Por que tubarões ficam “hipnotizados” quando virados de cabeça para baixo?
Entenda o fenômeno da "imobilidade tônica".

Filmes de tubarão, como o clássico Jaws, deram fama de assassinos cruéis para esses predadores dos mares. Mas a verdade é que isso é um exagero – além de não serem máquinas de caçar humanos, os tubarões podem até ser fofinhos às vezes.
Quando colocados de barriga para cima, os tubarões ficam imóveis como cãezinhos pedindo carinho na barriga. Os músculos relaxam, o corpo entra em um estado de torpor e o animal parece hipnotizado. Vídeos mostrando este fenômeno são famosos na internet; veja um:
Esse comportamento é conhecido como “imobilidade tônica”. Acontece em diversas espécies do reino animal, como gambás e coelhos, e costuma ser interpretada como uma forma de se “fingir de morto” para enganar predadores. Em terra firme essa estratégia pode funcionar bem.
Essa explicação, porém, não funciona muito bem para tubarões. A verdade é que não há um consenso sobre o porquê isso ocorre com os predadores.
Um novo estudo publicado na Reviews in Fish Biology and Fisheries contesta a explicação da imobilidade tônica como uma forma de defesa contra predadores. Conduzido por Jodie L. Rummer, professora de biologia marinha da Universidade James Cook, na Austrália, e por Joel Gayford, doutorando na mesma instituição, o trabalho testou 13 espécies de tubarões, raias e uma quimera – um parente distante destes peixes cartilaginosos, apelidado de “tubarão fantasma”. Metade dos animais exibiu a resposta de imobilidade tônica; a outra metade, não. Mas nenhuma das hipóteses comuns para o fenômeno resistiu à análise.
“Não há evidências fortes de que tubarões se beneficiem de ‘congelar’ ao serem atacados”, afirmam os autores. E mais: esse comportamento, longe de ser uma defesa eficiente, pode ser usado contra eles. Orcas, por exemplo, já aprenderam a imobilizar tubarões propositalmente, virando-os de barriga para cima antes de extrair seus fígados ricos em nutrientes.
As outras explicações para o fenômeno também não convencem os pesquisadores. A teoria de que a imobilidade facilitaria o acasalamento é enfraquecida pelo fato de que machos e fêmeas respondem da mesma forma ao serem invertidos. Já a ideia de que se trata de uma resposta a sobrecarga sensorial segue não testada, permanecendo no campo da especulação.
Para Rummer e Gayford, a explicação mais plausível é também a mais simples: a imobilidade tônica é um traço vestigial. Ou seja, seria um vestígio evolutivo herdado de ancestrais comuns de tubarões, raias e quimeras, que sobrevive em algumas linhagens modernas por não causar prejuízos significativos – ainda que também não ofereça vantagens claras.
A análise evolutiva feita pelos cientistas sugere que esse comportamento é “plesiomórfico”, ou seja, estava presente em espécies ancestrais e foi perdido ao menos cinco vezes de forma independente em diferentes grupos ao longo do tempo. E isso pode ter acontecido por bons motivos: em ambientes como recifes de coral, onde pequenos tubarões e raias vivem apertados entre fendas e pedras, entrar num estado de torpor pode ser desastroso. Ficar “congelado” ali pode significar ficar preso ou vulnerável.
O estudo sugere que nem todo comportamento animal é resultado de adaptação. Alguns são apenas sobras de um passado distante, sobrevivendo porque ainda não foram eliminados pela seleção natural. Em outras palavras, o tubarão que parece “fingir de morto” pode estar apenas repetindo, inconscientemente, um reflexo do qual a evolução ainda não se livrou.
“Em vez de uma tática de sobrevivência inteligente, a imobilidade tônica pode ser apenas uma bagagem evolutiva”, dizem os autores. “Um comportamento que antes tinha um propósito, mas agora persiste em algumas espécies simplesmente porque não causa dano suficiente para ser selecionado contra.”