Vacina de Oxford contra a malária atinge 77% de eficácia em testes preliminares
O imunizante é o primeiro a alcançar a eficácia almejada pela OMS. Entenda por que é tão difícil desenvolver uma vacina contra a doença que mata 400 mil pessoas por ano.
A malária é uma das doenças infecciosas que mais mata no mundo. Em 2019, ela foi responsável por 229 milhões de casos e 409 mil mortes, segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS). 94% dos casos ocorreram no continente africano, e 67% das vítimas foram crianças com menos de 5 anos de idade.
Uma vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford pode ser o maior avanço no combate à doença para os próximos anos. O imunizante apresentou 77% de eficácia em testes clínicos. Ele é o primeiro a atingir a meta da OMS de desenvolver uma vacina para a malária com pelo menos 75% de eficácia até 2030.
A equipe de pesquisadores é a mesma que desenvolveu a vacina contra a covid-19, que está sendo aplicada no Brasil. Os resultados preliminares do imunizante contra a malária foram divulgados em um pré-print do periódico The Lancet, e ainda não passaram pela revisão de outros cientistas. Os testes da vacina R21/Matrix-M foram realizados no Instituto de Pesquisa em Ciências da Saúde (IRSS) em Burkina Faso, um dos países com maior incidência de malária. O estudo de fase 2 da vacina envolveu 450 crianças entre 5 e 17 meses de idade.
Um terço delas recebeu uma dose baixa da vacina, enquanto outro terço recebeu uma dose mais alta. O restante das crianças serviu como grupo controle, e recebeu a vacina da raiva em vez da R21/Matrix-M. O estudo também foi duplo cego – ou seja, nem quem aplicou e nem quem recebeu a dose sabia qual delas estava na seringa. As doses foram aplicadas entre maio e agosto de 2019, antes do período do ano com o maior número de casos da doença.
Nos 12 meses após a vacinação, a dose mais alta apresentou eficácia de 77%, enquanto a dose baixa preveniu 71% dos casos. Os autores não relataram nenhum efeito adverso grave à vacina. Um ano depois, as crianças receberam uma dose de reforço da vacina.
Os resultados são animadores, mas ainda devem ser confirmados pelos próximos estudos. Apesar de ser uma doença bem conhecida, os esforços para criar uma vacina contra a malária ainda não foram totalmente bem sucedidos. A melhor candidata a vacina até agora é a RTS,S/AS01, que apresenta 55,8% de eficácia e está em desenvolvimento desde 1984.
Mas se os pesquisadores desenvolveram uma vacina para a covid-19 em menos de um ano, por que é tão difícil criar uma para a malária?
O segredo é que a doença não é causada por um vírus, e sim por cinco parasitas do gênero Plasmodium, sendo o Plasmodium falciparum o mais letal. Eles passam por diferentes estágios de desenvolvimento ao longo da vida. Todos são transmitidos pela picada do mosquito Anopheles. Ao entrar na corrente sanguínea, o Plasmodium segue para o fígado, onde se desenvolve e reproduz até chegar na próxima fase do ciclo. Nessa etapa, eles voltam ao sangue e infectam os glóbulos vermelhos, causando seu rompimento. Depois, a pessoa infectada pode ser picada novamente por um Anopheles, e o ciclo recomeça no organismo do mosquito.
Os cientistas precisam saber qual dessas etapas devem atacar com a vacina, o que deixa o desenvolvimento ainda mais desafiador. Tanto a R21/Matrix-M quanto a RTS,S/AS01 tentam desencadear uma resposta imune ao parasita em seu estágio inicial, antes que ele chegue ao fígado. O primeiro artigo sobre uma vacina contra a malária foi publicado em 1910, e os primeiros testes clínicos ocorreram na década de 1940. Desde então, mais de 140 candidatas passaram por testes, mas poucas atingiram a eficácia esperada.
Próximos passos
Após os resultados promissores de fase 2, os pesquisadores já estão recrutando voluntários para a terceira fase de testes clínicos. A primeira fase geralmente envolve algumas dezenas de pessoas e serve para verificar a segurança do imunizante. Já a segunda fase foca na eficácia da vacina, envolvendo centenas de voluntários. A terceira e última fase verifica o impacto da vacina na prevenção de casos em milhares de pessoas.
A fase 3 da R21/Matrix-M envolverá 4.800 crianças entre 5 e 36 meses de idade em quatro países africanos. Os resultados devem estar disponíveis em 2022. O co-autor Adrian Hill, da Universidade de Oxford, espera que a vacina possa ser aprovada nos próximos dois anos. Em nota divulgada à imprensa, ele afirma que o Instituto Serum, da Índia, pode fabricar 200 milhões de doses da R21/Matrix-M por ano.