Todos pensaram que a estrela Betelgeuse fosse explodir – mas eram só gases
Uma queda no brilho parecia indicar que o ombro da constelação de Órion estava prestes a morrer em um fenômeno violento chamado supernova. Mas há uma nova explicação, bem mais prosaica: ela expeliu uma nuvem.
Lembra do drama da estrela Betelgeuse? Não? Pois é, é um drama meio distante. Mais precisamente, uns 600 anos-luz de distância – em quilômetros, isso equivale a 56 seguido de 14 zeros, um número tão grande que sequer significa alguma coisa.
É mais fácil entender interpretando ao pé da letra: 600 anos-luz significa que mesmo a luz, que é a coisa mais rápida do Universo, leva 600 anos para chegar de Betelgeuse até aqui. Em comparação, a luz do Sol leva 8 minutos até a Terra.
Betelgeuse é um astro bem gordinho e brilhante que corresponde ao ombro esquerdo da constelação de Órion, o caçador. É fácil identificá-la no céu brasileiro: primeiro, procure as Três Marias, que formam o Cinturão de Órion. Agora, encontre o pontinho laranja perto delas (a foto acima é uma ótima referência). Também dá para acompanhar a descrição com um mapa celeste:
Betelgeuse foi parar nas notícias em 2020, quando todo mundo pensou que a dita-cuja fosse explodir em um fenômeno cataclísmico conhecido como supernova. Isso só acontece com estrelas de alta massa, e Betelgeuse é do tipo que luta sumô: tem 14 vezes (em algumas estimativas, até 20 vezes) a massa do nosso humilde Sol.
“Explodir” não é o termo mais preciso. Vamos explicar melhor. Toda estrela nasce como uma nuvem de hidrogênio gigantesca. Essa nuvem, de tanto gás, acaba se comprimindo por influência de sua própria gravidade, até formar uma bola compacta. A bola, de tão compacta, atinge uma pressão altíssima em seu interior.
Quando a pressão ultrapassa um certo patamar, ela força os átomos de hidrogênio a se fundirem em átomos mais pesados, de hélio. Essa fusão libera energia – que faz a estrela acender e esquentar. Essa energia também é a responsável por contrabalancear a gravidade, impedindo a estrela de colapsar sob o próprio peso.
Os astrônomos chamam o período que uma estrela passa fundindo hidrogênio de sequência principal. Toda estrela passa a maior parte da vida na sequência principal. Hidrogênio é o arroz com feijão das estrelas, o combustível básico.
Quando uma estrela de alta massa chega ao final dos estoques aproveitáveis de hidrogênio (quanto maior a estrela, mais rápido o tanque esvazia), ela apela para o plano B, que é fundir hélio em carbono. Depois, ela começa a fundir o próprio carbono. É tipo quando você não vai ao mercado faz tempo e começa a comer qualquer coisa que brota no armário. Waffle de morango murcha vencida em 2019, sabe como é.
(A metáfora alimentícia funciona de um jeito inesperado: a estrela, conforme envelhece também engorda. Betelgeuse, de tão inchada, alcançaria a órbita de Júpiter caso fosse posta no centro do Sistema Solar. É muito grande.)
Uma hora, de casa em casa da tabela periódica, sobram só átomos de ferro. E fundir átomos de ferro não dá certo: esse é um processo endotérmico, que absorve mais energia do que libera. O ferro não funciona como combustível de estrela.
Nessa hora, sem energia para manter tudo íntegro, a gravidade ganha o cabo de guerra e a estrela entra em colapso. Suas camadas mais externas desabam na direção do núcleo com uma força homérica, batem e voltam – sendo expelidas para o espaço aberto em uma nuvem imensa, quente e letal para qualquer coisa em volta. Como no desenho aqui embaixo.
Betelgeuse está no final de sua vida útil e preenche todos os requisitos para colapsar em uma espetacular supernova. Por causa de sua relativa proximidade com a Terra, o boom passaria semanas visível em plena luz do dia. Nunca houve, na astronomia moderna, uma oportunidade de coletar dados sobre esse fenômeno tão de pertinho (a última supernova realmente bacana de olhar daqui rolou em 1604 e foi descrita por Johannes Kepler em pessoa).
Por isso, você já pode imaginar, todo mundo torce pelo pior melhor.
O brilho de Betelgeuse aumenta e diminui em ciclos bem conhecidos de 400 dias – algo que se sabe desde 1836 –, mas um apagamento excepcional ocorrido na virada de 2019 para 2020 (a Super deu a notícia em 27 de dezembro de 2019), fez os astrônomos pensarem que o fim estava próximo. Bom, “próximo” para os padrões cósmicos, é claro: previu-se que a explosão viria dentro de uma janela de 100 mil anos. Se rolasse amanhã, ótimo, se rolasse daqui mil séculos, bem… Quem esperou a vacina contra covid pode esperar qualquer coisa.
Agora veio a decepção. Uma nova análise liderada pelo astrônomo Miguel Montargès no Observatório de Paris e publicada no periódico Nature fornece boas evidências de que o escurecimento repentino de Betelgeuse na verdade foi algo trivial, e não o prenúncio dos fogos de artifício. A equipe utilizou o Very Large Telescope (VLT, literalmente “telescópio muito grande”) do Observatório Europeu do Sul, no Chile – onde a aridez do Atacama fornece uma atmosfera cristalina para a astronomia.
Estrelas têm áreas mais frias e mais quentes, que se formam ou se dissipam conforme o comportamento dos fluxos de plasma no interior do astro (plasma é gás ionizado, cujos elétrons se desgrudam de seus átomos, e é o ingrediente principal das estrelas). Os pesquisadores imaginavam que, talvez, a queda no brilho fosse motivada pela formação de uma região particularmente fria no hemisfério sul de Betelgeuse.
Outra hipótese era ainda mais simples: que uma nuvem de gás na frente da estrela estivesse bloqueando seu brilho da nossa perspectiva. Cientistas gostam de simplicidade. É um princípio chamado Navalha de Occam: antes de propor uma explicação rocambolesca para um fenômeno, você sempre precisa descartar as possibilidades mais óbvias, em ordem de obviedade.
Calhou que a explicação correta era um pouquinho de cada coisa:
A estrela havia ejetado uma certa quantidade de material. Algo normal – nem de longe a ejeção violenta de uma supernova. Esse gás todo estava perto da região fria. Por isso, formou-se uma nuvem condensada na frente do astro. A nuvem bloqueou parte do brilho e do calor (que já estavam reduzidos) e voilà: temos uma breve era glacial na gigante vermelha. Por enquanto, nada de morte explosiva.
Betelgeuse é moribunda, sim – mas tudo, no cosmos, acontece muito devagar: ela ainda tem umas boas centenas de séculos pela frente. Por mais que os astrônomos, e a Super, torçam contra. Afinal, quem não quer assistir uma supernova aqui do camarote terráqueo?