Novos medicamentos não precisarão mais ser testados em animais
Estados Unidos aprovam nova lei, e FDA pode dispensar os testes em cobaias; medida é comemorada por grupos de direitos animais, mas também tem um lado controverso
Estados Unidos aprovam nova lei, e FDA pode dispensar os testes em cobaias; medida é comemorada por grupos de direitos animais, mas também tem um lado controverso
A mudança, que foi aprovada pelo Congresso dos EUA, sancionada pelo presidente Joe Biden e já está valendo, significa que as empresas farmacêuticas poderão ser desobrigadas de testar seus novos produtos em cobaias de laboratório – uma exigência que vigorava desde 1938.
A nova lei, que se chama FDA Modernization Act 2.0, não proibe os testes em animais – nem impede que a Food and Drug Administration (a Anvisa dos EUA) continue a exigi-los, caso julgue adequado, em determinados casos. Mas ela já sinalizou seu desejo de que a indústria abandone as cobaias: criou até uma iniciativa, o New Alternative Methods Program, para acelerar essa transição.
No lugar dos estudos em animais, os laboratórios poderão utilizar outros métodos pré-clínicos, como simulações de computador ou os chamados “organoides”: plaquinhas de plástico, preenchidas com células de um determinado órgão, sobre as quais a droga é aplicada.
Se a substância demonstrar efeito, poderá ir direto aos testes clínicos da chamada Fase I, que são realizados em humanos e têm como único objetivo avaliar a toxicidade do remédio. Ou seja, ver se ele produz efeitos considerados perigosos, que impeçam os testes de prosseguir.
Não ocorrendo isso, os testes seguem para a Fase II, que avalia a eficácia do remédio: ele é testado num grupo de pessoas, metade das quais recebem placebo. Isso é feito no esquema duplo-cego, ou seja, nem os médicos e cientistas envolvidos sabem quem tomou a droga e quem tomou placebo.
É assim para evitar vieses que possam contaminar os resultados do estudo. Se os profissionais de saúde envolvidos soubessem quem tomou o remédio, eles poderiam tender a minimizar os sintomas da doença, simplesmente por desejarem que a droga funcione e ajude os pacientes. O sistema duplo-cego impede que isso aconteça.
Se o remédio passar na Fase II, ou seja, se mostrar mais eficaz do que o placebo, segue para a Fase III, que é basicamente uma versão ampliada, com mais pessoas, da anterior. Feito tudo isso, ele é submetido à aprovação da agência regulatória – nos EUA, é a Food and Drug Administration (FDA).
Grupos de defesa dos animais, como a PETA (People for Ethical Treatment of Animals), celebraram o fim da obrigatoriedade das cobaias. Ela também é positiva para os laboratórios, pois irá acelerar e baratear o desenvolvimento de novas drogas, um processo caro e demorado.
Mas a novidade tem um lado controverso. A National Association for Biomedical Research (NABR), grupo que reúne cientistas de 360 universidades, hospitais e empresas farmacêuticas, afirmou que os modelos animais (nome técnico das cobaias) “continuam a ser altamente relevantes para testar a segurança e a eficácia da uma droga”.
A Understanding Animal Research, seu equivalente britânico, destacou as limitações dos organoides – as plaquinhas, com células humanas, que poderão substituir as cobaias a partir de agora. Elas não reproduzem perfeitamente o comportamento dos órgãos, ou os demais processos do organismo.
“Nós podemos aplicar [uma nova droga] em células do fígado. E ver que ela não as danifica. Mas o que não sabemos é se ela vai fazer a pessoa tossir, ou se vai danificar seu intestino ou cérebro”, disse Wendy Jarret, diretora da ONG, à revista Science.
Por mais que os modelos animais sejam altamente imperfeitos (muitas drogas que funcionam em ratos se mostram ineficazes em humanos), eles têm valor. Do ponto de vista puramente científico, o ideal seria combinar esse método aos testes não-animais, como os organoides – não trocar uma coisa por outra.
Isso tornaria o processo mais robusto e confiável. Mas também significaria a continuidade do uso de cobaias. Um dilema moral.