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Peixes limpadores podem estar entre raros animais com uma “teoria da mente”

Fêmeas de bodião limpador identificam quando não estão sendo observadas para trapacear e conseguir uma refeição melhor. Isso demonstra uma habilidade cognitiva incomum na natureza: a de se imaginar no lugar de outros seres vivos.

Por Luisa Costa
1 out 2021, 13h31

Um estudo publicado no periódico especializado Communications Biology mostrou que as fêmeas de uma espécie de peixe limpador, a Labroides dimidiatus, são capazes de identificar quando não estão sendo observadas para trapacear e conseguir uma refeição melhor.

Essa safadeza aparentemente banal pode significar que o peixinho tem uma capacidade cognitiva encontrada principalmente em primatas (mas também em outros mamíferos e pássaros) conhecida como teoria da mente: o poder de compreender que outros seres vivos têm intenções e planos diferentes dos seus. 

Vamos começar explicando que, no fundo do mar, existem lugares chamados “estações de limpeza: áreas geralmente próximas a rochas e corais que são um ponto de encontro para alguns animais estabelecerem uma troca de favores (tecnicamente, uma relação de mutualismo). É lá que os peixes limpadores, de cerca de 10 cm, removem células mortas e parasitas do corpo de peixes bem maiores. 

O trabalho sujo é uma refeição apetitosa para os limpadores e uma agradável sessão de limpeza para seus clientes. Mas, na verdade, os peixinhos preferem mesmo é comer pedacinhos de pele fresca ou porções do muco que reveste os peixes maiores. Ou seja: em princípio, eles pegam só o lixo – mas se puderem abusar um pouco, abusam.

O problema, claro, é que a clientela não gosta de ser traída: o muco atua como uma proteção para os peixes, que podem ficar zangados se os limpadores o retirarem. Na pior das hipóteses, eles encerram a parceria de limpeza e deixam os peixinhos sem alimento.

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O bodião limpador (Labroides dimidiatus), que vive nos recifes do Indo-Pacífico, é uma das espécies que vivem da faxina, e costuma trabalhar em pares (um macho e uma fêmea) para fazer as sessões de limpeza.

Se aproveitar do cliente durante a sessão de limpeza, abocanhando uma porção de muco, é arriscado para a dupla de peixes limpadores. Por isso, um comportamento já observado na espécie é uma reação agressiva do macho caso a fêmea não resista à tentação alimentar. Se o peixinho percebe que sua parceira trapaceou, colocando o serviço em risco, ele pode persegui-la e tentar mordê-la como punição.

Experimentos

A partir do comportamento agressivo dos machos da espécie, a pesquisadora Katherine McAuliffe, do Boston College (Estados Unidos), e seus colegas se perguntaram: será que as fêmeas podem desenvolver maneiras de trapacear sem seus parceiros ficarem sabendo?

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“Como a punição está em jogo e as peixinhas se beneficiariam com a trapaça, tínhamos motivos para suspeitar que elas poderiam mostrar essa sensibilidade para o que seu parceiro pode ou não ver”, ela afirma à New Scientist.

Então, os pesquisadores fizeram alguns experimentos. Em aquários, eles separaram duplas de peixes limpadores, deixando macho e fêmea em compartimentos separados por barreiras ora transparentes, ora opacas.

Do lado da fêmea, havia uma placa de acrílico que simulava um peixe cliente. Ali, os pesquisadores deixavam duas refeições à disposição da peixinha: ou flocos alimentícios que despertariam menos seu apetite (como as células mortas e parasitas) ou pequenas porções de camarão (tão atraentes quanto o muco num peixão real).

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Os pesquisadores notaram que as fêmeas distinguiam entre a condição visível ou invisível em relação ao macho. Elas aproveitavam a refeição mais gostosa quando o parceiro não ficaria sabendo por causa da barreira opaca, mas se contentavam com flocos sem graça quando separadas por barreiras transparentes, com receio de uma possível reação agressiva do parceiro.

Teoria da mente

Os pesquisadores afirmam que o comportamento observado nas fêmeas é uma evidência de que elas têm teoria da mente. Esse é o nome que os estudiosos do comportamento animal dão para a habilidade de um ser vivo se colocar na perspectiva de outros seres vivos.

Em outras palavras: tudo indica que os peixinhos têm consciência de suas próprias intenções e podem supor as intenções uns dos outros, algo raro na natureza. A fêmea da espécie Labroides dimidiatus curte uma refeição mais apetitosa quando percebe que o macho não está ciente da trapaça porque pode se imaginar no lugar do parceiro e entender que ele não é capaz de vê-la. 

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A teoria da mente é uma capacidade cognitiva sofisticada e comumente associada aos humanos e outros primatas – mas alguns pesquisadores já encontraram componentes dela em comportamentos de outros animais, como pássaros e cachorros, por exemplo.

O bodião limpador já era reconhecido como um peixe relativamente inteligente, capaz de identificar sua própria imagem em um espelho (o que não é coincidência: eis mais um ponto a favor da ideia de que eles são capazes de diferenciar os outros de si próprios). Agora, os pesquisadores desconfiam de que as capacidades do peixinho podem ir além.

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