Chimpanzés também se tornam mais seletivos com suas amizades na velhice
Assim como ocorre entre nós, os primatas idosos valorizam um círculo de amizades menor e mais profundo, enquanto os mais jovens buscam relações superficiais. A descoberta deve mudar a maneira como a psicologia entende as interações sociais entre idosos humanos.
Quando envelhecemos, tendemos a buscar um estilo de vida mais tranquilo e pacífico ao lado de amigos de longa data, em vez de procurar por novas amizades superficiais e passageiras. E isso não é exclusividade humana: pela primeira vez, biólogos identificaram essa tendência comportamental em indivíduos de outra espécie – os chimpanzés.
Um estudo publicado quinta (22) no periódico especializado Science descreve as relações de amizades entre 21 chimpanzés machos que vivem no Parque Nacional da Floresta de Kibale, na Uganda. No total, foram mais de 78 mil horas de observações realizadas entre 1995 e 2016, o que gerou uma base de dados robusta e confiável. Só foram considerados os chimpanzés machos porque as fêmeas tendem a ter menos laços e interações sociais com outros chimpanzés.
Chimpanzés, assim como outros primatas, são animais bastante sociais. Eles vivem em comunidades e interagem o tempo todo entre si. Mesmo assim, o conceito de “amizade” é algo subjetivo, que se refere principalmente à experiência humana. Por isso, identificar quando dois ou mais chimpanzés são “amigos” não é uma tarefa fácil.
O critério adotado pelos pesquisadores para determinar a existência de um laço de amizade foi a frequência com que cada par de chimpanzés praticava a catação entre si. Catação é o hábito de afagar os pêlos de outros indivíduos para retirar ectoparasitas, como pulga e carrapatos. Além da catação mútua, o mero fato de um chimpanzé passar muito tempo perto de outro já indica um laço social de amizade.
‘Se acompanhássemos os humanos da mesma maneira que acompanhamos os chimpanzés, veríamos que você se senta mais perto de seus amigos do que de outras pessoas”, explicou à SUPER Zarin Machanda, antropóloga da Universidade Tufts e uma dos autores do estudo. “Quando você é um chimpanzé, sentar-se perto de outro indivíduo requer algum tipo de tolerância social, porque o indivíduo pode ficar agressivo e, se isso acontecer, você estará vulnerável a ataques”. Como a base de dados usada foi grande, as chances de uma interação fora da curva afetar os dados é praticamente nula.
Com esses critérios, os pesquisadores notaram que chimpanzés de idades diferentes se comportavam de maneiras diferentes. Os adolescentes e jovens adultos, com cerca de 15 anos, catavam detritos no pêlo de um grande número de chimpanzés, mas nem todos que recebiam o afago correspondiam. Isso indica que eles estavam buscando novos amigos em um grande grupo, e que muitas das relações não eram profundas e significativas. Estavam mais para tentativas de aproximação, como um… “Oi, tudo bem? Como você chama?”
Já os primatas mais velhos, com mais de 40 anos, se mostravam mais solitários. Quando procuravam a companhia de outros indivíduos, recorriam a amigos de longa data, que quase sempre retribuíam a catação e faziam companhia pacificamente. Dificilmente os chimpanzés velhos estabeleciam relações unilaterais e aleatórias. Ou seja: não buscavam fazer novos amigos.
Além disso, os idosos levavam estilos de vida mais pacíficos, evitando confrontos com outros indivíduos. Os jovens, por sua vez, exibiam com mais frequência o típico comportamento competitivo (e por vezes agressivo) da espécie.
A mudança de comportamento que acompanha o envelhecimento é observada em humanos há bastante tempo, mas foi a primeira vez que outra espécie demonstrou as mesmas características. Entre nós, antropólogos e psicólogos ainda debatem as razões que explicam essa mudança na velhice.
Uma das hipóteses é a da seletividade socioemocional. Ela propõe que humanos passam a escolher melhor suas experiências e amizades na velhice porque ganhamos mais noção da passagem do tempo e da morte inevitável, o que nos leva a querer “aproveitar” a vida com mais profundidade e preferir qualidade à quantidade.
O fato de os chimpanzés apresentarem a mesma tendência contraria essa ideia por um motivo simples: eles não têm a noção de futuro que nós temos. “No máximo, os chimpanzés podem pensar em si mesmos daqui a algumas horas, ou talvez um dia”, diz Machanda.
Assim, é provável que haja outros fatores em jogo, tanto em humanos como chimpanzés. Segundo a equipe, devem haver mecanismos semelhantes regulando as emoções nas duas espécies, que ainda não são totalmente compreendidos. E esses mecanismos devem se alterar com a idade.
É possível que essa característica remonte de nosso ancestral comum, que viveu há cerca de oito milhões de anos. É preciso avaliar se comportamento existe em outros primatas para determinar sua prevalência em nossa árvore genealógica. A equipe diz que estudos parecidos com bonobos e golfinhos poderiam trazer resultados interessantes.
Embora identificar padrões parecidos entre humanos e chimpanzés não seja lá uma enorme surpresa (eles são nossos parentes mais próximos evolutivamente, junto com os bonobos), o novo estudo mostra que estudar animais sociais pode revelar muito sobre nós mesmos. “Na nossa pesquisa, descobrimos que o padrão que vemos nos humanos pode ocorrer mesmo sem a capacidade humana de monitorar o tempo futuro e, portanto, temos que considerar explicações alternativas para o porquê os humanos envelhecem dessa maneira”, diz Machanda.
“Também é importante notar que identificar o mesmo padrão em chimpanzés sugere que não devemos necessariamente olhar essa característica do envelhecimento em humanos (de ter redes sociais menores e focar em apenas alguns laços emocionais) como uma coisa negativa, mas sim como um padrão que pode fazer parte do envelhecimento saudável.”