Por que precisamos ingerir sal?
Nossas células precisam dele o tempo todo para controlar de o que entra e o que sai delas
Para os químicos, sal é o nome dado a uma série de substâncias resultantes da reação de um ácido com uma base – encontro que, fatalmente, também gera água. Mas, na cozinha, o que se conhece simplesmente por sal é um desses sais: o cloreto de sódio. Trata-se de uma substância sem a qual ninguém consegue viver, tão essencial que já foi usada até como dinheiro na antiguidade.
Por que precisamos ingerir sal?
O cloreto de sódio, nosso bom e velho sal de cozinha, é um dos mais preciosos alimentos de que se tem conhecimento. Nossas células precisam dele o tempo todo, uma vez que o sódio é um importante controlador de substâncias que entram e que saem de dentro delas. Ingerindo de 6 a 8 gramas de cloreto de sódio por dia – isso dá um pouco mais que duas pitadas – conseguimos manter o equilíbrio do corpo, isto é, um balanço ideal dos nutrientes e de água dentro das células. Na quantidade adequada, o sal aumenta os movimentos peristálticos dos intestinos, contribuindo para uma boa digestão, facilita a produção de energia, auxilia o funcionamento renal, além de ser muito importante para quem pratica mais de uma hora de exercícios físicos, pois ajuda a repor o sódio perdido com o suor. Se alguém tentar uma dieta que exclua totalmente o sal corre o risco de ficar enrugado como uma uva passa.
Sem o sódio, seu controlador de água celular, o organismo não conseguiria reter líquidos e as células perderiam seu volume normal. Já o excesso de sal é bem perigoso, pois ele suga a água das células, retém excessiva quantidade de líquidos no organismo, o que força demais os vasos sanguíneos, podendo levar a um aumento da pressão arterial. Enquanto uma pequena quantidade de sal promove a função renal, o excesso afeta os rins e interfere no metabolismo de absorção de cálcio e de nutrientes em geral. “O problema é que nosso paladar exige cerca de dez vezes mais sal do que deveria”, diz Graziela Friedler, nutricionista e doutouranda no Laboratório de Metabolismo da Universidade de São Paulo (USP).
Por que as carnes salgadas são difíceis de estragar?
O que faz a comida cozida estragar é a proliferação de micro-organismos como bactérias e leveduras. Nos alimentos crus, as enzimas do próprio alimento se encarregam de fazer a decomposição. O sal é usado como conservante porque inibe a ação de enzimas degradativas, sejam elas do alimento ou dos micro-organismos. Fora isso, ele faz com que a água das células animais saia até que a concentração em sal seja a mesma no interior e no exterior das células. Um ambiente seco, sem água, e encharcado de sal não é nada propício para agentes decompositores. “Afinal, como nós, eles também precisam de água para sobreviver”, explica Jaime Amaya Farfan, professor titular da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Universidade de Campinas (Unicamp). É bom lembrar que a salga pode perder seu poder conservante se não for feita em altas concentrações de sal, permitindo que a carne seja contaminada por bactérias halófilas – aquelas que vivem em ambiente salgado e com pouca água.
Esse processo de conservação é usado em algumas carnes desde a Idade Média. O bacalhau, por exemplo, depois de salgado, era transportado, na Europa, em cima de mulas. Hoje em dia, só o transporte mudou – a conservação continua a mesma, pois a carne do bacalhau tem uma textura bem peculiar que, depois de reidratada, fica muito parecida com o que era antes.
Por que azeitonas são curadas em sal?
Ao serem colhidas, as azeitonas têm um sabor amargo insuportável causado pela oleoropeína, um composto orgânico presente em sua polpa. Para ficarem gostosas e rechonchudas, elas são deixadas por alguns meses de molho em salmoura (solução salina), renovada regularmente. Em uma temperatura de 25ºC a 28ºC, começa a fermentação láctica, que decompõe os açúcares da fruta e origina ácido láctico. O ácido produzido provoca uma descida do pH, o que proporciona um ambiente ideal para conservação longa. “A salmoura e o ácido láctico fazem com que a oleoropeína se dilua e o amargor seja bem reduzido”, diz o engenheiro de alimentos Nelson Sakazaki.
Por que jogamos sal no balde de gelo da cervejinha?
O sal altera as temperaturas em que a água muda de estado físico. No caso do gelo da cerveja, adição de sal faz com que a água necessite de mais energia para passar do estado sólido para o líquido, perdendo mais calor. O resultado prático é uma cerveja mais gelada do que outra que estivesse mergulhada em gelo puro. “O sal é usado porque está sempre à mão em uma mesa de bar. Mas pode ser substituído por qualquer outro pó solúvel em água, como o açúcar, por exemplo”, explica Maria Eunice Ribeiro Marcondes, professora do Instituto de Química da USP. O mesmo fenômeno ocorre quando se põe água salgada para ferver. Aí a água também vai necessitar de mais calor para deixar de ser um líquido e passar a ser um gás. Só que, neste caso, o calor extra é puxado da chama do fogão e a temperatura de ebulição se eleva. Quanto mais sal na água, maiores serão as variações de temperatura em ambos os casos.
Faz diferença ingerir sal grosso? E sal marinho?
O sal que você compra no supermercado é sempre cloreto de sódio, não importa a denominação que vem escrita no pacote. Os sais refinados, depois de extraídos das salinas, passam por uma lavagem, são moídos, centrifugados e novamente secos em altas temperaturas. Em seguida, são peneirados para extrair impurezas e recebem algum tipo de antiumectante (para deixá-los bem soltinhos), além de uma dose de iodato de potássio, exigido pela legislação brasileira para prevenir o bócio, uma doença na tireoide. O sal grosso também é refinado, só que seu processo de recristalização é mais lento e gera cristais grandes. Na hora de comer, a diferença essencial está nas sensações geradas por pedaços maiores ou menores. Portanto, usar sal grosso em pratos em que os cristais são dissolvidos em água não faz muito sentido. O sal pode ser obtido de duas formas: por meio da evaporação da água do mar e pela exploração de depósitos no subsolo.
O nome “sal marinho” nem sempre quer dizer somente que ele saiu do mar, mas também que não passou por nenhum procedimento de refinação – apenas a adição de iodo. Do sal marinho é retirada a “flor de sal”, vendida a preços estratosféricos. Trata-se da primeira camada fina de cristais que se forma na superfície das salinas, que os chefs garantem ter um sabor inigualável.
É possível salvar uma sopa salgada demais? Batata adianta?
Eis uma questão que causa controvérsia entre os cientistas. Para o químico norte-americano Robert L. Wolke, autor do livro O que Einstein disse a seu cozinheiro, isso não passa de um mito. Wolke conduziu experiências controladas para verificar o fenômeno. Segundo ele, a batata absorve o sal, mas também absorve água – e a concentração salina da solução permanece inalterada. Já para a nutricionista Graziela Friedler, a batata puxa mais sódio que outras substâncias, alterando a salinidade da solução. Segundo ela, pode-se diminuir o sal de um caldo sem perder o sabor dos outros ingredientes. Ainda supondo que o truque funcione, um efeito parecido poderia ser obtido usando-se, no lugar de batata, mandioca ou mandioquinha. Agora, se você errou a mão no sal do feijão, esqueça, porque nada poderá salvar seu almoço. O feijão tem a mesma propriedade de absorção do tubérculo – por isso, deixe sempre para salgá-lo no final do preparo.
Por que algumas receitas pedem manteiga sem sal e… sal?
Pode parecer mais fácil usar manteiga salgada, afinal o sal já está lá mesmo. Mas isso é uma prática culinária um tanto arriscada. A questão é que a proporção de sal adicionada à manteiga varia de acordo com o fabricante: por isso, fica impossível determinar o quanto de manteiga salgada uma receita deve levar. Uma colherada a mais e pronto – lá se vai um prato salgado demais para a lata de lixo. Além disso, as propriedades conservantes do sal fazem com que alguns laticínios reservem para a manteiga salgada a sobra da produção, uma manteiga de qualidade um pouco inferior. Mas nada que impeça você de passar aquela manteiga em lata, salgadinha e deliciosa, num pão francês quentinho.