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Objetos humanos de 650 anos são descobertos em ninhos de abutres

Você usaria uma sandália de 674 anos? Uma foi encontrada em um ninho na Espanha, junto com cestos, couro pintado, cordas e flechas medievais.

Por Luiza Lopes
7 out 2025, 18h00

Quando o biólogo e arqueólogo Sergio Couto, da Universidade de Granada, começou a procurar ninhos esquecidos de quebrantahuesos – nome espanhol do abutre-barbudo (Gypaetus barbatus) – no sul da Espanha, não imaginava que encontraria vestígios humanos de mais de seis séculos guardados entre ossos e penas. 

O resultado de sua busca, publicado na revista Ecology, revela que esses ninhos funcionam como autênticos museus naturais, preservando fragmentos da história ecológica e cultural da Península Ibérica.

Entre os materiais encontrados, uma sandália de fibra vegetal, um fragmento de couro pintado e cestos datam do fim do século 13. Outros achados incluem cordas, tiras de tecido, uma flecha de balestra (arma medieval semelhante a um arco e flecha) e apetrechos de montaria. Tudo misturado a milhares de ossos de animais de casco, como cabras e ovelhas, que faziam parte da dieta dessas aves necrófagas. 

O resultado foi inesperado, sobretudo pela quantidade de “objetos fascinantes que começaram a aparecer, pois o normal é encontrar ossos”, explicou, ao El País, a arqueozoóloga Ana Belén Marín, diretora do grupo EvoAdapta da Universidade de Cantábria, especializada na análise de restos de animais em sítios arqueológicos e coautora da pesquisa.

“Analisamos como se fosse uma escavação, em camadas de 10 centímetros de espessura, o que permite obter um registro da acumulação ao longo do tempo”, acrescentou Marín. Poucas peças já foram datadas, mas a equipe continua com a pesquisa do farto material encontrado.

Fotografia dos objetos encontrados no ninho do abutre.
(A) Parte de um estilingue de capim-esparto. (B) Um detalhe de uma seta de besta e sua lança de madeira. (C) Agobía (Sierra Nevada, Granada), um calçado rústico feito de várias espécies de grama e galhos. (D) Um fragmento de cestaria (E) Um pedaço de couro de ovelha e (F) um pedaço de tecido. (Sergio Couto (A, B, D, e F) e Lucía Agudo Pérez (C e E)/Divulgação)
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O levantamento foi conduzido entre 2008 e 2014, com a análise detalhada de 12 ninhos antigos bem preservados em cavernas e abrigos rochosos da Andaluzia. No total, os cientistas recuperaram 2.483 fragmentos, dos quais 2.117 eram ossos e 43 cascas de ovos. O restante (9,1%) correspondia a 226 objetos humanos, entre eles 25 feitos de fibra vegetal, 72 de couro, 11 de cabelo e 129 de tecido

Os materiais foram datados por carbono-14 em um laboratório na Suíça. A sandália, por exemplo, tem 674 anos, enquanto o couro pintado foi datado em 651 anos. 

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Segundo comunicado divulgado pela universidade, o interesse de Couto pelo tema surgiu em 2006, quando colaborava em um projeto europeu de reintrodução dos quebrantahuesos na Andaluzia. A espécie havia desaparecido da região entre 70 e 130 anos atrás, vítima da caça e do uso de venenos.

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Para localizar ninhos históricos, ele vasculhou relatos de naturalistas dos séculos 18 e 19 e entrevistou moradores mais velhos, que ainda lembravam de histórias sobre as aves. Com o apoio de escaladores e agentes ambientais, chegou a penhascos de até seis metros de altura, onde alguns ninhos alcançavam três metros de diâmetro.

“Um ninho novo teria lã, galhos… Mas o que nos dá a pista de que estamos diante de um ninho histórico são os excrementos brancos”, contou Couto ao El País. As manchas vêm da dieta singular dos abutres-barbudos: eles se alimentam quase exclusivamente de ossos, que são digeridos graças ao pH extremamente ácido do estômago.

Fotografia dos objetos e ossos encontrados no ninho do abutre.
(A) Cascos de mamíferos. (B) Ossos e dentes de diversos mamíferos e aves encontrados no mesmo ninho, alguns parcialmente digeridos. (C) Restos de cascas de ovos de abutre-barbudo. (D) Vários chifres de cabra encontrados no mesmo ninho antigo. (E) Excrementos sólidos típicos de abutre-barbudo acumulados em seus ninhos antigos. (Sergio Couto/Divulgação)

Os pesquisadores notaram que esses abutres carregam não só ossos, mas também materiais de origem humana usados para forrar ou construir o ninho, transmitidos de geração em geração. Essa característica faz com que as estruturas acumulem artefatos de diferentes épocas, criando registros estratificados que permitem estudar mudanças no ambiente e na cultura local ao longo de séculos.

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Além dos vestígios humanos, os fragmentos de casca de ovo conservados nos ninhos antigos são valiosos para estudos toxicológicos comparativos. Analisar os níveis de contaminantes em ovos antigos e modernos pode revelar a história da exposição a pesticidas e ajudar a entender a extinção local da espécie, segundo o artigo.

Os autores observam que os objetos de fibra vegetal – como sandálias, cordas e cestos – são semelhantes aos encontrados em sítios neolíticos do Mediterrâneo, como as Coves de Santa Maira (Valência) e a Cueva de los Murciélagos (Granada).

Isso reforça a longa e duradoura tradição do uso desse material na região, que começou há cerca de 12 mil anos. “Esses ninhos se tornam testemunhos de como as práticas humanas e os ecossistemas evoluíram juntos”, escrevem os autores no estudo.

As descobertas também têm valor prático para a conservação. Ao estudar a localização e a composição dos ninhos históricos, os cientistas obtêm pistas sobre os habitats ideais para futuras reintroduções e sobre a distribuição passada da espécie. Hoje, os abutres-barbudos estão em perigo crítico, com apenas 309 casais reprodutores na Europa, sendo 162 na Espanha.

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