Qualidade da água interfere no grau das malformações por zika vírus
Descoberta de pesquisadores brasileiros ajuda a explicar o porquê de o Nordeste ter sido uma região especialmente afetada.
Em meio à pandemia de Covid-19 no mundo, um novo estudo brasileiro chama atenção para outra doença causada por vírus: o zika, responsável por uma epidemia que ocorreu entre 2015 e 2016 no Brasil. A pesquisa identificou que a qualidade da água ingerida pelos pacientes com zika interfere na gravidade dos efeitos do vírus em mulheres grávidas – o que pode explicar o fato do Nordeste ter sido especialmente afetado durante o surto brasileiro.
O zika é um vírus transmitido pelo mosquito Aedes Aegypti, o mesmo vetor da dengue e do chikungunya. Quando infecta humanos, ele causa, em geral, febre baixa, dores de cabeça e no corpo – sintomas parecidos com os de um quadro leve de dengue. O problema mesmo é no caso de mulheres grávidas, já que o vírus pode causar problemas graves no desenvolvimento do feto, incluindo microcefalia (condição em que o cérebro não se desenvolve de maneira adequada).
A relação entre o zika e a microcefalia foi muito bem documentada durante a epidemia da doença que começou no Brasil em 2015, espalhou-se pela América no ano seguinte e infectou mais de 177 mil pessoas até o final de 2016 – dentre os quais, 2.525 resultaram em síndromes congênitas, segundo dados da Organização Pan-Americana da Saúde.
No Brasil, a região mais afetada pela doença foi a Centro-Oeste, mas o Nordeste concentrou o maior número de casos de microcefalia associados ao vírus. Esta anormalidade levou pesquisadores a se perguntarem se algum fator ambiental estava interferindo nestes números.
Agora, um novo estudo parece ter encontrado uma resposta: a qualidade da água ingerida pelos pacientes pode influenciar na gravidade dos efeitos da doença em mulheres grávidas. Foi o que descobriu uma equipe formada por pesquisadores do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR), das universidades federais do Rio de Janeiro (UFRJ) e Rural de Pernambuco (UFRPE) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Os resultados foram publicados na revista PLOS Neglected Tropical Diseases.
A água do Nordeste
O Nordeste brasileiro contém áreas conhecidas por seus longos períodos de seca. A mais recente, que foi de 2012 a 2017, foi a mais severa da história do país, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia – período que inclui os anos em que o surto de zika explodiu.
Nessas condições, a população mais pobre geralmente recorre à água potável armazenada em caminhões-pipa e reservatórios muitas vezes sem higiene apropriada – e que podem conter microrganismos.
Usando dados do Sisagua (Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano), a equipe constatou que, entre 2014 e 2018, um terço da água consumida no Nordeste tinha mais de 20 mil cianobactérias por mililitro, limite recomendado como seguro. E que metade dos reservatórios de água da região possuía alta concentração de saxitoxina, uma substância produzida por essas cianobactérias e que pode ser danosa para o cérebro de humanos e animais.
A equipe, então, testou os efeitos da saxitoxina em um cenário combinado com o vírus da zika. Utilizando camundongos e organoides cerebrais humanos – “mini-cérebros” cultivados em laboratório a partir de células de doadores – os pesquisadores conseguiram demonstrar que a presença de saxitoxina piora os efeitos neurológicos do zika, triplicando a mortalidade das células e causando alterações similares à microcefalia nos filhotes de camundongos cujas mães haviam se hidratado com água contaminada.
O estudo ajuda a explicar por que o Sudeste, que teve um número parecido de casos com o Nordeste, apresentou menos casos de microcefalia – afinal, só 25% dos reservatórios de água da região tinham altas concentrações de saxitoxina, metade do valor nordestino. E também permite o desenvolvimento de novas estratégias de combate à doença, que integrem também medidas ambientais e de higiene adequadas.