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A web está morrendo

E o principal responsável é o Google – que publicamente nega, mas discretamente admite, o problema. Saiba o que está acontecendo, e veja por que isso coloca em xeque a sobrevivência da rede.

Por Bruno Garattoni Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 13 out 2025, 16h04 - Publicado em 13 out 2025, 14h00

 

V

Você deve ter percebido que a busca no Google ficou diferente: agora, antes dos links aparece um parágrafo de texto gerado por IA. Esse recurso se chama AI Overviews, e pode ser bem útil, porque geralmente mostra uma resposta (ainda que sujeita às “alucinações” típicas da IA) para a sua pergunta – algo que os resultados tradicionais do buscador, cada vez mais poluídos, frequentemente já não entregam. O AI Overviews remedia um problemão – mas cria outro maior ainda, que coloca em xeque a própria web. Vamos por partes.

Talvez você se lembre do Google “do Velho Testamento”: um período em que o buscador funcionava incrivelmente bem. Essa era vai desde sua criação, em 1998, até 5 de fevereiro de 2019. Naquele dia, o executivo Jerry Dischler, então vice-presidente de anúncios do Google, enviou um e-mail (1) para colegas com a linha de assunto “Confidencial: código amarelo na busca”.

A mensagem, que acabou revelada durante a batalha judicial entre o Google e o governo dos EUA (que acusa a empresa de monopólio), descrevia uma crise moderada – daí o “amarelo”. O problema era que as buscas estavam crescendo menos do que o esperado, e isso impactava o faturamento da empresa.

A questão logo deflagrou uma batalha interna. De um lado, executivos querendo mexer no algoritmo do Google para aumentar o número de acessos. Do outro, o engenheiro Benedict Gomes, diretor de buscas e um dos pioneiros do Google (onde entrou em 1999). “Nós estamos chegando perto demais do dinheiro”, disse num e-mail (2) a colegas. “Estamos ficando envolvidos demais com os anúncios para o bem do produto e da empresa.”

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Para ele, o Google estava desvirtuando a qualidade da busca, e colocando o lucro em primeiro lugar. Por essa lógica, não importaria se as buscas gerassem resultados ruins e imprecisos; os usuários simplesmente continuariam tentando, fazendo mais buscas, o que aumentaria o faturamento do Google.

No cabo de guerra, Gomes levou a pior. Em junho de 2020, perdeu o cargo para o cientista da computação Prabhakar Raghavan, que assumiu prometendo um choque de gestão: disse que os funcionários do Google deviam se preparar para uma nova realidade, pois “as coisas não são mais como eram 15 ou 20 anos atrás”.

Só ele e seus subordinados sabem exatamente quais mudanças fizeram no algoritmo do Google. Mas é fato que o buscador mudou – e piorou – nos últimos anos. De um lado, a frequência e a quantidade de anúncios (links patrocinados) aumentou bastante. Do outro, cada vez mais sites começaram a exagerar nas práticas de SEO (Search Engine Optimization), apelando a truques que supostamente fariam suas páginas aparecerem entre os primeiros resultados no Google.

Sabe quando você pesquisa algo e clica num dos resultados, mas aí a página tem um montão de texto enrolando antes da informação que você queria? Trata-se de um abuso de SEO: os trechos inúteis foram colocados ali porque acredita-se que o algoritmo do Google privilegie páginas com mais texto. Isso piorou com as IAs generativas, que permitem gerar toneladas de texto com um clique.

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Com tanto entulho digital poluindo o Google, cada vez mais pessoas começaram a usar o ChatGPT como uma espécie de ferramenta de busca. Em resposta, o Google criou o AI Overviews. Mas, após o surgimento dele, as pessoas passaram a clicar menos nos links exibidos nas buscas. Bem menos. Uma pesquisa (3) feita nos EUA pelo instituto Pew Research, que monitorou a navegação de 900 voluntários durante um mês, revelou que o AI Overviews reduz em 46% os cliques nos resultados das buscas no Google.

Talvez você esteja se perguntando: qual o problema disso? Afinal, as pessoas não são obrigadas a clicar em nada, e só querem encontrar as informações que procuram, certo? Certo. Para o Google, tudo bem também – ele continua tendo acessos e mostrando anúncios. Quem se dá mal é a web, que fica de mãos abanando: como as pessoas não clicam nos links, e não visitam os sites, eles não conseguem exibir banners publicitários, e sua receita fica comprometida.

Você já reparou que, de uns tempos para cá, cada vez mais sites têm paywalls, que exigem uma assinatura para ler o conteúdo? É por isso. A tendência deve piorar com o lançamento do Modo IA, que foi liberado recentemente pelo Google e transforma o buscador num bot de conversação, como o ChatGPT – o que irá diminuir ainda mais os cliques em links.

Esse fenômeno, mais a migração das pessoas para plataformas fechadas como o Instagram e o TikTok (que dificultam ao máximo a inserção de links), tem reduzido drasticamente a quantidade de acessos ao 1,2 bilhão de sites da internet. A web como a conhecemos, aberta e cheia de informações livremente acessíveis, está morrendo.

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Publicamente, o Google nega isso, e diz que a rede nunca esteve tão bem. Mas, na Justiça, admite o contrário. Num memorando (4) enviado em setembro à corte da Virgínia, nos EUA (que está julgando o processo do governo americano contra a empresa), o Google disse que “a web aberta já está em rápido declínio”.

As ferramentas de IA só existem graças à web. O ChatGPT, o Gemini, os AI Overviews e outros foram e são alimentados com conteúdo dos sites, cujos dados usam para redigir suas respostas. Mas não pagaram por isso – o que, juridicamente, pode constituir pirataria.

O New York Times, nos EUA, e a Folha de S.Paulo, no Brasil, estão processando a OpenAI, dona do ChatGPT, pedindo compensação financeira pelo conteúdo usado no bot. Há dezenas de processos similares correndo na Justiça dos EUA. Em junho, uma corte americana decidiu que a Anthropic (criadora do bot Claude) tem o direito de usar livros para alimentar sua IA, mas cometeu pirataria porque usou cópias ilegais baixadas da internet.

A empresa fez um acordo judicial, e irá pagar US$ 1,5 bilhão a 500 mil autores cujos livros pirateou – o que dá US$ 3 mil para cada um. É muito menos do que está na lei americana, que prevê multa de até US$ 150 mil por obra pirateada.

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Com a insustentabilidade financeira da web, uma parte cada vez maior dela será preenchida por conteúdo sintético, gerado por IA. E isso pode ter uma consequência irônica. Uma experiência (5) feita em 2024 por cientistas das universidades de Oxford e Cambridge demonstrou que, quando IAs são alimentadas com conteúdo sintético, criado por outros bots, ocorre o chamado colapso do modelo: o algoritmo vai “emburrecendo” progressivamente, até entrar num declínio impossível de reverter. As IAs estão matando a web – mas, no futuro, elas próprias poderão pagar um preço por isso.

Fontes (1) Reprodução disponível em www.justice.gov/usdoj-media/atr/media/1322631/dl?inline (2) www.justice.gov/d9/2023-11/417581.pdf
(3) “What Web Browsing Data Tells Us About How AI Appears Online”; (4) www.documentcloud.org/documents/26086105-google-memorandum-ad-tech
(5) “AI models collapse when trained on recursively generated data”.

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