A história real por trás do filme “1917”, que ganhou o Globo de Ouro
O longa, que se passa na Primeira Guerra Mundial, mescla eventos reais, personagens fictícios e as histórias que o diretor, Sam Mendes, ouviu do seu avô.
Nada de O Irlandês ou Coringa: quem levou o troféu de Melhor Drama no Globo de Ouro do último domingo (5) foi o longa 1917, que se passa durante um conflito na Primeira Guerra Mundial.
O prêmio foi considerado uma zebra: apesar de bem-avaliado pela crítica, o filme de Sam Mendes (Beleza Americana, 007 – Operação Skyfall) não estava entre os favoritos. Mendes, aliás, surpreendeu ao levar o troféu de Melhor Direção, desbancando nomes como Martin Scorsese (O Irlandês), Quentin Tarantino (Era Uma Vez em…Hollywood) e Bong Joon-ho (Parasita).
Se você só ouviu falar do filme depois da noite de premiação, não se sinta mal: no Brasil, ele só estreia em 23 de janeiro (com algumas sessões nos dias 18 e 19). A trama, que mescla eventos reais com histórias fictícias, narra a história de Blake (Dean-Charles Chapman) e Schofield (George MacKay), dois soldados-mensageiros que recebem a missão de enviar um alerta para uma tropa britânica de mais de 1.600 homens. O pelotão acredita estar perseguindo parte do exército alemão, mas estão, na verdade, a caminho de uma emboscada.
O filme vem recebendo elogios sobretudo pelo esforço de retratar seus 117 minutos de duração em um único plano-sequência – é como se o longa fosse uma cena gigantesca, sem cortes. O mérito de Mendes é compartilhado com o diretor de fotografia Roger Deakins, que levou o Oscar no ano passado por Blade Runner 2049 e é um dos favoritos para a próxima edição do prêmio.
Veja o trailer abaixo:
1917 é inspirado em uma história real?
Sam Mendes trabalhou ao lado de um time de historiadores e consultores para uma representação fiel de diversos elementos históricos. E não poupou grana para isso. O orçamento do filme foi de US$ 100 milhões, e nas filmagens, que aconteceram no sudoeste da Inglaterra, a equipe de produção precisou cavar mais de 760 metros de trincheiras. Haja terra.
Boa parte do pano de fundo da história são acontecimentos reais. Um deles é a Operação Alberich, codinome para uma operação militar alemã que aconteceu entre os dias 9 de fevereiro e 20 de março de 1917. Foi, na verdade, uma retirada estratégica de tropas que estavam na região norte da França para a Linha Hindenburg, uma faixa de defesa do exército alemão que se estendia pelo noroeste do país.
A linha era menor e mais bem armada que o front anterior: possuía bunkers, metralhadoras fixas, malhas de arame farpado, túneis para tropas, trincheiras, clareiras e postos de comando. Sua construção começou em 1916 e, quando foi concluída, os soldados que estavam mais avançados recuaram (é possível visualizar essa movimentação neste mapa).
A Operação Alberich movimentou mais de 125 mil civis. O exército alemão deslocou todos eles por mais de 40 quilômetros, deixando pouquíssimas pessoas (e recursos) para trás. A estratégia era justamente esse: destruir o máximo possível para dificultar a vida dos Aliados, que viriam a ocupar aquele território. Cabos elétricos, canos de água, estradas, pontes e até aldeias inteiras – não sobrava nada. É a tática da “terra arrasada”.
História de família
Apesar do background fidedigno, a trama e os personagens de 1917 são inventados. Mas com um pequeno porém: para criar o filme, Sam Mendes se inspirou nas histórias contadas pelo seu avô, que lutou na Primeira Guerra.
Alfred H. Mendes nasceu em 1897 na ilha de Trinidad, no Caribe. Filho de imigrantes portugueses, decidiu se alistar no exército britânico aos 19 anos – o que não foi nem um pouco bem aceito pelos pais. Alfred passou dois anos lutando na Frente Ocidental da guerra. Na França, apaixonou-se por uma jovem chamada Lucille, mas em maio de 1918, seis meses antes do término do conflito, ele foi mandado de volta para casa após inalar gás venenoso.
O diretor Sam Mendes, em entrevista à Variety, conta que a ideia para 1917 veio de uma história que seu avô contava sobre “um mensageiro com uma mensagem para entregar”, sem dar muitos detalhes. O que se sabe é que Alfred recebeu uma medalha de destaque por sua participação na Batalha de Poelcappelle. Mesmo sem experiência, ele se voluntariou para entregar e receber relatórios de três companhias (unidades militares) que haviam perdido contato com a que ele pertencia.
A tarefa era complicada: era difícil transitar pela “Terra de Ninguém”, apelido dado para a região entre trincheiras – ou seja, no meio do fogo cruzado. Mas o vovô Mendes viveu para contar história.
Nos anos 1970, Alfred reuniu todas as suas memórias em uma autobiografia, publicada postumamente em 2002. Ele morreu em 1991, mas não antes de uma tentativa de reencontrar Lucille, sua paixão nos anos de guerra. Em 1950, ele tomou um trem para a França e conseguiu achá-la. Ela havia se casado, e possuía nove filhos. Pelo menos, a família insistiu para que Alfred passasse a noite por lá.