O fim do oceanos
Pescamos demais. Poluímos demais. Navegamos demais. E nem fazemos idéia do estrago que causamos nos mares
Você nunca brincou de colocar uma concha no ouvido e ficar curtindo o barulho do mar, as ondas, a calmaria? Hoje seria bem mais realista colocar seu iPod no ouvido – e no volume máximo. Isso, sim, se aproxima do som que o oceano produz para boa parte das criaturas que vivem dentro dele. Um navio de carga emite, pelo estouro das bolhas que seus propulsores criam na água, ruídos de 150 a 195 decibéis. É mais do que uma britadeira (120 decibéis) ou um iPod no talo (114 decibéis). Imagine então o barulho produzido por 100 mil cargueiros que cruzam os mares durante o ano inteiro!
Qual o problema disso? É que os animais marinhos usam a audição para quase tudo – para encontrar o lugar de procriação, o parceiro sexual, a comida. E o mar virou uma linha cruzada dos diabos. Cientistas concluíram que a baleia-azul está ficando surda – escuta a distâncias até 90% menores do que antes. Já a orca está precisando gritar – produzir cantos mais longos para se fazer ouvir. Outras baleias aparecem mortas nas praias após testes militares com sonares caça-submarinos – seus 235 decibéis causam hemorragia nos ouvidos e nos olhos dos animais.
Os oceanos são 70% da superfície do planeta. Em volume, representam muito mais que isso. E sempre o vimos como uma vastidão infinita e onipotente. Mas não poderíamos estar mais enganados. Segundo a ONU, os mares estão em ruínas porque pescamos demais, produzimos lixo, gases do efeito estufa e esgoto demais e bagunçamos os ecossistemas. Pior: nem fazemos idéia do que está acontecendo lá embaixo em conseqüência disso. Ultimamente, aprendemos a pensar que o oceano está trasbordando de tanta água. Mas está acontecendo o contrário: ele está esvaziando, perdendo vida.
O mar não está para peixe
A pesca indiscriminada fez sumir 90% dos peixes grandes e mudou a dieta humana.
O atum-azul não é um peixe qualquer. É o peixe. Primeiro, porque ele tem sangue quente, o que lhe permite cruzar os mares do Ártico aos trópicos. Sua arrancada ao caçar ou fugir é mais potente que a de um Porsche. Um atum-azul pode pesar o mesmo que um cavalo (500 quilos) e render 10 mil cortes do sashimi mais suculento e caro do mundo. É por isso que, enquanto cardumes deles nadam pelo Mediterrâneo, superpesqueiros rondam à sua caça, com a ajuda de sonares e de aviões localizadores. O navio que chegar primeiro e fechar a rede de cerco em volta dos bichos leva o prêmio. E leva para o Japão, país que captura 25% dos atuns-azuis dos oceanos. No maior mercadão de peixes do planeta, o Tsukiji, em Tóquio, um desses peixes é leiloado por até US$ 25 mil. Os que são pescados pequenos ficam enjaulados em fazendas de engorda nas costas de países como Espanha, Itália e Turquia. Passam meses sendo alimentados com peixes gordurosos e depois são abatidos a tiros – isso mesmo, a tiros. Então seguem seu caminho rumo ao desaparecimento e às mesas dos aficionados por sushis. (Um detalhe para você se tranqüilizar um pouco: o atum que comemos no Brasil não é dessa espécie.)
A saga do atum-azul começou na década de 1990, depois que a flotilha japonesa reduziu os estoques do Pacífico a 6% da população original. Em 10 anos de pesca no Mediterrâneo, já o levamos ao risco de extinção. Como pudemos ser tão eficientes em dizimá-lo? Basicamente, lançamos mais de 1 500 navios pesqueiros high tech ao mar, sacamos dali 3 vezes mais atuns do que o limite para que a espécie se recomponha e turbinamos tudo isso com subsídios da União Européia. Empresas gigantes do setor, da Espanha, da França e do Japão, dividem um mercado que movimenta US$ 400 milhões ao ano. Na Itália, até a máfia se meteu na caça ao atum. Ela ajuda a colocar aviões localizadores clandestinos nos ares da Líbia e da Argélia em junho, quando a pesca está proibida para dar alguma chance às fêmeas em período reprodutivo.
A má notícia é que a trajetória do atum não é única. Já estamos repetindo essa lógica há mais de um século nos oceanos, e com muito mais tecnologia nos últimos 50 anos. Em Grand Banks, a leste do Canadá, reduzimos o bacalhau do tipo cod a 1% da população original. O blue skate, uma arraia que figura no fish’n’chips, prato típico inglês, sumiu do mar do Norte. O alabote do Atlântico entrou em colapso ainda no século 19. E do esturjão do mar Cáspio – cujas ovas são o caríssimo caviar – só sobraram 10%. Nossa indústria hoje, quando entra em uma nova área de exploração, tem bala para arrasar uma espécie comercial em 10 ou 15 anos. Nesse ritmo, podemos chegar ao colapso de todas as áreas de pesca do planeta em 2048 (hoje, já inutilizamos ou pescamos além do sustentável em 76% dessas regiões – no Brasil, sobe para 80%, segundo relatório recente do Greenpeace).
Essas projeções são parte dos estudos estatísticos de uma década de Boris Worm, professor de conservação marinha da Universidade de Dalhousie, no Canadá. Junto com outros cientistas, ele estimou que, das populações de grandes peixes que nadavam em nossos mares em 1900, podem ter sobrado só 10%. O pesquisador Callum Roberts, da Universidade de York, na Inglaterra, autor do livro The Unnatural History of the Sea (“A História Não Natural do Mar”, sem edição em português), alerta para outro problema grave: estima-se que um quarto a um terço de criaturas marinhas seja capturado acidentalmente a cada pesca de arrasto e jogado de volta ao mar, já morto ou morrendo. A ONU vem tentando, sem sucesso, tornar o arrasto ilegal em alto-mar. “O arrasto é um meio muito rentável de pegar peixes, camarões, lagostas. Duvido que ele vá acabar”, diz Worm.
O que também não deve acabar é outra burrada na gestão de nossos recursos marítimos, a pesca fantasma. Quando uma rede é perdida no mar, ela continua pescando sozinha, só que para ninguém comer. Vai afundando e carregando peixes e crustáceos, até ficar cheia e aterrissar no fundo. “Alguns jogam bolas de redes velhas ao mar para atrair atuns e não recolhem de volta”, diz o cientista Charles Moore, criador da Fundação Algalita de Pesquisa Marinha, instituto californiano que se dedica a medir os impactos do lixo plástico nos oceanos. “As redes fantasmas matam 100 mil mamíferos marinhos por ano só no Pacífico Norte”, afirma Moore.
Se desgraça pouca é bobagem, o que podemos esperar de impactos no dia-a-dia? No mínimo, uma mudança de dieta. Você já comeu água-viva? Bem, talvez daqui a 50 anos você se acostume com a idéia. No passado, os oceanos eram dominados por batalhões de tubarões, bacalhaus e peixes-espada – predadores que comiam peixes menores e que estão sendo dizimados. Com isso, muitos ecossistemas tiveram um boom desses peixinhos que eram suas presas, e também de invertebrados, criaturas filtradoras e comedoras de plâncton. São elas que estamos pescando mais hoje, segundo Daniel Pauly, cientista da Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá. Depois de estudar as estatísticas de pesca entre 1950 e 1994, Pauly publicou um artigo-bomba em que afirma: “Estamos comendo hoje o que nossos avós usavam como isca”. Ele previu que, nesse ritmo, acabaríamos almoçando águas-vivas e jantando plâncton.
Sopão de plástico
O mar virou a grande lixeira do planeta. Para sumir com todo o lixo, só comendo.
Imagine um prato de sopa à sua frente, daqueles caldos cheios de pedacinhos de legumes diferentes. Só que para cada pedaço de legume boiando há outros 6 pedaços de plástico. Você seria capaz de comer tudo sem mandar para dentro ao menos uma bolinha de plástico-bolha? O albatroz e a tartaruga-marinha, que se alimentam de moluscos, medusas e algas no grande sopão dos oceanos do mundo, não conseguem. Comem os alimentos e engolem junto o lixo sólido que flutua no mar. O mais comum é morrerem de desnutrição, com o estômago que, de tão entulhado, fica incapaz de ingerir ou absorver nutrientes.
A cena de uma necropsia no estômago de um albatroz mostrada num vídeo do YouTube é tão contundente que já devia ter virado campanha anti-saquinho de supermercado. Com o bisturi, a bióloga cutuca e tira de dentro do bicho duas mãos cheias de lixo: 5 tampinhas de garrafa, 1 caneta, 1 pedaço de tela e até 1 escova de roupa! São os chamados entulhos marinhos, pedaços de lixos sólidos levados pelas correntes desde a Antártida até a Groenlândia e que vitimaram até agora 267 espécies da fauna marinha, segundo o Greenpeace. Em todo o mar, 60 a 80% desse lixo é plástico. E essa sopa com 6 nacos de sujeira para cada 1 de legume – quer dizer, de zooplâncton – existe de verdade num canto do planeta.
Ela é feita de 3,5 milhões de toneladas de lixo sólido, que se espalha por uma área pouco maior que o estado de Minas Gerais, a meio caminho entre a Califórnia e o Havaí. É o chamado Grande Lixão do Pacífico. Não, ninguém teve a insanidade de despejar conscientemente o entulho lá. Foram as próprias correntes marinhas que carregaram tudo para um tipo de redemoinho, os vórtices, onde eles ficam presos e se concentram cada vez mais. Esses vórtices existem em vários lugares dos oceanos. Mas nenhum é tão entulhado quanto o Grande Lixão.
A descoberta dele, em 1997, pelo cientista Charles Moore, levou os ecologistas a fazer campanhas mais agressivas contra a poluição plástica, em comparação com outras grandes fontes poluidoras dos oceanos, como os vazamentos de petróleo e o despejo de esgoto e de fertilizantes. O problema do plástico é que ele não é biodegradável. Ou seja, a ação da natureza sobre ele não o quebra em elementos simples – como o papel, que se reduz a água e CO2 quando decomposto. Ele só é quebrado pela luz do Sol, muito lentamente (algo como 450 anos para uma garrafinha de água), em pedaços cada vez menores, mas sempre polímeros plásticos.
Ainda não estamos comendo plástico, como os albatrozes. Mas não podemos evitar a ingestão das toxinas do plástico. Um pedaço de plástico tem uma carga tóxica dezenas de milhares de vezes maior que a da água salgada onde bóia. Quando vários deles são ingeridos pelo zooplâncton, a carga suja nessas criaturas aumenta, assim como nos peixes que as comem, nas focas que comem peixes e no urso que come a foca. Estudos feitos na Noruega mostraram que um urso-polar pode ter no organismo contaminação 3 bilhões de vezes mais alta do que a água ao redor dele.
Por conclusões assim, a Suécia, em 1995, começou a recomendar que as mulheres em idade fértil limitassem o consumo de arenque e salmão do Báltico – e olha que arenque e salmão são o feijão com arroz deles. Análises químicas mostraram que eles estavam muito contaminados com substâncias chamadas disruptoras endócrinas. Em peixes, elas causam hermafroditismo. Em humanos, câncer, aumento da próstata e puberdade precoce, entre outros distúrbios.
E, se o oceano virou um enorme lixão, a culpa não é de como ocupamos o mar, mas do que fazemos na terra. O cálculo mais aceito é que 80% da poluição dos mares é produzida no continente. Do esgoto ao sapato largado no bueiro. “O oceano fica num nível mais baixo do que qualquer lugar no planeta. O entulho plástico não vem só da costa, mas dos estados do interior, do escoamento dos rios”, diz o cientista Charles Moore. “O oceano é o destino final de todo o nosso lixo.”
Passageiros clandestinos
Os porões de 100 mil navios cargueiros são uma ameaça à biodiversidade.
O tráfego naval é outro fator que está levando a biodiversidade marinha à ruína. Noventa por cento das mercadorias comercializadas entre os países são transportadas por navios. A frota mundial de cargueiros chega a quase 100 mil. Para os nossos padrões rodoviários, até que não é muito: é um quinto dos carros que deixam São Paulo rumo ao litoral num feriado prolongado. Além disso, os grandes cargueiros não despejam na atmosfera nem metade do dióxido de carbono que os caminhões de nossas estradas. Mas, então, por que os navios são tão ruins? Porque seu impacto ambiental não se mede só pela poluição que ele gera mas pela quantidade de vida que carrega.
A flotilha de cargueiros do planeta transporta, além de seus contêineres, algo entre 7 mil e 10 mil espécies de criaturas marinhas todos os dias. Algumas viajam grudadas no casco, enquanto outras vão nadando nos 10 bilhões de toneladas de água de lastro levadas nos porões dos navios. Estima-se que, a cada 9 semanas, uma dessas espécies se instala de vez em um ecossistema novo. E se dá muito bem por lá – o que causa uma confusão dos infernos na comunidade local.
Uma das conseqüências dessas viagens clandestinas teriam sido as 10 mil mortes por cólera na América do Sul – os primeiros casos da doença aconteceram na região dos portos, e os vibriões podem ter viajado pela água de lastro vinda de áreas endêmicas. Nos EUA, o problema é o mexilhão-zebra, originário de lagos da Rússia e que infestou 40% das vias navegáveis internas do país. O bicho se reproduz vertiginosamente e se incrusta em tudo o que é superfície dura – de cabos de internet submersos a pontes –, contamina tubulações de água potável e entope filtros dos sistemas de arrefecimento industriais. E gerou gastos com medidas de controle de até US$ 1 bilhão entre 1989 e 2000. Os animais marinhos também sofrem: no mar Negro, a água-viva filtradora Mnemiopsis leidyi se espalhou assustadoramente, comendo os estoques de plâncton e matando de fome crustáceos e peixes.
Você deve estar se perguntando por que os navios precisam carregar essas criaturas. Funciona assim: quando um cargueiro sai vazio ou meio cheio do porto, ele tem que armazenar água do mar em tanques, para ter a mesma estabilidade (o chamado lastro) de quando está com carga completa. Chegando ao porto de destino, ele esvazia os tanques enquanto carrega as mercadorias. E essa água vem misturada a areia, pedras, mexilhões, plâncton, peixes, bactérias, vírus. Toda a turma cabe lá dentro porque quase toda espécie marinha tem em seu ciclo de vida uma fase planctônica, em que é minúscula.
Em 2004, uma convenção internacional da Organização Marítima Internacional (IMO, na sigla em inglês) estabeleceu parâmetros de gerenciamento das águas de lastro para cargueiros. Apesar de ainda não ter entrado em vigor, já induziu leis nacionais, como no Brasil, a exigir a troca da água de lastro em alto-mar (evitando a invasão nas regiões costeiras). Sistemas de filtração conseguem impedir a entrada de organismos maiores nos tanques de lastro, alguns tratamentos de aquecimento da água ou supersaturação de gás podem matar boa parte dos organismos ali dentro – mas não vírus, bactérias e protozoários. Enfim, não existe um método totalmente eficaz de eliminação dos invasores. E nem há o que fazer contra mexilhões e larvas que se prendem ao casco dos barcos.
Enquanto isso, a indústria naval promete dobrar sua frota até 2025. Os navios vão promover uma globalização que vai além de uniformizar as marcas nas prateleiras dos supermercados: a globalização dos ecossistemas submersos.
Um cemitério de corais
A cada ano, os oceanos ganham um deserto do tamanho do estado do Texas.
Na nossa cabeça, algumas convicções parecem sagradas: desertos são secos, recifes de corais são coloridos e ostras têm casca grossa. Pois no mundo de ponta-cabeça das mudanças climáticas, alguns conceitos precisam ser revistos. O primeiro contra-senso nada tem a ver com o clima, é apenas ignorância nossa mesmo. É que o oceano sempre teve os seus desertos. São 5, todos em alto-mar – o maior deles no Pacífico Sul. Assim como na terra, são lugares de pouquíssima fotossíntese, quase sem fitoplâncton, e que por isso não abrigam muita vida. O problema é que o mundo está ganhando cada vez mais desertos de água. Um estudo do oceanógrafo americano Jeff Polovina estimou que, em 10 anos, 6,6 milhões de km2 de área produtiva dos mares viraram desertos. Ele usou imagens de satélites que enxergam a “cor” do oceano (preto é o deserto, azul é mais produtivo e verde tem fitoplâncton abundante). E as manchas “pretas” se expandiram à velocidade de um estado do Texas por ano.
De quem é a culpa? De gases do efeito estufa. A água do mar está mais quente. Assim, “a ressurgência [fenômeno em que as águas frias e profundas, ricas em nutrientes, sobem à superfície] está diminuindo, porque é mais difícil para a água fria se misturar a águas superficiais, que são quentes e leves”, explica Jeremy Jackson, um dos mais influentes ecologistas marinhos da atualidade. Isso afeta o suprimento de nutrientes na superfície e mata o fitoplâncton.
A segunda informação supreendente é que a Grande Barreira de Corais australiana – aquela pirotecnia de cores e peixes e tartarugas-marinhas que é a única estrutura viva do planeta que pode ser vista do espaço – está ficando branca. Ou melhor, pálida. E não só ela mas todos os recifes de corais da Terra. De novo, a culpa é dos mares quentes. Eles fazem os corais sofrer, se contrair e começar a sufocar as algas que vivem em simbiose dentro deles – dando a sua cor e seu alimento. As algas então liberam toxinas para forçar o coral a expulsá-las. Então eles ficam brancos e doentes. Se a temperatura continua quente e há outros desequilíbrios ao redor, os corais morrem.
A terceira aberração é que as ostras, mexilhões e caranguejos podem começar a perder a sua concha. Ou tê-la mais quebradiça. Basicamente porque o oceano absorve de 30 a 50% do CO2 que jogamos na atmosfera, e isso reage com a água, formando ácido carbônico. Os mares estão mais ácidos. Já perderam 0,1 unidade do seu pH, que pode cair mais 0,5 até 2100, segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Tanto ácido pode corroer a concha de ostras, mariscos e mexilhões. O plâncton calcário também vai sofrer, o que desequilibra cadeias alimentares inteiras – incluindo estoques pesqueiros. Por fim, o ácido deve seqüestrar os carbonatos da água, substâncias que são usadas pelos corais para calcificar seu esqueleto.
Recifes de corais são os sistemas mais vulneráveis ao exagero da emissão de carbono na atmosfera. Isso tem desesperado os cientistas. Corais estão para o mar como as florestas tropicais estão para a terra: são campeões de biodiversidade. Tais como as florestas, acredita-se que possam guardar tesouros em termos de substâncias potencialmente curadoras de doenças. Pelo menos dois remédios largamente utilizados por humanos – o AZT, coquetel contra o vírus da aids, e o Acyclovir, que combate o herpes – são derivados de componentes encontrados pela primeira vez em esponjas do mar. E a possibilidade de perder de vez essas riquezas antes mesmo de descobri-las não é pequena. “No Caribe, a cobertura viva de corais já caiu de uma média de 55% em 1977 para 5% em 2001, enquanto as macroalgas que os substituem aumentaram de 5 a 40%”, afirma Jackson. “Nas últimas décadas, a quantidade de corais vivos no mundo diminuiu entre um terço e mais de dois terços”, diz o ecologista marinho.
Enquanto não enxergarmos o que acontece nos oceanos, não vamos protegê-los. Dados da Organização Mundial do Turismo mostram que 80% do turismo mundial se concentra no litoral, sendo praias e recifes de corais nossos principais objetos de desejo. Talvez a esperada viagem de mergulho a Abrolhos ou a Fernando de Noronha seja a ficha que falta cair para percebermos que o ecossistema marinho tem um equilíbrio delicado. E que, enquanto bagunçamos todos esses ecossistemas e fazemos pesquisas para descobrir como reverter os estragos, os corais vão silenciosamente perdendo a cor. Os bacalhaus da região de Grand Banks, a leste do Canadá, no oceano Atlântico, não estão conseguindo regenerar sua população, mesmo com o fim da pesca comercial. Mais plástico se acumula no estômago dos albatrozes e as 175 espécies exóticas já instaladas na área que mais sofre com esse problema no mundo – a baía de São Francisco, nos EUA – causam prejuízos bilionários. O bom senso pede que tentemos salvar com urgência esse mundo invisível. Mas ele mostra que não veio com manual de conserto: ninguém sabe bem o que ainda está a tempo de ser salvo.
A próxima fronteira
• Conhecemos melhor o solo da Lua do que o fundo do mar, dizem os ecologistas. Nossa última fronteira são as águas profundas: entre 200 e 7 mil metros submarinos.
• Elas são 90% do volume dos oceanos e podem abrigar até 100 milhões de espécies – mais do que em todo o resto do planeta.
• A essa profundidade, não há luz para sustentar o fitoplâncton. Portanto, só animais e bactérias circulam.
• Até os 1 000 metros ainda há um lusco-fusco. Abaixo disso, a escuridão é total. Faz frio, de até 3 oC.
As fazendas marinhas
• Uma solução encontrada para amenizar o declínio dos estoques de pesca é a aqüicultura, as fazendas marinhas. São hoje o setor da indústria alimentícia que mais cresce no mundo.
• Bem manejadas, as fazendas marinhas podem até aliviar a pressão sobre o oceano. Delas já saem 30% dos frutos do mar que comemos – salmão, truta, bacalhau, camarão.
• No Brasil, os criadores de camarão desmatam e poluem imensas áreas de mangues preservados. Criadouros de salmão do Canadá sofreram uma explosão de parasitas que infestou o mar aberto e as populações selvagens.
Seres muito estranhos
• As criaturas monstrengas das profundezas têm dentes ou olhos desproporcionais, protuberâncias que brilham no escuro, dimensões assustadoras – um tipo de água-viva chega a 40 metros de comprimento (algo como 13 andares)!
• Normalmente, esses seres vivem de restos caídos das águas de cima. Vivem muito tempo e deslocam-se e reproduzem-se com mais lentidão que os de superfície – por isso suas populações sofrem muito mais impacto com a sobrepesca.
• Já comemos animais dessas profundezas. Por exemplo, o feioso olho-de-vidro, que nada a até 1 800 metros de profundidade, vive 150 anos e não procria antes dos 30 – por isso pescá-lo comercialmente é tão pouco sustentável.
60% da população mundial vive a até 60 km da costa, a região mais impactada pela ação humana.
80% do turismo mundial acontece no litoral. Praias e corais são as atrações mais procuradas.
9 semanas é o tempo que uma espécie marinha exótica leva para se instalar de vez em um novo ecossistema.
7 mil a 10 mil espécies marinhas por dia viajam o mundo no casco ou com a água de lastro de navios.
175 espécies exóticas invasoras vivem na baía de São Francisco, nos EUA.
6,6 milhões de quilômetros quadrados de mar viraram desertos nos últimos 10 anos.
200% foi o aumento da quantidade de lixo plástico nas águas do Pacífico na última década.
40% do CO2 que jogamos na atmosfera é absorvido pelos oceanos.
Para saber mais
The Unnatural History of the Sea
Callum Roberts, Island Press, 2007.
The End of the Line
Charles Clover, University of California Press, 2007.