Erupção vulcânica teria gerado “efeito borboleta” que levou a peste negra à Europa
Estudo indica que o resfriamento súbito do clima alterou safras e rotas de comércio, criando as condições para a pandemia do século 14.
As circunstâncias que levaram ao início da peste negra na Europa nunca estiveram totalmente esclarecidas. Essa pandemia, que entre 1346 e 1353 matou dezenas de milhões e derrubou populações inteiras, é atribuída à bactéria Yersinia pestis, transportada principalmente por pulgas e roedores. Mas por que a doença explodiu justamente naquele momento, com tamanha velocidade e letalidade?
Um novo estudo publicado na revista Communications Earth & Environment pode ajudar a responder. A pesquisa sugere que o gatilho inicial da crise não veio apenas de fatores biológicos ou sociais, mas também de uma alteração climática extrema provocada por uma ou mais erupções vulcânicas até então desconhecidas, ocorridas por volta de 1345.
O ponto de partida da investigação foram os anéis de crescimento de árvores antigas, uma espécie de registro natural de temperatura e umidade ao longo dos anos. Árvores no alto dos Pirineus, na Espanha, chamaram a atenção do dendrocronologista Ulf Büntgen, da Universidade de Cambridge.
Os anéis referentes aos verões de 1345 e 1346 apresentavam sinais de dificuldade de crescimento, como se estivessem “marcados” por frio incomum durante a estação que normalmente é a de maior expansão da madeira.
Ao comparar esse padrão com cronologias de árvores de outras regiões do continente, Büntgen identificou que praticamente toda a Europa tinha enfrentado verões excepcionalmente frios e úmidos nesses anos – e de maneira consecutiva, o que é raro.
Camadas de gelo da Groenlândia e da Antártica também registraram picos de enxofre atmosférico nesse período. A substância funciona como um bloqueador da luz solar quando lançada na atmosfera por grandes erupções.
Esses dados, combinados, sugeriam a presença de uma nuvem global de partículas vulcânicas que reduziu temperaturas e alterou a dinâmica climática do continente.
Documentos da época, vindos de locais tão distantes quanto Japão e França, reforçam o cenário. Eles relatam anos atipicamente nublados entre 1345 e 1347. Na Itália, registros administrativos descrevem colheitas sofríveis nos verões de 1345 e 1346, além de um aumento súbito no preço dos grãos – o maior em 80 anos.
Os governos italianos, descreve a historiadora Hannah Barker, da Universidade Estadual do Arizona, que comentou o estudo para à Science, demonstravam preocupação diante do risco de fome e rebeliões. “Nas fontes, é possível ver governos em pânico, tentando descobrir o que fazer”, afirmou.
A Itália do século 14 já possuía uma estrutura desenvolvida de comércio de longa distância. As repúblicas marítimas, especialmente Veneza e Gênova, dependiam do suprimento externo de trigo e usavam suas rotas no Mediterrâneo e no Mar Negro para garantir a segurança alimentar da população.
Mas a conjuntura política havia se tornado desfavorável. Desde 1343, Veneza e Gênova estavam em guerra com o Império Mongol pela disputa de portos estratégicos do Mar Negro, o que interrompeu o comércio com a região.
Com as más colheitas provocadas pelo resfriamento após as erupções, essa ruptura tornou-se insustentável. A partir de 1347, pressionadas pela falta de alimentos, as cidades italianas retomaram as negociações com os mongóis. Foi uma decisão estratégica para evitar a fome, mas que também abriu caminho para uma catástrofe maior.
O início da propagação
Com o embargo rompido, navios carregados de trigo partiram de portos próximos ao Mar de Azov, na atual Crimeia e na Ucrânia. Segundo os autores, é nesse momento que a cadeia climática se conecta diretamente à epidemiológica.
Exércitos mongóis que circulavam há anos pela região eram afetados pela Yersinia pestis. As pulgas infectadas sobreviviam em compartimentos cheios de poeira e grãos – ambiente perfeito para serem transportadas a longas distâncias.
Quando esses navios chegaram ao Mediterrâneo, o caminho estava aberto. As pulgas se espalharam por ratos e, em seguida, por humanos. A peste alcançou primeiro cidades altamente dependentes de grãos importados, como Veneza e Gênova, e só mais tarde chegou a regiões menos integradas ao comércio marítimo, como Milão e Roma.
A dinâmica ajuda a explicar a rota inicial da epidemia, que sempre pareceu abrupta e desproporcional. O estudo também abre espaço para revisões históricas mais amplas. Ele sugere que a pandemia foi consequência de uma convergência improvável de fatores climáticos, agrícolas, econômicos e sociais.
O resfriamento repentino comprometeu colheitas, que por sua vez pressionaram sistemas políticos já frágeis e levaram à reativação de rotas comerciais. Essas rotas, ao serem restabelecidas, transportaram não apenas alimentos, mas os vetores da doença que desencadearia a pior crise demográfica da Europa medieval.
Os pesquisadores argumentam que esse encadeamento é um dos primeiros exemplos documentados das consequências de uma economia globalizada.
Em comunicado, Büntgen afirma que a experiência histórica é relevante para o presente, especialmente à luz de pandemias recentes. Ele também defende que entender essas conexões entre clima, comércio e saúde pública é essencial para antecipar riscos futuros.
“Embora a coincidência de fatores que contribuíram para a peste negra pareça rara, a probabilidade de doenças zoonóticas surgirem sob as mudanças climáticas e se transformarem em pandemias provavelmente aumentará em um mundo globalizado”, disse. “Isso é especialmente relevante considerando nossas experiências recentes com a Covid-19.”
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