Café com cocô de pássaro? Conheça o café do jacu, produzido no Brasil
O processo é artesanal e demorado, mas compensa para os produtores, que vendem os "cafezes" por valores exorbitantes.

O jacu, pássaro grande que vive em florestas espalhadas pelas Américas, já foi visto como inimigo dos agricultores de café. O bicho gosta de comer os grãos maduros (seu nome, que vem do tupi, significa “ave que se alimenta de grãos”), que os lavradores esperaram meses para colher. Nos últimos anos, no entanto, ter um jacu por perto se tornou um diferencial para alguns cafeicultores. É das fezes desse animal que esses profissionais recolhem os grãos digeridos e fazem um dos cafés mais caros do mundo.
Para começo de conversa, fazer café a partir de cocô não é exatamente uma exclusividade excêntrica dos brasileiros: existe café produzido a partir da digestão de animais variados no mundo todo, geralmente vendidos a preços exorbitantes. De modo geral, os bichos comem os grãos, que passam por seus sistemas digestivos e saem em grande parte intactos nas fezes; durante esse processo, bactérias e enzimas únicas presentes no sistema digestivo do animal podem adicionar sabores especiais aos grãos.
É das fezes de elefantes que vem o Black Ivory, no norte da Tailândia, por exemplo, enquanto o cocô de uma mamífero chamado civeta se transforma no Kopi Luwak, café típico de ilhas da Indonésia.
O produto brasileiro é o café do jacu, nome brasileiro do gênero de aves Penelope – mais especificamente o Penelope obscura, que vive na Mata Atlântica e também é chamado de jacuguaçu ou jacuaçu. Fazendas na região serrana do Espírito Santo e na Zona da Mata de Minas Gerais são as responsáveis pela produção da iguaria.
Quem começou a produzir o café do jacu foi a fazenda Camocim, na cidade capixaba de Domingos Martins. A ideia não era exatamente criar um produto refinado que seria vendido por preços exorbitantes ao redor do mundo, mas sim aproveitar de alguma forma os ataques de pássaros à lavoura.
Cafezes de qualidade
A fazenda Camocim é uma agrofloresta, que une árvores locais e culturas agrícolas no mesmo espaço. Os jacus, nativos das florestas da região, começaram a invadir a área em 2008 e comer os grãos de café. O proprietário Henrique Sloper contou ao jornal A Gazeta que já havia provado o café Kopi Luwak, feito com os grãos digeridos pela civeta, um pequeno mamífero do sudeste da Ásia, e teve a ideia de fazer algo parecido com as fezes da ave da Mata Atlântica.
O diferencial desse “cafezes” é a habilidade dos jacus escolherem bem os grãos que eles comem. Essas aves sempre preferem os mais maduros e vermelhos. O timing é perfeito: a colheita do café acontece no inverno, quando a oferta de frutas para os pássaros é menor. Isso incentiva o consumo dos grãos de café, que depois vão virar iguaria gourmet.
Não há intervenção humana: as aves não vivem em cativeiro e as fezes, que saem depois de um processo digestivo bem rápido e sem muito processamento bioquímico, geralmente acabam espalhadas pelo terreno.
O cocô dos pássaros é recolhido, e as sementes semi-digeridas pelos jacus ficam com aparência de pé-de-moleque, unidas numa pasta esquisita. Elas são secas, higienizadas e separadas para passar pela torrefação do grão. Todo o processo é artesanal, complexo e demorado, o que se reflete no preço do café do jacu.
A saca com 60 kg de café do jacu às vezes chega a ser vendida por mais de R$ 30 mil. Na loja virtual Unique Cafés, que vende café do jacu, 150 gramas saem por R$ 65. Num mercado normal, 150 gramas de café normal custa cerca de R$ 10. O produto que vem do cocô das aves é 600% mais caro, e vende bem na Europa. Se quiser ser aventureiro na próxima pausa para o café, vai ter que desembolsar uma graninha.