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Black das Blacks: Super com preço absurdo

“Bruxas da Noite”: as pilotos soviéticas que bombardeavam a Alemanha de madrugada na 2ª Guerra

Nazista nenhum dormia enquanto elas estavam por perto.

Por Victor Bianchin
25 nov 2025, 13h17

Em 1936, a União Soviética aprovou sua nova Constituição, apelidada mundo afora de Constituição Stalinista em homenagem ao seu principal autor, Josef Stalin. Entre suas principais mudanças estava a inclusão das mulheres como detentoras de direitos iguais aos dos homens em todas as esferas da vida social, política e econômica.

Em parte, essa mudança vinha dos princípios marxistas de coletivismo e igualdade pregados por Lênin, morto em 1924. Mas havia, também, um fator estratégico: após as fortes perdas civis e militares durante a 1a Guerra Mundial (entre 2 e 3 milhões de soviéticos morreram), as mulheres eram necessárias na luta armada que se desenhava contra a Alemanha nazista.

Muitas dessas esposas, filhas e mães deixaram a vida doméstica e foram trabalhar na indústria, no comércio e no transporte. A partir de 1939, quando a lei militar passou a permitir, outras delas foram para o exército, atuando como médicas, enfermeiras, operadoras de comunicação e, eventualmente, soldados. Não é que o machismo tenha acabado do dia para a noite: é que, sem a ajuda delas, a União Soviética não teria chance nenhuma.

Quando a 2a Guerra Mundial estourou, em 1939, Hitler e Stalin tinham um acordo de não-agressão, o Pacto Molotov–Ribbentrop, assim batizado em homenagem aos ministros que o assinaram. A Alemanha manteve o pacto até junho de 1941, quando bombardeou a parte oeste do território soviético, dando início ao combate entre as duas potências.

Foi um ano terrível para Stalin: mal treinado e mal equipado, seu exército perdia 19 mil soldados por dia. Alguma coisa precisava ser feita.

Surgem as bruxas

Desde 1923, a União Soviética vinha criando uma tradição aérea com organizações paramilitares e clubes de voo onde jovens eram treinados para pilotar, combater e fazer manutenção de equipamento. Em 1941, um quarto desses pilotos treinados eram mulheres. A misoginia era forte: mesmo tendo um desempenho tão bom quanto o dos homens, muitas dessas profissionais eram relegadas a posições de segundo plano.

Entre as vozes que protestavam sonoramente contra esse tratamento estava a de Marina Raskova, conhecida como a Amelia Earhart da União Soviética. Uma das melhores pilotos do país, ela pediu ao governo que criasse unidades aéreas “formadas com mulheres pilotos voluntárias”. Seu pedido ecoou na sociedade soviética e o governo passou a receber cartas de outras cidadãs que apoiavam a medida.

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Com Berlim se aproximando mais e mais, o Kremlin, sem muita opção, acabou aprovando a iniciativa. O histórico exemplar de Raskova e o fato de ela ter acesso a Stalin (o líder político era fã dela) são fatores que podem ter desempenhado um papel significativo na aprovação final.

Em outubro de 1941, a União Soviética estabeleceu seus três novos regimentos aéreos, todos compostos exclusivamente por mulheres: o 586º de Caças, o 587º de Bombardeiros de Mergulho e o 588º de Bombardeiros Noturnos. Raskova foi promovida ao posto de major e supervisionou a criação de cada um deles, bem como o treinamento de suas integrantes. Uma figura influente, seu nome foi suficiente para que muitas colegas aviadoras (e algumas amigas próximas) atendessem ao chamado.

A maioria das mulheres que se juntaram ao regimento após o pedido inicial de Raskova já havia sido treinada pela Osoaviakhim (organização paramilitar) ou eram instrutoras conceituadas de diversos aeroclubes. As voluntárias que não tinham qualificação para voar foram incorporadas como mecânicas, pessoal de apoio e aprendizes de piloto.

A vida no front

Ao chegarem, as mulheres eram obrigadas a cortar o cabelo dois dedos acima da linha da orelha — um sacrifício da feminilidade em nome da praticidade. Elas recebiam menos comida que os homens e tinham alojamentos menos equipados para lidar com o frio brutal do inverno.

“Não usávamos meias, apenas panos para os pés — grandes panos parecidos com ataduras. Tínhamos que adaptar nossos uniformes na costura; eram uniformes masculinos e não serviam… No café da manhã, comíamos um pedaço de pão seco. Trabalhávamos tanto, dormíamos tão pouco e comíamos tão pouco que, enquanto eu trabalhava, lágrimas corriam pelo meu rosto”, relatou a tenente sênior Mariya Akilina em suas memórias.

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O treinamento também era brutal: um curso de aviação que deveria durar três anos precisava ser ensinado em três meses e meio. As voluntárias aprendiam a pilotar, navegar, bombardear, lutar corpo a corpo e a pular de paraquedas, sempre sob a supervisão de Raskova.

Na calada da noite

Cerca de 400 voluntárias entraram para o 588º regimento, o de bombardeiros noturnos. Como não havia dinheiro para aeronaves sofisticadas, tudo que elas tinham a seu dispor eram os Polikarpov Po-2, pequenos aviões de madeira usados para espalhar pesticida. Apesar das limitações, eles eram silenciosos e pequenos demais para serem detectados por infravermelho ou radar. Como não tinham rádio, eram indetectáveis por rastreadores também.

Cada avião abrigava duas pessoas (uma piloto e uma navegadora) e duas bombas. Por causa do peso das bombas, as aeronaves só conseguiam voar baixo, a no máximo 1.200 metros de altitude, o que obrigava suas missões a serem noturnas, para dificultar a detecção.

De madrugada, essas aeronaves partiam em suas missões furtivas, procurando pontos estratégicos ao longo da frente oriental. De acordo com a historiadora Lyuba Vinogradova, os ataques eram muito rápidos e sucessivos: “a cada quatro minutos, um avião partia, bombardeava o alvo e iniciava sua volta, com outra aeronave assumindo seu lugar”.

Ao se aproximarem do inimigo, elas desligavam os motores, de modo que só se ouvia o deslizar do ar sobre as asas, como se fosse uma ventania. As bombardeiras ganharam dos alemães o apelido de “Die Nachthexen”, ou “Bruxas da Noite”, porque suas aeronaves de madeira eram comparadas a vassouras, enquanto suas táticas davam a impressão de que podiam aparecer e desaparecer sem deixar rastro.

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As mulheres realizavam de oito a dezesseis missões por noite, cada uma com duração de 30 a 50 minutos. Geralmente, atacavam em duplas: enquanto o primeiro avião atingia as luzes de busca que apontavam para o céu, o segundo atingia o alvo principal. Devido a essa rotina, elas descansavam durante o dia e trabalhavam à noite, obrigando o inimigo a ficar alerta nesse horário. Inclusive, atrapalhar o sono dos nazistas era parte da sua missão.

Nem sempre dava certo: às vezes, os inimigos as avistavam. Nadezhda Popova, uma das mais famosas Bruxas da Noite, certa vez retornou de uma missão com 42 buracos de bala em seu avião. 32 integrantes das Bruxas da Noite foram mortas em serviço, incluindo Marina Raskova.

De junho de 1942 a outubro de 1945, as Bruxas da Noite realizaram aproximadamente 23.672 missões de combate, totalizando 28.676 horas de voo, e lançaram mais de 3.000 toneladas de bombas e 26.000 projéteis incendiários. Danificaram ou destruíram 17 travessias de rios, 9 ferrovias, 2 estações ferroviárias, 26 armazéns, 12 depósitos de combustível, 176 carros blindados, 86 posições de tiro preparadas e 11 holofotes. Além disso, realizaram 155 lançamentos de suprimentos com alimentos e munições para as forças soviéticas.

Elas prestaram apoio aéreo a muitas das campanhas da frente oriental, incluindo a batalha de Stavropol, a defesa do Cáucaso do Sul, a libertação de Novorossiysk e a libertação de Gdańsk, bem como operações nas ofensivas da Crimeia e da Bielorrússia. Suas campanhas de bombardeio também auxiliaram as forças armadas soviéticas na conquista de Stalingrado (atual Volgogrado).

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Após a guerra

Ao longo da guerra, o 586º e o 587º regimentos acabaram incorporando homens também, mas o 588º permaneceu exclusivamente feminino, um motivo de orgulho para suas integrantes. Em 1943, as Bruxas da Noite se tornaram oficialmente o Quadragésimo Sexto Regimento de Aviação de Bombardeio Noturno da Guarda, uma distinção importante em comemoração a seus feitos.

Em setembro de 1945, a Segunda Guerra acabou. Em outubro, o regimento foi oficialmente dissolvido e as mulheres foram imediatamente diminuídas novamente na hierarquia civil e militar: elas não puderam nem sequer participar do desfile de vitória da União Soviética.

“Havia sido vantajoso recorrer às milhares de mulheres com habilidades mecânicas, técnicas e médicas na União Soviética quando a situação era crítica, mas uma população feminina mobilizada era considerada uma ameaça à sociedade soviética. Mais de oito milhões de soldados do Exército Vermelho haviam perecido nas mãos das forças nazistas e as taxas de natalidade em todo o país haviam caído drasticamente devido ao número de homens enviados para a frente de batalha. Assim, o Kremlin precisava que as mulheres voltassem a ter filhos em vez de continuarem lutando”, afirma a historiadora Elizabeth Franken.

A história das Bruxas da Noite permaneceu obscurecida por décadas até que, em anos mais recentes, os relatos sobre seus feitos e suas participantes começaram a emergir. Reconhecida ou não, a bravura do 588º regimento, assim como sua técnica e sua resiliência, foram essenciais na vitória soviética durante a Segunda Guerra Mundial.

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