Turistas no fogo cruzado
Cinco meses após o sumiço do avião da Malaysia Airlines, a companhia perdeu mais uma aeronave – desta vez, no meio de uma guerra.
No dia 17 de julho de 2014, ao meio-dia no fuso horário local, o jovem músico holandês Cor Pan postou uma foto no Facebook. Era um Boeing 777 da Malaysia Airlines – no qual o próprio Cor Pan estava prestes a embarcar. Na legenda da foto, ele escreveu: “Se meu voo desaparecer a caminho da Malásia, fiquem aí com uma imagem do avião”. A piadinha era referência a outro Boeing da mesma companhia: o voo MH 370, que desaparecera no Oceano Índico apenas cinco meses antes. Os amigos acharam graça: “Boa viagem!” e “Divirta-se” foram as respostas quase imediatas à postagem. Menos de duas horas depois, a tirada do holandês passara de cômica a premonitória. Num desses casos raros em que o relâmpago atinge duas vezes o mesmo lugar (ou a mesma companhia), a Malaysia Airlines voltou a protagonizar uma grande catástrofe.
Ao partir de Amsterdã em direção a Kuala Lumpur, capital da Malásia, o voo MH17 levava 298 pessoas, dentre as quais 193 eram holandesas. O músico Cor e sua namorada, Neeltje, planejavam passar alguns dias à beira-mar em alguma praia do Oceano Índico.
Por volta das 13 horas, o avião passou a sobrevoar a província de Oblatsk, no leste da Ucrânia. Em abril daquele ano, grupos separatistas, apoiados pelo governo russo, haviam declarado a independência da região, dando início a conflitos com o exército ucraniano. Desde o início dos combates, vários aviões e helicópteros das forças armadas da Ucrânia foram abatidos pelos insurgentes no espaço aéreo de Oblatsk. A Associação Internacional de Aviação Civil, no entanto, ainda considerava a região segura, pois até então nenhum voo comercial fora atacado. Mesmo assim, algumas companhias, como a British Airways, já evitavam a área.
Até as 13 horas e 15 minutos, o avião trocava informações sobre a rota com os operadores de voo do aeroporto de Dnipopetrovsk, cidade ucraniana próxima. De repente, veio o silêncio. Pouco depois, a Malaysia Airlines anunciou por meio do Twitter que perdera contato com o avião, e a agência Reuters anunciou que pedaços de fuselagem, cadáveres e bagagens fumegantes foram avistados nas redondezas de Hrabove, aldeia a 40 quilômetros da fronteira russa. Os escombros do voo MH17 se espalharam por uma área de mais de 30 quilômetros quadrados – o equivalente a cerca de 20 Parques do Ibirapuera.
A catástrofe desencadeou uma tempestade diplomática. Uma investigação da Agência de Segurança Aérea da Holanda concluiu que a aeronave foi alvejada por um míssil. Para os governos dos EUA e da Ucrânia, o disparo foi feito por separatistas, que utilizaram um sistema antiaéreo fornecido pela Rússia. O governo russo negou essa versão, jogando a culpa para o outro lado: um caça ucraniano, em combate com os rebeldes, teria alvejado o avião por engano. São poucos os detalhes conhecidos sobre os últimos momentos do voo. Segundo o Conselho de Segurança da Ucrânia, a aeronave explodiu no ar. Nesse caso, é provável que todos a bordo tenham morrido na hora. Mas, entre os escombros, um corpo foi encontrado usando uma máscara de oxigênio.
Uma zona de combate
Desde sua independência da União Soviética, em 1991, a Ucrânia foi um país dividido: parte do país quer estreitar os laços econômicos com a União Europeia e os Estados Unidos, enquanto outra parcela da população se identifica com a cultura e os interesses da vizinha grandona, a Rússia. Em novembro de 2013, parte do povo tomou as ruas em protesto contra o presidente pró-Rússia Viktor Yanukovych, que acabou sendo destituído do cargo. A Rússia deu o troco em março de 2014, invadindo e anexando a região ucraniana da Crimeia. Em maio, milícias pró-Rússia tomaram o controle da província de Oblatsk e declararam independência. Combates entre milícias locais e tropas ucranianas espalharam-se pela região – e foi no meio desse fogo cruzado que o voo da Malaysia entrou naquele fatídico 17 de julho.