Língua artificial criada em laboratório é capaz de reconhecer sabores em líquidos
A primeira língua artificial do mundo usa nanotecnologia e inteligência artificial para reconhecer gostos em líquidos. Entenda.

Cientistas desenvolveram a primeira língua artificial que consegue detectar sabores diretamente em líquidos, reproduzindo de forma inédita o funcionamento das papilas gustativas humanas.
Os pesquisadores esperam que a descoberta, descrita na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences, abra caminhos para novas ferramentas de segurança alimentar, diagnóstico precoce de doenças e até robôs que possam “provar” o ambiente ao redor.
Nos testes, a língua artificial foi treinada para reconhecer quatro gostos básicos: doce, salgado, azedo e amargo, com taxas de acerto que variaram de 72,5% a 87,5%. Para líquidos mais complexos, como café e refrigerante de cola, a precisão alcançou até 98,5%. Além disso, o sistema conseguiu classificar amostras inéditas com resultados entre 75% e 90%.
“Nossos dispositivos podem funcionar em líquidos, detectar o ambiente e processar informações – assim como nosso sistema nervoso”, afirmou Yong Yan, professor de química do Centro Nacional de Nanociência e Tecnologia da China e coautor do estudo, ao Live Science.
O protótipo é formado por camadas ultrafinas de óxido de grafeno, um derivado do grafeno puro. O grafeno é um material feito por uma única camada de átomos de carbono organizados em uma rede. É conhecido por sua alta resistência, condutividade elétrica ajustável e reatividade química.
Neste estudo, o óxido de grafeno foi escolhido porque reage de maneira diferente a cada substância, alterando seu sinal elétrico. Ele age como um filtro molecular, fazendo os íons atravessarem canais milhares de vezes mais finos que um fio de cabelo humano.
Quando uma amostra líquida entra em contato com o material, seus compostos se dissolvem e liberam íons. Esses íons formam padrões únicos de condutividade elétrica, permitindo que o sistema registre e diferencie os gostos. É como se cada gosto tivesse uma assinatura elétrica única.
Um algoritmo de aprendizado de máquina (machine learning) interpreta essas assinaturas e cria uma espécie de “memória gustativa”. Quanto mais o dispositivo “experimenta”, mais preciso ele se torna – em um processo semelhante ao aprendizado do cérebro humano.
A desaceleração dos íons é essencial para o funcionamento. No novo sistema, eles se movem até 500 vezes mais lentamente que o normal – como desacelerar um carro de corrida para a velocidade de uma caminhada. Isso permite que o sabor seja registrado por cerca de 140 segundos – o que era impossível nas versões anteriores, que mantinham essa informação por apenas milissegundos.
A principal inovação está em realizar parte do processamento ainda no próprio líquido, o que reduz a dependência de computadores externos – uma limitação comum em modelos anteriores.
Esse método usa a chamada “computação de reservatório”, em que o próprio hardware ajuda na análise. É como se o dispositivo fosse uma esponja que, além de absorver a informação, já começasse a processá-la antes de entregá-la ao “cérebro” eletrônico. Combinada a redes neurais, essa abordagem aumenta a precisão e permite que o sistema aprenda com o uso.
“Identificamos diferentes sabores usando um sistema de aprendizado de máquina mais simples: parte computação de reservatório e parte rede neural básica”, explicou Yan. “Fundamentalmente, nosso dispositivo físico realmente fez parte do trabalho de computação.”
E talvez você esteja se perguntando: para quê serve uma língua artificial? As aplicações possíveis são variadas: detectar alterações de paladar indicativas de doenças e ajudar pacientes que perderam a capacidade de sentir gostos após derrames ou infecções. Outras possibilidades são usos para melhorar testes de qualidade em alimentos e bebidas e monitorar a potabilidade da água.
“Essas inovações estabelecem bases essenciais para aplicações que vão desde diagnósticos médicos até máquinas autônomas capazes de ‘provar’ seu ambiente”, destacou o pesquisador.
Por enquanto, ainda existem desafios. “O sistema ainda é muito volumoso para aplicações práticas”, disse Yan. O consumo de energia também é acima do ideal, e a sensibilidade precisa ser aperfeiçoada.
Mesmo assim, ele se mostra otimista: “Assim que superarmos os desafios de aumentar a produção, melhorar a eficiência energética e integrar múltiplos sensores – e desenvolvermos hardware neuromórfico compatível –, poderemos ver avanços transformadores em tecnologia de saúde, robótica e monitoramento ambiental na próxima década.”