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Doenças tão mortais quanto misteriosas

Elas deixaram um rastro de morte por onde passaram e já foram viradas do avesso pelos pesquisadores. Mas ainda guardam segredos que desafiam a ciência

Por Reinaldo José Lopes
Atualizado em 31 out 2016, 18h39 - Publicado em 12 mar 2011, 22h00

Gripe Espanhola

Quando ocorreu: 1918-1919
Vírus causador: H1N1
Origem da epidemia: Desconhecida
Total de óbitos: 50 milhões (número estimado)
Mortalidade: 5% dos infectados (número estimado)

A mais assassina de todas as pandemias: em 1918, o planeta estava passando pelo conflito mais devastador da história: a 1ª Guerra Mundial. Mas as mortes no front viraram fichinha diante do estrago causado pela gripe espanhola, que avançou pelo mundo simultaneamente. As estimativas variam, mas ela provavelmente matou, em poucos meses, cerca de 50 milhões de pessoas. Até hoje, nenhuma epidemia global conseguiu superar esse macabro recorde.

Com as técnicas modernas de biologia molecular, cientistas do século 21 foram capazes até de recriar o vírus causador da gripe em laboratório. Isso, entretanto, não impede que mistérios continuem rondando a doença, a começar por sua origem geográfica. “Os locais mais prováveis são o interior dos EUA e a Europa Ocidental”, diz o biólogo Atila Iamarino, que estuda evolução viral em seu doutorado na USP. “Mas muitos fatores atrapalham essas análises. Várias cidades distantes umas das outras nos EUA, por exemplo, relataram as primeiras mortes num intervalo muito curto de tempo, o que indica que o vírus já circulava antes.” Para dificultar ainda mais o trabalho dos pesquisadores, os países que estavam em guerra tendiam a ocultar seus casos, porque isso revelaria que muitos soldados estavam fora de combate. “A gripe só recebeu o nome de espanhola porque a Espanha, neutra no conflito, expôs seus casos.”

De qualquer maneira, a velocidade com que a doença se espalhou e a intensidade dos sintomas sugerem que o vírus – que era do tipo H1N1, tal como o da gripe suína – resultou de uma transformação nas formas de gripe que existiam antes, e provavelmente também de uma mistura com vírus que circulavam em animais, como aves e porcos. O problema é saber que alteração foi essa. “As amostras de vírus da época são poucas, e não temos dados sobre as formas virais que existiam em porcos, por exemplo”, diz Iamarino.

Hoje, existem 3 hipóteses principais sobre o tema: a primeira sugere que o vírus “espanhol” veio diretamente de aves para humanos; a segunda aposta numa mistura entre vírus suínos e aviários; e a terceira fala em um vírus “mestiço” de gripes humanas e suínas. Para o biólogo da USP, a ideia de que o vírus já tinha se adaptado ao organismo de mamíferos como nós faz sentido, porque as gripes de origem aviária normalmente não são transmitidas facilmente de pessoa para pessoa.

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Seja como for, a relativa novidade do vírus fez com que o sistema de defesa do organismo das vítimas não estivesse preparado para ele, o que tanto facilitou a disseminação da doença quanto a tornou mais letal. Diferentemente do que acontece em outras gripes (com exceção da atual onda de gripe suína, que é parecida com a espanhola nesse aspecto), adultos jovens e saudáveis foram mais afetados – e mortos – pela pandemia de 1918. Há várias hipóteses para esse fenômeno. Uma das possibilidades é que, justamente por serem saudáveis, essas pessoas tiveram uma reação de defesa descontrolada diante do vírus, o que acabou causando mais mal do que bem a seu organismo. Além disso, as próprias condições da guerra facilitavam a concentração de muitos indivíduos de boa saúde e na flor da idade – ou seja, soldados – no mesmo lugar, o que certamente acabou virando um prato cheio para a transmissão do vírus assassino.

Ebola

Quando ocorreu: Vários surtos a partir de 1976
Vírus causador: Ebola
Origem da epidemia: Zaire (atual Congo)
Total de óbitos: Cerca de 1000 (em surtos monitorados até hoje)
Mortalidade: Até 90% dos infectados (em surtos monitorados até hoje)

Um vírus letal e cercado de mistérios: se os diretores de filmes de terror tivessem de inventar um vírus, ele seria parecido com o ebola. Taxas de mortalidade altíssimas (entre 50 e 90% dos infectados), sintomas assustadores (como vomitar sangue) e, claro, a locação “exótica” dos surtos (nos cafundós da África) fazem desse patógeno – como os cientistas chamam os agentes causadores de doenças – um dos mais temidos do mundo. Ainda é preciso elucidar uma série de dúvidas sobre como ele age. Mas a boa notícia é que, pelo menos por enquanto, parece improvável que o vírus cause estragos fora de seu local de origem.

“O ebola é um bom exemplo de zoonose não estabelecida, ou seja, uma doença que salta de animais para humanos, mas não permanece”, diz o biólogo Atila Iamarino. “A variante mais agressiva, o ebola Zaire, não é transmitida com eficiência. E tudo leva a crer que contato com o sangue das vítimas é a principal forma de contágio. Como a doença causa sintomas muito debilitantes, isso permite que ela seja detectada e contida rapidamente.”

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Os surtos da doença – que começaram em 1976 e se repetiram em 1979 e 1989, por exemplo – só começaram por causa de condições sanitárias inadequadas em hospitais de países como Congo, Gabão, Uganda e Sudão. No atendimento aos primeiros pacientes, era comum o uso de seringas não descartáveis. Somando-se a isso as condições precárias de higiene, o resultado não poderia ser outro: o vírus se espalhava com muito mais facilidade.

Mas como os infectados contraíam a doença? Possivelmente durante a manipulação da carne de animais caçados. Sabe-se que o ebola também pode matar chimpanzés e gorilas, sendo tão letal para esses primatas quanto para nós.

Isso não significa, porém, que esses bichos sejam o reservatório natural do vírus. Os cientistas consideram provável que certos morcegos comedores de frutas carreguem o ebola sem manifestar sintomas. O contato com os restos das frutas comidas por esses morcegos, ou com as fezes deles, transmitiria o patógeno para outros animais, e deles para o homem. Isso explicaria o fato de a doença só aparecer de vez em quando: seria necessária a infecção, por exemplo, de um caçador, que depois passaria a moléstia para outras pessoas. Elas logo morreriam ou ficariam curadas, com pouco risco de transmitir o vírus ao resto da população.

Vaca Louca

Quando ocorreu: 1996 (primeiros casos registrados em humanos)
Vírus causador: Proteínas defeituosss
Origem da epidemia: Reino Unido
Total de óbitos: Quase 300
Mortalidade: Desconhecida (primeiros casos registrados em humanos)

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O mal que esburaca cérebros humanos: imagine seu cérebro virando um queijo suíço: os neurônios começam a morrer e o tecido cerebral vai ficando todo esburacado. Os passos seguintes são problemas para se movimentar e, finalmente, a morte. Em resumo, é isso o que acontece com quem sofre da doença de Creutzfeldt-Jakob – a versão humana do mal da vaca louca.

A origem da doença não está totalmente clara, mas há fortes indícios de que ela surja graças ao “lado negro” de uma proteína essencial para o bom funcionamento do cérebro. Conhecida como príon, essa proteína ajuda na comunicação entre os neurônios, facilitando, por exemplo, a formação dos prolongamentos que os conectam uns aos outros.

O problema é que, para funcionar bem, toda proteína precisa se enovelar num formato específico. No caso do príon, quando esse novelo se embaralha da maneira errada, acaba perdendo sua função benéfica. E não é só isso. “Aparentemente, o contato do príon patológico com o normal induz uma transformação na maneira como a outra proteína se enrola”, explica Rafael Roesler, bioquímico da UFRGS. Ou seja: o príon “mal enrolado” seria infeccioso, levando outros príons para o lado negro também. As proteínas de formato errado tendem a se agrupar, formando placas proteicas que fazem os neurônios “estourar”, esburacando o cérebro.

Tudo indica, de acordo com os cientistas, que essa situação azarada pode acontecer espontaneamente, tanto em humanos quanto em animais. O problema, porém, é quando há contato de um indivíduo saudável com o tecido cerebral de outro que teve a doença. Foi isso o que aconteceu em vários países europeus, em especial no Reino Unido, durante os anos 80. Para enriquecer a dieta de suas vacas, os britânicos passaram a misturar na ração restos de frigoríficos – inclusive miolos bovinos. Resultado: quem comia um simples hambúrguer produzido com carne que continha tecido cerebral contamido ficava sujeito a contrair a doença. O mal obrigou criadores da Europa a sacrificar centenas de milhares de vacas. E matou quase 300 pessoas no mundo de meados da década de 1980 para cá.

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Gripe Suína

Quando ocorreu: Em curso
Vírus causador: H1N1
Origem da epidemia: México
Total de óbitos: Cerca de 284.500 (dados de 2012)
Mortalidade: 0,4% dos infectados (até abril de 2010)

Por que gestantes correm mais risco? O mundo todo ficou estarrecido e ameaçou entrar em pânico quando, em junho de 2009, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que a chamada gripe suína, causada por uma forma de vírus influenza A H1N1, tinha virado pandemia – ou seja, uma epidemia de proporção mundial. Os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC) estimam que o número de mortes tenha chegado perto dos 300 mil ao redor do planeta.

Em princípio, ninguém podia garantir, em 2009, que não estávamos diante de uma nova – e tão perigosa quanto – gripe espanhola. Portanto, todo cuidado era pouco àquela altura. E mesmo agora, que já está clara a semelhança desse vírus com os das gripes sazonais, a vacinação se justifica. Afinal, até gripes comuns podem muito bem virar um problema sério de saúde pública. Além do mais, restam muitas dúvidas sobre o vírus H1N1 causador da gripe suína, e a comunidade científica internacional precisa elucidá-las antes que a população possa finalmente respirar aliviada.

Uma das questões mal esclarecidas até agora é a aparente gravidade da doença no México, onde a epidemia começou. Naquele primeiro momento, parecia que o vírus era capaz de matar uma parcela assustadora de infectados. Chegou-se a especular algo próximo de 5%, o que faria da gripe suína um problema tão ou mais preocupante que a espanhola. “Mas é muito difícil calcular a taxa precisa de mortalidade no México, porque simplesmente não sabemos qual foi o número total de casos registrado por lá”, afirma o virologista Eddie Holmes, da Universidade da Pensilvânia, nos EUA. “Se a quantidade real de pessoas infectadas foi muito grande, então a taxa de mortalidade sempre foi relativamente pequena.” De qualquer maneira, diz Holmes, o que parece ter acontecido é que os casos graves em território mexicano foram superestimados em relação ao conjunto de doentes, o que não deixa de ser animador.

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Outro mistério é o alto índice de mortes verificado, durante a primeira onda, entre mulheres grávidas e adultos jovens. Como acontece com outras gripes, esperava-se que a maior parte das vítimas fosse de crianças (principalmente abaixo dos 2 anos de idade) e pessoas idosas (especialmente acima dos 70), mais vulneráveis aos efeitos dos vírus influenza. Mas não foi isso o que aconteceu, e ninguém sabe por quê. “Os idosos foram menos afetados, ao que parece, por já possuírem anticorpos efetivos contra o H1N1”, diz o biólogo Atila Iamarino. “A mesma coisa aconteceu com quem foi vacinado contra um tipo de vírus suíno em 1976.”

Especulação

O caso das gestantes é ainda mais misterioso. No Brasil, elas representam mais de 20% do total de mortes provocadas pela gripe suína. “Até agora, as pesquisas indicam que tanto a influenza sazonal quanto a suína afetam mais as grávidas, causando mais sintomas e aumentando o risco de aborto”, afirma Iamarino. “Isso deve ter relação com as alterações causadas pela gravidez, as mudanças na circulação sanguínea, na respiração e no sistema imune [de defesa do organismo]. Mas não conheço nenhum trabalho que aponte uma causa específica.”

A polêmica da vacina

Terrorismo eletrônico: muita gente recebeu spams apocalípticos conforme o programa de vacinação contra a gripe suína foi chegando ao Brasil. As mensagens tentavam convencer as pessoas de que a vacina deveria ser evitada. Motivo: sua composição inclui timerosal. Essa substância conteria altos índices de mercúrio, um metal pesado, tóxico e cancerígeno. Portanto, melhor seria encarar a gripe do que correr o risco de desenvolver um câncer. Certo? Errado. Os médicos sabem desde a Idade Média que venenosa não é a substância, mas a dose que se emprega. “É verdade que a vacina contém timerosal”, afirma o biólogo Atila Iamarino. “A quantidade de mercúrio presente na substância, porém, é inofensiva, muito inferior ao máximo permitido para seres humanos.” Outro suposto veneno contido na imunização, o esqualeno, não passa de um precursor natural do colesterol e da vitamina D, presente em qualquer corpo humano normal. É claro que, em certos casos, reações adversas podem ocorrer. Mas não há qualquer razão para evitar a vacina.

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