Maconha é a porta de entrada para drogas mais pesadas
Pode até ser, mas a verdade é que a maioria dos usuários nunca experimentou - nem vai experimentar - outros entorpecentes
Texto Mariana Sgarioni
Quem hoje fuma maconha amanhã estará cheirando cocaína.” Essa afirmação é comum tanto em programas de TV e debates políticos quanto em salas de espera e mesas de botequim. Trata-se de um dos mitos mais populares do mundo, que acabou virando “verdade” de tanto ser repetido. Não colabore com a sua perpetuação. A verdade é que a maioria dos usuários de maconha nunca experimentou e nem vai experimentar outra droga ilícita.
O que leva à conclusão equivocada de que um simples baseado abre o caminho mais curto para outras drogas é a hierarquia natural da experimentação. Raramente alguém usa cocaína pela primeira vez sem jamais ter provado alguma bebida alcoólica ou um cigarro comum de tabaco. No entanto, álcool e nicotina nunca foram tachados de “porta de entrada” para substâncias mais pesadas. Se você pensar bem, faz sentido que a primeira droga ilícita usada por uma pessoa seja a maconha, pois ela é a mais barata e disponível. Mas pode acreditar: não existe nada num baseado que estimule o usuário a procurar drogas mais fortes em seguida.
“Estudos indicam que mais da metade dos consumidores de maconha não usa outras drogas e faz uso apenas esporádico da erva”, afirma o psiquiatra Dartiu Xavier, coordenador do Programa de Atenção a Dependentes Químicos da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “A maioria consome a droga só de vez em quando, e 90% acabam por abandoná-la um dia.”
Legalizar ou não?
A legalização da maconha na Holanda, há mais de 30 anos, também produziu resultados que depõem contra a tese da “porta de entrada”. Ao transferir a venda da erva para estabelecimentos conhecidos e fiscalizados (os coffee shops), o governo holandês afastou o consumidor dos traficantes – esses, sim, os grandes incentivadores do consumo de outras drogas, como cocaína e heroína, cujo comércio é muito mais rentável. Resultado: o número de jovens usuários de maconha continuou o mesmo de sempre, mas o de drogas pesadas diminuiu – prova de que a Cannabis não necessariamente leva a outros entorpecentes.
Segundo a dupla de pesquisadores americanos Robert MacCoun e Peter Reuter, autores do livro Drug War Heresies (“Heresias da Guerra Contra as Drogas”, sem edição no Brasil), a Holanda hoje é um dos 10 países europeus com menor número de usuários de heroína. Um alívio, pelo menos para quem frequentou o topo da lista nos anos 70.
Da erva ao pó
Estudo feito nos EUA em 1994 revelou que apenas 1% dos maconheiros virava consumidor regular de cocaína
Para cada 100 americanos que fumaram um cigarro de maconha…
…apenas 28 também acabaram experimentando cocaína depois.
Desses 28, só 12 usaram cocaína 10 vezes ou mais.
Dos 12, apenas 5 fizeram uso de cocaína mais de 100 vezes.
E, desses 5, só 1 passou a usar cocaína pelo menos uma vez por semana.
Porta de saída
Maconha ajuda dependentes de crack a se livrar do vício
Se não é a porta de entrada, a maconha pode ser a porta de saída de drogas pesadas. Pelo menos é o que sugere um estudo coordenado pelo psiquiatra Dartiu Xavier. Ele incentivou dependentes de crack a usarem Cannabis como parte de um programa para livrá-los do vício. O resultado foi surpreendente: cerca de 70% abandonaram o crack e, depois, pararam espontaneamente com a maconha. “Foi quase um remédio”, afirma Xavier. “A maconha estimula o apetite e reduz a ansiedade, dois problemas sérios na vida de um cacainômano.”