A ameaça dos ultraprocessados
Eles já correspondem a um quarto das calorias que comemos. Estão relacionados a diversas doenças, como ansiedade, depressão e 25 tipos de câncer. E matam 57 mil pessoas por ano só no Brasil. Entenda como a indústria alimentícia manipula nosso paladar e nos vicia em produtos nocivos.
Qual foi a última coisa que você comeu? Há boas chances de que tenha sido algo ultraprocessado – ou seja, que é o resultado de uma sequência de técnicas industriais, com a adição de ingredientes artificiais, substâncias que modificam o sabor e processos que alteram as propriedades físicas e químicas do alimento.
Os ultraprocessados já correspondem a 25% de todas as calorias consumidas no Brasil, de acordo com um estudo do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens) da USP (1).
É bastante coisa, e está aumentando: há apenas seis anos, 19,6% das calorias que ingerimos vinham dos ultraprocessados. Em outros países, o cenário é ainda mais impressionante: nos EUA, 55,5% das calorias consumidas pela população vêm de ultraprocessados (2); na Inglaterra, são 56,8%, e no Canadá, 48%.
Os ultraprocessados conquistaram o mundo porque custam pouco e, embora não sejam exatamente deliciosos, costumam ter altos níveis de sal, açúcar e gordura, três ingredientes extremamente atraentes para o paladar humano. Mas eles também têm outro lado: podem estar relacionados a uma série de doenças.
O consumo de ultraprocessados está associado a maior risco de 25 tipos de câncer, como descreveu um levantamento que acompanhou 521 mil pessoas, de 10 países europeus, ao longo de uma década (3).
Esse (mau) hábito alimentar também está relacionado a depressão, ansiedade e declínio cognitivo, como apontou um relatório (4) produzido pela ONG americana Sapien Labs.
Ao avaliar a rotina alimentar e o estado de saúde de quase 300 mil pessoas em 70 países, ela concluiu que 53% das pessoas que se alimentam de ultraprocessados várias vezes ao dia relatam sofrer de problemas relacionados à saúde mental – contra 18% dos entrevistados que raramente procuram por este tipo de comida.
Os danos são generalizados. “No geral, foram encontradas associações diretas entre a exposição a alimentos ultraprocessados e 32 parâmetros de saúde que abrangem mortalidade, câncer e resultados de saúde mental, respiratório, cardiovascular, gastrointestinal e metabólico”, resumem especialistas de diversas instituições importantes, incluindo a Universidade Johns Hopkins, a Universidade de Sydney, e a Universidade Sorbonne, em um trabalho (5) que avaliou 45 outros estudos sobre alimentos ultraprocessados, envolvendo 9,9 milhões de pessoas ao todo.
Essa análise apontou que a maior ingestão de ultraprocessados está associada a um aumento de 50% no risco de morte por doenças cardiovasculares, de 48% a 53% mais risco de desenvolver transtornos mentais, e 12% mais probabilidade de sofrer diabetes tipo 2.
Tem mais. Os ultraprocessados causam 57 mil mortes prematuras por ano no Brasil, como estima um estudo (6) elaborado por pesquisadores da USP, da Fiocruz, da Unifesp e da Universidade de Santiago (Chile).
É isso mesmo. Eles matam mais gente, a cada ano, do que os acidentes de trânsito (que vitimam em torno de 30 mil pessoas), ou os homicídios (39.500 mortes no ano passado).
Como isso pôde acontecer? Em que momento a sociedade passou a achar corriqueiro comer alimentos que fazem tão mal? A história é surpreendente.
Os quatro grupos
Até 2009, o conceito de alimentos ultraprocessados sequer existia. Havia, é claro, estudos apontando para os malefícios da ingestão excessiva de sal, de açúcares ou de gorduras.
Mas eles costumavam se orientar pela divisão tradicional entre grupos alimentares (como grãos, hortaliças, carnes e leites) e seus respectivos teores de proteínas, lipídios e carboidratos.
Foi quando um professor e pesquisador brasileiro, Carlos Monteiro, propôs a utilização do termo “ultraprocessados” em uma carta (7) publicada pela revista científica inglesa Public Health Nutrition. Monteiro conhecia a fundo o tema: ele havia fundado o Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens), da USP, em 1990.
Aquele conceito trazia consigo uma nova abordagem: avaliar a comida levando em consideração a forma como ela foi produzida. Em 2010, Monteiro deu o passo seguinte, e propôs uma organização das comidas em quatro categorias. A escala começa nos alimentos in natura, como frutas e legumes, e vai até os ultraprocessados [veja quadro abaixo].
Estes últimos podem ser muito diferentes entre si, mas têm características em comum: costumam incluir corantes, aromatizantes, emulsificantes e espessantes, têm sabor intenso e não possuem o objetivo de saciar o apetite – o que leva as pessoas a continuar consumindo.
É, portanto, uma definição ampla, que engloba desde refrigerantes e sucos que simulam o sabor de frutas até salsichas, salgadinhos, presunto, macarrões instantâneos, iogurtes e pães industrializados.
“São comidas que passam por muitos processos industriais, incluindo a fragmentação de alimentos inteiros para obtenção de carboidratos, gorduras e proteínas, a modificação química e física dessas substâncias e o uso de aromatizantes, corantes e outros aditivos, que alteram cor, sabor e cheiro (aditivos cosméticos) ou adição de substâncias de uso não culinário, como emulsificantes”, explica Eurídice Martínez-Steele, epidemiologista e pesquisadora do Nupens.
“São formulados para serem hiperpalatáveis [muito gostosos, de um jeito que não é encontrado na natureza], numa lógica de produção que transforma comida em mercadoria.”
A divisão dos alimentos em quatro categorias foi batizada por Monteiro de Nova. “Ela não enxerga os alimentos pela ótica dos nutrientes. Considera outros fatores que podem afetar a saúde, como a matriz [origem] dos alimentos, ou a presença de aditivos cosméticos e substâncias de uso não culinário”, explica Martínez-Steele.
“Contudo, os alimentos ultraprocessados, além de conterem aditivos cosméticos e substâncias de uso não culinário, tendem a ser ricos em nutrientes com pouco valor nutricional como sódio, gordura saturada e açúcar, e pobres em fibra.”
Os pesquisadores do Nupens contribuíram de forma decisiva para a publicação, em 2014, de uma revisão do “Guia alimentar para a população brasileira” (8), um documento do Ministério da Saúde que serve de referência sobre hábitos alimentares.
“A classificação Nova assume que a extensão e o processamento a que os alimentos são submetidos determinam não apenas seu conteúdo em nutrientes mas também outros atributos, que podem influenciar o risco de obesidade e de várias outras doenças”, diz Kelly Alves, coordenadora-geral de Alimentação e Nutrição do Ministério da Saúde.
Em suas recomendações sobre alimentação, a pasta adota a “regra de ouro” preconizada no guia: “Prefira sempre alimentos in natura ou minimamente processados e preparações culinárias a alimentos ultraprocessados”.
Por influência do Ministério, em março deste ano o governo federal decidiu alterar a composição da cesta básica.
Os ultraprocessados praticamente desapareceram da lista: saíram itens que antes faziam parte do pacote, como biscoitos recheados, macarrões instantâneos, molhos prontos e misturas para bolo.
Há também um debate, no âmbito da reforma tributária, sobre a taxação sobre os ultraprocessados. “Fabricados com ingredientes baratos, e de escasso valor nutritivo, esses alimentos conseguem ser mais acessíveis”, diz Martínez-Steele.
Muitas vezes, eles custam menos do que a comida saudável, in natura. Por isso, há quem defenda que os ultraprocessados devam pagar mais impostos – para estimular a população a evitá-los.
A classificação Nova ganhou o mundo, e passou a fazer parte das pesquisas sobre alimentos. “Nosso guia alimentar influenciou muitos países e se tornou referência. O Brasil é pioneiro no debate sobre o consumo exagerado de produtos que são feitos para durar na despensa, mas fazem muito mal à saúde”, afirma a nutricionista Vanille Valério Barbosa Pessoa Cardoso, diretora da Associação Brasileira de Nutrição (Asbran).
Apesar disso, a Nova não é um consenso. Ela recebe críticas de profissionais de engenharia de alimentos – e, como era de se imaginar, da própria indústria.
“Uma classificação que abrange tantos alimentos diferentes é inútil. Além disso, existe por trás desse conceito um desconhecimento sobre como a indústria de alimentos trabalha: ela replica, em larga escala, o que se faz em casa. O processamento nasceu para dar mais segurança ao produto”, afirma João Dornellas, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia), que reúne 37 mil empresas do setor – elas processam 58% de tudo o que é produzido no campo.
“Os aditivos utilizados pela indústria são todos aprovados pela Organização Mundial da Saúde e pelas agências reguladoras, como a Anvisa. São seguros”, acrescenta ele. Mas e a obesidade? “É um dos maiores problemas de saúde hoje, e a indústria se vê como parte da solução”, argumenta.
É fato que existem grandes diferenças entre os ultraprocessados. Um iogurte adoçado, por exemplo, é muito mais saudável do que uma lasanha congelada – mas ambos se enquadram na categoria de ultraprocessados. Por outro lado, definições à parte, não é difícil saber o que faz mal ou não.
Truques industriais
A humanidade processa alimentos pelo menos desde que inventou o fogo. Lavar e selecionar os melhores frutos de uma árvore, ou descascá-los antes de comer, não deixa de ser uma forma de alterá-los, ainda que minimamente.
Mas, com os ultraprocessados, a indústria foi muito mais longe: criou produtos que em nada parecem com comida de verdade. Eles são descaracterizados a tal ponto que dependem de “mentiras sensoriais”, ou seja, seriam intragáveis sem o uso intensivo de aromatizantes, edulcorantes e outros aditivos de sabor.
Foi pensando assim que o médico britânico Chris van Tulleken, professor da University College London, resolveu fazer um experimento: preencher 80% da sua dieta com alimentos ultraprocessados. E relatou o resultado em um livro, Ultra-Processed People (“Pessoas Ultra-Processadas”, não lançado no Brasil).
Ele conta, no livro, que decidiu fazer a experiência quando percebeu que um sorvete de pistache que havia comprado para a filha, de três anos, estava demorando muito para derreter.
Leu o rótulo e descobriu que o produto continha açúcar, proteína e lecitina de soja, óleo de coco, óleo de girassol, dextrose, leite em pó desnatado, estabilizantes (goma de alfarroba, goma guar, carragenina), emulsificantes (mono e diglicéridos de ácidos graxos) e até mesmo sal.
Sal no sorvete? Os alimentos ultraprocessados estão cheios de misturas estranhas. E isso tem uma explicação: economia. “Tortas, frango frito, pizza, manteiga, mistura para panqueca, pastéis, molhos, maionese – tudo isso começou como comida de verdade. Mas as versões não-ultraprocessadas são caras, então seus ingredientes são frequentemente substituídos por alternativas baratas, por vezes totalmente sintéticas”, escreve Tulleken.
Também há outro fator por trás da alquimia industrial: os produtos precisam durar muito. “O conservante deixa um gosto ruim. Então a indústria coloca sal e açúcar para disfarçar o sabor do conservante”, explica Cardoso, diretora da Asbran.
E, além de fazer mal à saúde, isso tem outro efeito nocivo. “A indústria entrega produtos que comprometem o paladar das pessoas. Depois de um milk-shake muito doce, o gosto de uma maçã perde a graça”, exemplifica ela.
O resultado, no caso de van Tulleken, foi um ganho de peso, seguido de desconforto digestivo e sinais de ansiedade. Pior: ele percebeu que inserir estes alimentos na rotina de casa impactou negativamente sua família, que também passou a ganhar peso e perder o interesse por opções in natura.
Os ultraprocessados escondem uma série de truques. O uso de corantes e saborizantes, por exemplo, deixa algo que é basicamente água com açúcar parecendo um suco de fruta.
O retorno financeiro, como aponta van Tulleken, é dos mais positivos. “Por exemplo, o mercado para espigas de milho é muito pequeno. Mas é possível ganhar mais dinheiro transformando esse alimento em xarope de milho rico em frutose (HFCS), o ingrediente base para a maioria das bebidas doces e um aditivo presente em quase todos os produtos, desde molho de churrasco até torta de maçã congelada.”
Essas técnicas são resultado de um aprendizado acumulado ao longo de décadas. Com o tempo, a indústria foi aprendendo a inserir e manipular ingredientes com propósitos não-nutricionais.
Mas isso, além de fazer mal à saúde, pode ter outra consequência grave: eles podem ser viciantes. Foi o que indicou um levantamento (9) realizado por pesquisadores dos EUA, da Espanha e do Brasil, que analisaram 281 estudos feitos em 35 países.
O trabalho usou a Escala de Dependência Alimentar da Universidade Yale, que inclui 11 critérios diferentes. Concluiu que 14% dos adultos e 12% das crianças são viciadas em alimentos ultraprocessados. São percentuais similares à média mundial de vício em álcool (14%) e tabaco (18%).
A dinâmica cerebral é semelhante, inclusive: esses alimentos são capazes de aumentar a quantidade de dopamina, um neurotransmissor ligado a sensações de prazer e bem-estar. Na falta do estímulo, a dopamina cai. Quando estes produtos são servidos para crianças, então, o dano tende a ser ainda maior.
“O vício também está profundamente enredado na memória, e as memórias que criamos para a comida são normalmente mais fortes e duradouras do que para qualquer outra substância”, afirma o jornalista e escritor americano Michael Moss em seu livro mais recente, Hooked (“Fisgado”, não lançado no Brasil).
Moss é o autor de Sal, açúcar, gordura, que foi publicado em 2013 e se tornou um best-seller mundial, traduzido em mais de 20 idiomas, ao revelar estratégias da indústria alimentícia.
Ele aponta para um fator que sugere que o estímulo ao vício possa ser proposital: a partir do final dos anos 1980, grandes multinacionais do setor de cigarros começaram a adquirir empresas de alimentos. Em muitos casos, o vínculo não foi duradouro e as marcas foram novamente vendidas para outros grupos.
Mas o legado ficou. Como apontou um estudo (10) publicado no periódico científico Addiction, os alimentos produzidos por marcas pertencentes a empresas de tabaco, entre 1998 e 2001, tinham 29% mais probabilidade de conter muita gordura, e 80% mais chance de ter excesso de sódio e carboidratos.
“Intuitivamente, gostamos de doces e, por isso, eles nos deram doces. Os fabricantes de alimentos têm mais de sessenta tipos de açúcar, que acrescentaram a coisas que antes não eram doces”, relata Moss.
“Gostamos de comodidade, e por isso eles nos deram a comodidade de não precisarmos cozinhar. Como evoluímos para gostar de variedade, eles nos deram a ilusão de uma escolha infinita”, escreve Moss, que fez carreira como repórter do New York Times – e teve acesso a documentos internos de gigantes do setor alimentício.
Um exemplo citado por ele em Hooked são relatórios enviados pela Kraft Foods, no final dos anos 1980, para sua proprietária na época, a Philip Morris (produtora dos cigarros Marlboro).
Nesses documentos, a Kraft informava os principais executivos sobre como andavam as vendas, e tentava conseguir dinheiro para novos projetos. “Um desses relatórios, de 1989, assinalava mudanças sociais que estavam alterando a forma como comíamos”, escreve Moss.
O relatório diagnosticava “o aumento do número de mulheres na força de trabalho, a redução no tamanho das famílias, o rápido crescimento da população de idosos, e a perda de importância da refeição familiar tradicional”.
Em seguida, listava as ações tomadas pela Kraft para responder a isso, como descreve Moss: “Ela expandiu sua linha de refeições congeladas para incluir todos os tipos imagináveis de pratos mexicanos e italianos. Acrescentou novas marcas à sua linha de pizzas congeladas. Seguiu nossos hábitos de café da manhã, aumentando a variedade de bagels congelados, e nas sobremesas”.
O resultado, informou a Kraft aos seus proprietários do setor do tabaco, foi um aumento nas vendas de alimentos congelados, uma vez que “a conveniência e a variedade continuam a alimentar este crescimento”.
Hoje a Kraft Foods não pertence mais à Philip Morris (sua maior acionista é a empresa de investimentos Berkshire Hathaway, do bilionário Warren Buffett). Mas os ultraprocessados continuam avançando, produzidos por ela e várias outras multinacionais.
Conseguem fazer isso porque, além de serem baratos e onipresentes, eles talvez possam reconfigurar o cérebro. Isso vai além do vício nesses alimentos, constatado pelas pesquisas – estamos falando de alterações anatômicas.
É o que aponta um estudo (11) publicado em 2021 por cientistas da Universidade da Califórnia (Los Angeles). Os pesquisadores escanearam os cérebros de 150 voluntários obesos, que consumiam grande quantidade de alimentos ultraprocessados, e descobriram que essas pessoas apresentavam uma quantidade anormal de conexões entre o tronco cerebral, que liga o cérebro ao resto do corpo, e o giro orbitofrontal, que é parte do “sistema de recompensa” do cérebro (um conjunto de circuitos neurais que controlam sensações de prazer).
Os autores sugerem que isso pode ser resultado do consumo de ultraprocessados. Porém, é necessário fazer mais estudos antes de
cravar isso.
Mas a ciência já sabe que os alimentos podem influir de maneiras surpreendentes no comportamento dos seres vivos – dos mais simples aos mais complexos.
“Nossos estudos abrangeram desde fungos até macacos. Descobrimos que todos os organismos analisados possuem apetites específicos para pelo menos cinco nutrientes – proteínas, gorduras, carboidratos, sódio e cálcio – e que esses apetites evoluíram para ajudar os animais a navegar em direção a uma dieta equilibrada em ambientes naturais”, afirma o biólogo Stephen Simpson, da Universidade de Sydney, que se especializou em estudar o comportamento alimentar de diversas espécies.
Os humanos também possuem esse instinto, no qual predomina o apetite por proteínas (como acontece em muitas outras espécies, mas não em todas). “Isso significa que uma dieta contendo menos proteína faz com que comamos mais alimentos, para atingir a nossa ‘meta de ingestão’ desse nutriente”, explica Simpson.
Ou seja, quando a proteína é “diluída” na dieta, sobrepujada por gorduras ou carboidratos, nosso apetite por proteínas nos leva a consumir calorias em excesso. “É o que chamamos de ‘alavancagem proteica’: o corpo aumenta o consumo de alimentos e calorias, para tentar manter a ingestão de proteínas num nível alvo”, diz o pesquisador.
Acontece que os alimentos ultraprocessados são pobres em proteínas, ricos em calorias e pobres em fibras (que mantêm o intestino cheio por mais tempo, o que ajuda a controlar o apetite).
“Essa combinação ‘hackeia’ nossos apetites. Somos movidos pela alavancagem das proteínas para consumir um excesso de energia. Isso ocorre porque os ultraprocessados contêm menos proteínas e níveis mais elevados de calorias estranhas na forma de gorduras e carboidratos”, explica Simpson.
Pior ainda: muitos dos ultraprocessados são extremamente palatáveis porque simulam sabores salgados que o corpo associa ao consumo de proteínas. “Existem entre os ultraprocessados muitas ‘iscas proteicas’, alimentos que têm um gosto saboroso [típico das proteínas], mas são simplesmente gorduras e carboidratos.”
Por exemplo: aqueles salgadinhos, macarrões instantâneos e outros ultraprocessados com sabores artificiais, que imitam churrasco, frango e outros gostos proteicos – mas não têm nada disso na composição. Um truque ardiloso.
O mundo está fadado a se afundar nos ultraprocessados, então? Mais ou menos. A sociedade já conseguiu se libertar de coisas piores. Em 1989, segundo dados do Ministério da Saúde, 34% dos brasileiros fumavam. Hoje, são 12,6%.
Uma redução enorme, de dois terços, no espaço de uma geração. Daqui a duas ou três décadas, quem sabe, as pessoas olhem para trás e se espantem ao ver quão comum era ingerir alimentos tão estranhos e nocivos. Tudo começa com uma mudança de hábitos.
Simpson dá uma dica, com base em sua experiência pessoal. “Procuro não tê-los em casa. Quando se trata de ultraprocessados, eu, como a maioria de nós, sou equivalente a um alcoólatra em recuperação. A abstinência é o único caminho seguro para mim”, diz ele. “É melhor colocar o nosso apetite num ambiente alimentar que faça sentido para o organismo.”
Esse ambiente, talhado por milhares de anos de evolução, é formado por alimentos saudáveis, que parecem e são comida – não gororobas mirabolantes criadas em laboratório para aumentar os lucros, confundir os sentidos e viciar nossos corpos.
Fontes (1) ”Consumo de alimentos ultraprocessados no Brasil: distribuição e evolução temporal 2008–2018”. M Louzada e outros, 2023. (2) “Consumption of ultraprocessed foods and body at distribution among U.S. adults”. J Liu e outros, 2023. (3) “Food processing and cancer risk in Europe: results from the prospective EPIC cohort study”. N Kliemann e outros, 2023.
(4) “Ultra-processed food consumption and mental wellbeing outcomes”. Sapien Labs, 2023. (5) “Ultra-processed food exposure and adverse health outcomes: umbrella review of epidemiological meta-analyses”. M Lane e outros, 2024. (6) “Premature deaths attributable to the consumption of ultraprocessed foods in Brazil”. E Nilson e outros, 2022. (7) “Nutrition and health. The issue is not food, nor nutrients, so much as processing”. CA Monteiro, 2009.
(8) Disponível em bit.ly/3xYBvwV. (9) “Social, clinical, and policy implications of ultra-processed food addiction”. A Gearhardt e outros, 2023. (10) “US tobacco companies selectively disseminated hyper-palatable foods into the US food system: empirical evidence and current implications”. T Fazzino e outros, 2023. (11) “Alterations in reward network functional connectivity are associated with increased food addiction in obese individuals”. A Gupta e outros, 2021.