteorito eram pequenas demais para serem bactérias.

A descoberta de metano feita pelo Curiosity se insere nessa longa história. Será que desta vez é para valer? Aguarde cenas dos próximos capítulos. Devem ser emocionantes. Em 2016, a ESA (Agência Espacial Europeia) deve fazer o primeiro lançamento do ambicioso programa ExoMars, que inclui uma sonda para estudar o metano marciano e um robô que vai buscar sinais de vida no planeta vermelho. A Nasa também pretende mandar mais um jipe, em 2020, para estudar rochas que possam ter conservado sinais de vida. Não vai faltar assunto.

Até porque disso depende, de certa forma, nosso lugar no Universo. Hoje Marte é um lugar extremamente hostil, mas já foi mais parecido com a Terra, com mares, rios, atmosfera mais densa e temperaturas mais amenas. Se, mesmo nessas condições, a vida jamais tiver dado as caras por lá, poderemos contar que a Terra é um planeta de sorte e produziu um fenômeno altamente improvável. Já se encontrarmos vida em Marte, poderemos considerar que ela é comum no Universo. Que todos os cantos do cosmos devem estar cheios dela. E a Terra é apenas mais um deles. 

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Por que esse gás importa

O metano geralmente é produzido por micróbios (como os do seu sistema digestivo). por isso, sua presença na atmosfera pode ser um indício da existência de vida.

– 722 PPB era a concentração de metano na Terra antes da Revolução Industrial

– 1.800 partes por bilhão (PPB) é a concentração de gás metano na atmosfera da Terra (ou seja: a cada bilhão de moléculas da nossa atmosfera, 1.800 são metano)

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– 7,2 PPB é a concentração detectada em Marte

– 950 milhões de PPB é a concentração de metano no gás de cozinha

– 70 milhões de PPB é a concentração de metano num pum

 

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